Gomarasca. Mais uma vez é dia
«Nós tentamos abordar o que aconteceu para extrair uma moral, mas o que esse rapaz ganhou foi uma amplificação do seu ser.» Professor e diretor, Daniele Gomarasca conta o que aprendeu com este ano. E com seus alunos«O hoje, aqui, agora de Rosa Montero parece-me ser a fotografia daquilo que muitos jovens e adultos viveram, vivem, achatados no eterno presente, no sentido negativo. Uma dinâmica de videogame, onde você pode desaparecer – desligar a câmara – e não parece fazer diferença.» Daniele Gomarasca, professor de italiano e coordenador pedagógico do ensino fundamental da escola La Zolla, em Milão, fala de cátedra. Todos nós estivemos um pouco Escondidos atrás de um vídeo, desligado ou ligado. «O importante é alguém que te faça sair do buraco.» Isto não é nada mais do que a tradução de “educar”. E é a tarefa mais importante da escola e dos professores. Foi um ano difícil, mas não inútil, embora «muitas vezes dizer “este ano eu aprendi que…” pode ser estéril e retórico», se for «um ir direto ao ponto e deixar para trás o passado».
Não vai me dizer que não aprendemos nada com a pandemia…
Não, pelo contrário. Impressionou-me um menino do nono ano. Ele trouxe como bagagem deste ano e meio grandes perguntas. Expressou isso no final da sua míni tese mais ou menos assim: «Diante das tragédias da história ou diante da tragédia que estamos vivendo, a pergunta que resume tudo é: afinal, quem é o homem? Porque sinto dentro de mim um desejo cada vez mais forte apesar desta queda». Fiquei entusiasmado. Também nós, professores, tentamos abordar o que aconteceu para extrair uma moral, mas o que esse rapaz ganhou foi uma amplificação do seu ser, uma descoberta de infinitos desejos. E fiquei animado por isso acontecer hoje. É o resultado do convite da escola a não perder de vista a realidade, a grande ausente deste ano.
Num dos seus artigos recentes no Il Foglio, o senhor fala de “contemplar”, palavra que deriva de «templum, a porção do céu para a qual os antigos adivinhos olhavam a fim de ver um sinal, uma promessa, uma profecia ainda desconhecida». Convidou os seus alunos a contemplar a realidade. O que significa isso?
No início do ano, estávamos preocupados com as normas de higienização. Como posso “vender” às crianças mais um decálogo de coisas a respeitar? E se, pelo contrário, tentássemos ver se o que realmente acontece, o que nos é pedido, é nosso inimigo ou não? Porque não aproveitamos esta oportunidade para aprender verdadeiramente a nos olhar com a máscara? Aprender a “olhar”, para ser o “guardião” do outro, para nos levarmos a sério. Até a necessidade de distância: se você fica colado às coisas, já não vê. Precisa manter o espaço certo, a lente certa entre você e as coisas. Então, eu disse, em vez de se amontoarem (pelo amor de Deus, no ensino fundamental é um bom hábito), podemos parar e perceber que o outro tem um valor. Claro, depois há as regras de lavar as mãos, por não sei quantos segundos, e está tudo certo. Mas a grande pergunta permanece: a realidade, o que acontece, todas estas regras, são para você ou são contra você?
O senhor diz: «O “guardião” do outro», «levarmos a sério». O que isso implica? É um pouco como tomar conta do outro?
Nós captamos os sorrisos por trás das máscaras. Temos trabalhado para garantir que houvesse olhos vigilantes para as coisas e seu significado. Mas não significa que se possa permanecer em silêncio ou esquecer todo o sofrimento que houve, para alguns muito mais do que para outros. Não quero julgar um aluno ou um colega que, diante do que viveu, apenas descobriu um vazio ou uma negatividade, como alguém que falhou, que não viu. Mas tudo o que estamos tentando fazer é não largá-lo. Uma menina do nono ano, simpática, estudiosa, eufórica, descontraída, mostra-se com uma cara apagada. Perguntei-lhe como estava, e ela me disse: «Professor, não aguento mais, porque já não acredito quando dizem que a partir do dia X vamos voltar». Estivemos suspensos (e os jovens pagaram muito) neste «estar lá sem estar lá». Mesmo o dia a dia da vida foi investido por uma dúvida, atravessado por uma sombra: «será que é verdade?» Diante disto, eu quero ser seu companheiro.
Outro exemplo?
