Giulia Sodi, diretora e autora de programas de TV e documentários. Foto: Roberto Masi

O que confuso não é

«Se a fé ainda tem uma chance de ressonância no coração dos homens, eu quero ver». Giulia Sodi, diretora da mostra “Viver sem medo na era da incerteza”, conta por que decidiu se envolver e o que ela descobriu, mesmo visitando o Meeting pela primeira vez
Anna Leonardi

«Uma tradução “pop”.» É assim que Giulia Sodi, jovem diretora e documentarista, resume sua direção da mostra “Viver sem medo na era da incerteza”. Ela é ateia, criada em um ambiente não hostil, mas em jejum de todas as crenças, e decidiu mergulhar na matéria bruta das três entrevistas de Julián Carrón, Charles Taylor e Rowan Williams para daí extrair um caminho onde temas eternos e imensos como a liberdade, a existência de Deus e a esperança dialogam com o mundo de hoje. E para isso, ela usou todas as linguagens possíveis: da música de Lady Gaga a vídeos amadores nas redes sociais, do rapper Marracash à série televisiva Breaking Bad. «Não foi uma operação de simplificação, de banalização de testemunhos tão profundos. “Pop” não significa vulgar, mas “crível”», diz Giulia Sodi, que por três meses trabalhou lado a lado com os quatro curadores da mostra, dentro de um intercâmbio recíproco. «Eu era a menos familiarizada com certos temas, mas disse a mim mesma: Se a fé ainda tem uma chance de ressonância no coração dos homens, eu quero ver.»

E como essa busca aconteceu?
Tive que focalizar o ponto onde as três entrevistas encontram minha alma laica. Eu me perguntei: «Será que esses temas falam também a mim?» Nem tudo era compreensível para mim, porém entendi que as perguntas das quais suas reflexões surgem me preocupam profundamente. Eu também tenho o problema da esperança, se pensar na minha vida, no meu marido e na minha filha. E então eu não fiz nada além de deixar vir à tona o que eles sugeriam, tentando usar todas as linguagens de que as pessoas se alimentam todos os dias. Às vezes, o ritmo dos vídeos é um pouco febril, mas dá uma ideia do contexto em que nos movemos hoje.

Um exemplo acima de tudo?
Na primeira sala, Taylor conta quando seu pai estava morrendo e que na noite de Páscoa ele ficou impressionado, durante uma celebração ortodoxa, pelo coro que cantava: «Cristo com a morte venceu a morte». É uma afirmação forte e paradoxal que acho difícil de entender. Mas pelo efeito que teve nele, sei que deve haver lá algo verdadeiro para todos. Uma espécie de mensagem para a humanidade. Por isso escolhi as imagens do museu subaquático de Lanzarote, nas Ilhas Canárias. Para mim, aquelas estátuas debaixo do mar são como se dissessem: «Estamos mortos, mas não pode estar tudo acabado». Toda morte, mesmo a de um estranho, fala diretamente conosco, nos traz de volta à vida.

É fácil encontrar essas semelhanças entre imagens e palavras? Às vezes elas parecem um pouco vertiginosas, arriscadas. Com o que você teve que se esforçar mais?
O único esforço que fiz foi prejudicial. Quando Massimo Bernardini, com quem trabalho há anos na RAI, me propôs este trabalho, fiquei com medo. Eu tinha meus preconceitos sobre membros de CL e o tema parecia muito alto, acadêmico. Eu me perguntava se seria capaz de comunicar minhas ideias com os curadores. Em vez disso, assim que começamos a trabalhar, fiquei admirada com a abertura. Misturamos habilidades, experiências e sensibilidade em uma relação que foi primeiro tímida, e depois cada vez mais direta. Eles me faziam mil perguntas. E houve até um momento em que eu também me senti livre...

Quando?
Quando propus inserir a imagem de uma dançarina no skate: é uma imagem à qual estou muito apegada, eles, ao contrário, ficavam perplexos. Eles não entendiam o que tinha a ver e me perguntaram qual a razão. Foi nesse momento que a porta realmente se abriu entre nós.

Na verdade, essa garota no skate se move entre imagens de pessoas doentes e de belezas naturais. O que isso significa?
Essa garota no skate me diz exatamente o mesmo que me comunica a perfeição de um pôr-do-sol ou a paz de um jovem paciente da ELA cercado por seus amigos: equilíbrio. É algo que acontece no instante em que você vive sem sentir o peso da vida. Quando você se move graciosamente dentro da gravidade das coisas. Essa explicação minha acabou por convencer os outros também. E a partir daquele momento, o trabalho entre nós tornou-se uma costura peça por peça, em um olhar contínuo para os rostos um do outro. Não é uma coisa tão normal…

Vocês viraram amigos?
Viramos. Acho que o que a mostra conta aconteceu. «O outro é um bem para mim», disse Carrón num determinado momento. Para mim foi uma descoberta de algo que eu sempre soube. É um privilégio quando o trabalho lhe oferece a oportunidade de se questionar a si mesmo e com pessoas que fazem isso com você. Os quatro curadores são quatro professores, mas nunca me deram “a lição”. O outro ajuda você a descobrir quem você é, quais são as coisas mais preciosas que você tem, o que você precisa para dar mais um passo em seu caminho. Continuo sendo o que sou, mas me envolver tanto com esses temas, a ponto de sofrer com eles em alguns momentos, me fez descobrir que há algo atraente nos que vivem a fé.

Por que “sofrer” com isso?
Para mim é impossível não sofrer quando você se envolve tanto. Por exemplo, me deparei com o conceito de Carrón da irredutibilidade do coração humano por semanas, sem entendê-lo. Tive que pedir “aulas particulares" a Alessandra Gerolin em uma tarde de domingo. Ela me explicou palavra por palavra e me pareceu ter assimilado esse conceito, mas eu saí do Meeting dizendo para mim mesma: «Como é que essa coisa da irredutibilidade não paro de entender e esquecer?»

Como foi sua primeira vez no Meeting de Rímini? A um grupo que iniciava a visita da mostra, você disse: «Convido-os a olhar para ela sem preconceitos, sem superestruturas. Exatamente como eu tive que fazer, trabalhando nisso».
Eu queria filmar o Meeting sozinha, sem mediação. A primeira coisa que fiz foi lançar-me incógnita para a mostra, sem notificar a organização acerca da minha chegada. E fiquei comovida ao ver pessoas na frente das telas comovendo-se por sua vez. Aos 80 anos, tal como aos 15, eles se deixam ferir pelo que me feriu também: um desejo de vida que conecta a todos, que «nos faz aliados no mundo», como disse Williams.

Você encontrou traços desse desejo de vida em outras partes do Meeting?
Eu vi “Você é um valor”, uma mostra sobre mulheres ugandenses vítimas da guerra e da AIDS, que hoje vivem uma vida salva graças a alguém que as amava. Em um momento de pausa eu me vi sentada ao lado de cerca de trinta crianças cantando juntas: elas tinham uma alegria irreprimível.

Depois, no dia seguinte, você voltou…
Sim, encontrei Carrón, com quem vi de novo a mostra. Ele me acolheu cheio de curiosidade. Eu lhe disse várias vezes que este produto não pode interessar só aos crentes, mas também responde ao interesse daqueles que estão longe. É uma chance de tentar mostrar o que é fé para quem a tem e qual é a atratividade que liga o crente à sua crença, porque, falando como laica, é muito diferente do que eu costumo ver em casamentos e funerais. Muitas vezes vejo um formalismo que não diz nada sobre esse sentimento de atração. Mas, de forma mais geral, devo dizer que o Meeting também é um momento de que a sociedade laica precisaria: porque não há lugares onde seja possível iniciar reflexões e nos perguntar onde estamos e para onde estamos indo.

A última sala da mostra termina com as mesmas imagens com que a primeira se abre: uma enorme colagem de pequenas telas das quais emergem vislumbres de uma humanidade agitada por suas próprias necessidades. Por que essa escolha?
É a ideia de que as vozes de Carrón, Taylor e Williams nascem neste bombardeio de vozes pelas quais estamos arrastados hoje. Sua narração, que fala de perturbação e esperança, não se põe como solução para cada enigma, mas oferece a possibilidade de ver mesmo na confusão o que confuso não é. Eu queria fechar assim, porque sinto que estou em um eterno presente: devemos sempre voltar a entender a novidade do que já entendemos.