Com prazer. Com o ensino remoto, a experiência teatral do nono ano foi interrompida. Quando voltamos ao presencial, fui dizer-lhes que íamos retomar o trabalho. Deparei com trinta máscaras imóveis, sem reação. Eu poderia dizer: «Vocês que se virem! Estão sem vontade». Pelo contrário, senti uma compaixão por quem sente uma desconfiança, um estar apagado, porque muitas vezes eu também fico assim. Também nisto quero ser companheiro de vocês e me comprometo seriamente até fazer com que você veja, na medida em que sou capaz, o bem que eu vislumbrei, vamos vê-lo de mãos dadas. Até porque nas redações tinham escrito: «Que pena não ter terminado o teatro!» Então? Você sabe bem que por trás disto há um coração que bate, mas ao mesmo tempo, é preciso um instante para dar mais atenção a quem está com mais dificuldades. No entanto, a dificuldade é parte integrante da vida, é uma expressão da sua busca de bem, não uma pedra do caminho.
Como chamou a atenção dos seus alunos para verem na realidade essa profecia, esses sinais de que falou antes?
Um dia li na aula a passagem da Ilíada em que pela primeira vez conhecemos a qualidade oratória de Ulisses, que se levanta para falar: feioso, mais baixo do que os outros, olha fixamente para o chão como um louco, segurando o cetro com dureza, com aspereza. As palavras «caíam como flocos de neve lentos no inverno». Naquele momento em Milão nevou. Uma sorte danada! Olhamos para fora, e entendemos, além da feliz contingência, que lemos aos jovens aquilo que é verdade. A escola não é uma simulação da realidade, um pavilhão de treino para algo que vai acontecer a seguir. Queremos educar-nos para a experiência do maravilhamento diante da existência das coisas, da sua existência ilimitada. Quando depois chega o ensino remoto, a pessoa durante algum tempo se lembra do que viu, mesmo na dor, na dificuldade. Para eles tornou-se fundamental o momento da chamada, em que se sentiam chamados a um trabalho de mente e coração. Eu voltei a aprendê-lo este ano. É a contrapartida, para um professor, do fato de que alguém te escuta. E não há experiência mais correspondente do que ser ouvido, que é ser amado, esperado, desejado.
Parece-me que é um aprender e educar recíprocos… Como é que foi «tirado para fora do buraco» pelos seus alunos nestes meses?
Um menino este ano, ao estudar Dante, começou a refletir sobre as consonâncias entre o hoje e a visão trágica e sombria do inferno. Depois, graças a um trabalho de geografia, aprofundado com um programa de televisão, ficou sabendo das condições das crianças do Congo que recolhem o cobalto, um componente indispensável para os smartphones. Então, pediu ajuda ao pai e escreveu em perfeitas estrofes dantescas uma espécie de capítulo da Divina Comédia imaginando um diálogo entre o próprio Dante e Virgílio diante de mais este episódio de embrutecimento humano tão contemporâneo, para encontrar na advertência do Ulisses dantesco um caminho possível. Diante do mal, o apelo poderoso e prepotente a «virtude, conhecimento e altos empreendimentos», ao verdadeiro «destino das humanas gentes». Ouvindo-o recitar os seus próprios versos, ficamos boquiabertos. Entramos todos na sua escola, começamos a aprender, com sua sensibilidade e inteligência, a fazer um juízo verdadeiro. Quando isto acontece, o coração se alarga e aceitamos até todas as tentativas que têm sucessos relativos e discutíveis. Ezra Pound dizia que o professor inteligente devia utilizar a sensibilidade mais fina e mais jovem dos alunos, como uma sentinela exploradora. É isso mesmo. Este é o nível que me interessa, e é algo que eu não sei antes. E desejo do fundo do coração que um rapaz me dê mais conhecimento através do indispensável ângulo a partir do qual se aproxima do conhecimento do mundo. No início, eles ficam totalmente perplexos: logo na primeira aula, perguntei: «E você, o que acha disso?» «Não, professor, ainda não estudei!» Mas eu não te pedi para estudar, para repetir o assunto introduzido, eu quero saber o que você acha disso.
Isso pode acontecer em qualquer relação, para além da escola…
Conto-lhe isto: férias de uns anos atrás. Filhos na idade do jardim-de-infância, acordam cedo. Vamos levá-los ao parque. Levanto as persianas: chuva torrencial. A minha filha olha para mim e diz: «Papai, que beleza!» Tive uma filha maluca, penso, não há nada de bom nisso. Mas à minha pergunta: «Por quê?», responde «Porque mais uma vez é dia». Como poderia censurá-la, e como a nossa mesquinhez ou os nossos projetos desaparecem com o acontecimento de uma coisa verdadeira que nos é dada assim, por graça.
Ideias para setembro?
Há alguns dias que penso numa frase de São Paulo na Carta aos Colossenses: «A realidade é Cristo!» Estava falando disso com os meus colegas: depois destes meses tão cansativos, em que talvez tenhamos adquirido mais conhecimentos e novas competências para retomar um diálogo com os pais, eu gostaria de falar disto: para além dos sonhos e projetos, dentro do que está correndo bem ou do que está correndo mal, o que é a realidade para você, o que é verdadeiramente a realidade? «A realidade…» E você, o que acha disso? Em que acredita? E eu?