Adriano Rusconi

Viver e trabalhar diante da Presença

Entre os primeiros jovens de cuja experiência nasceram os Memores Domini, Adriano Rusconi seguiu Giussani ao longo de toda a sua vida. Fomos conversar com ele para que nos contasse sobre aquele início e o que isso gerou nele (da Passos de abril)
Maurizio Vitali

Em Gudo Gambaredo, num pátio de uma vila rural na Planície Baixa a sul de Milão, rodeado apenas por quilômetros de terra fértil arada e do verde de ervas e pastos para as vacas, encontra-se a primeira “casa” do Grupo Adulto. Nascida em 1968, de quatro jovens recém-formados, desejosos de viver juntos, em comunidade, a sua vocação à virgindade, amadurecida na experiência da Gioventù Studentesca [primeiro núcleo de Comunhão e Libertação] de Dom Luigi Giussani. Todos os quatro tinham feito a experiência da caritativa naquela zona, aos domingos, desde o tempo do ensino médio: Paolo Mangini, Angelo Di Chiano, Vincenzo Moretti e Adriano Rusconi. Adriano, 82 anos, conheceu Dom Giussani em 1956, quando estudava no Liceu Berchet, e seguiu-o, também como seu médico, durante toda a sua vida.

Adriano, quem é Dom Giussani para você?
Aquele que me fez descobrir Cristo.

Você já não O conhecia? Não era cristão?
Eu achava que a religião era não pecar.

E o que era, em vez disso?
Para Giussani Cristo é uma presença que tem a ver com tudo, e viver tudo à luz desta presença é a grande novidade da vida.

Como você começou a perceber este tom de novidade?
Em 1956, houve a violenta repressão armada da URSS contra a Hungria. O diretor do Berchet, que era judeu, pediu a Dom Giussani para celebrar uma missa pelas vítimas. Na homilia eu o ouvi dizer: “Se tivéssemos vivido até o fundo o nosso cristianismo, estes acontecimentos trágicos não teriam acontecido”.

Um juízo, no mínimo, surpreendente.
Dito por alguém que acreditava e vivia as coisas que dizia. E que, por isso, era credível. Quando o seu pai morreu, durante a homilia Giussani disse as mesmas coisas que sempre nos ensinava nos encontros ou nas aulas. Aquilo me provocou: caramba, um professor que nos diz coisas verdadeiras!

Quando se fala de virgindade, quase todos veem esta escolha como renúncia. O que é para você a vocação à virgindade?
A virgindade, como nos foi ensinado, é olhar para as coisas como Cristo as está fazendo. E a pobreza é tratar as coisas como dadas por Outro. Sendo Cristo um presente, acho que isto é muito, mas muito razoável. Esta posição aplica-se a todos os batizados, padres, freiras ou casados. Qualquer pessoa na comunidade cristã pode ser chamada a ser um sinal explícito e, portanto, um chamado de atenção a uma dimensão que é ideal para todos os batizados.

Você já viu, mesmo em pessoas casadas, a virgindade ser entendida assim?
Absolutamente. Penso no Giuseppe. Eu e o meu amigo médico Carlo Grillo o conhecemos numa Escola de Comunidade. Tinha um linfogranuloma e no dia seguinte ia ser internado no hospital. Nós lhe dissemos: “Vamos tratar de você”. Passados alguns dias, Giuseppe nos disse: “Padre Manuel, Dom Giussani... Não consegui que me atendessem o telefone. Se encontrarem com eles, digam que estando aqui no hospital eu entendi que as coisas que nos dizemos são verdadeiras. Não há outra coisa a procurar”. Mais tarde, sentindo-se perto do fim, pediu que o levassem a Lourdes. Na gruta da aparição Giuseppe rezou por cinco coisas que enumerou: pelos colegiais de Comunhão e Libertação, que crescessem; por Dom Giussani, que os pudesse guiar; por si próprio: quer eu viva, quer morra, que seja útil por aquilo que encontrei; pelos filhos e pela mulher; pelos companheiros da enfermaria. Com isto percebi verdadeiramente que a virgindade não é uma qualidade que você possui, mas é reconhecer Outro como sentido de tudo.

Dom Giussani, aliás, não “inventou” o Grupo Adulto, como ele mesmo disse. Em 1964, alguns de vocês formados, ao final do caminho de “verificação”, tinham o desejo de viver a virgindade como leigos, tomando o movimento como “regra”…
Este é o início do que ele chamou de: Grupo Adulto. Giussani falou da vida como vocação e da virgindade, olhando para o que estava nascendo em nós. Ele nos acompanhou e nos educou a viver a fé como um método de conhecimento de “Alguém presente”. Assim, a própria casa de Gudo não nasce da sua iniciativa, mas de um desejo de nós quatro Memores. Ele disse: “Está bem! Mas reservem um quarto para que eu possa vir e ver o que vocês estão vivendo”. Dali nasceu a ideia do quarto individual como cela, lugar do eu diante de Deus, do clima de silêncio para favorecer a memória de Cristo, dos outros como sinal da Presença e companhia para o Destino.

Como se pode ler na sua biografia, já em 1966 Dom Giussani estava convencido de que “a nossa vocação é autêntica na medida em que é vivida no nosso trabalho… Cristo deve ser testemunhado na realidade mundana, na sua dinâmica diária, no trabalho”.
Posso afirmar que o impacto de uma posição verdadeira com o trabalho é muito forte. Muda radicalmente o olhar do qual jorra um modo novo, não violento e mais completo, compreensivo, de tratar os pacientes, por exemplo. No hospital, se algum diretor me dizia, por exemplo: “Mas por que ocupar-se tanto assim com este? Por que toda aquela atenção para com aquele outro?”, a mim nunca importou. Não há necessidade de pedir licença para agir assim. Deus o colocou ali e você ali está, ali trabalha em tensão para reconhecer a Sua presença.

Portanto, uma total imanência à situação.
Certamente. Como médico do centro de saúde desta área, todos me conheciam e me conhecem aqui em Gudo. Quando acontecia de passar de carro com Dom Giussani, quem me via, me cumprimentava. E ele me dizia: “Não fique falando comigo, cumprimente a eles”. Conto mais uma. Um dos meus amigos não queria mais ir trabalhar porque, dizia, o tratamento naquela empresa era injusto do ponto de vista econômico e social. E Giussani lhe disse: “Ah, quer ir embora… e os que lá estão, os outros trabalhadores? Você está na circunstância em que o Senhor o colocou ou confia na sua fuga?” A imanência árdua à circunstância que Deus te dá é, de resto, o grande testemunho da história beneditina. Aliás, o Mosteiro da Cascinazza é muito próximo daqui.

E todas as terras dessa região da Baixa têm relação com o monasticismo. A cerca de quinze quilômetros em linha reta para oeste fica a Abadia de Morimondo, a leste fica a de Claraval. Aqui os monges recuperaram as terras, cultivaram, evangelizaram e humanizaram.
Entre povos e terras devastadas, os beneditinos plantaram o ora et labora. Testemunharam o que significa viver e trabalhar diante de uma Presença reconhecida. Quando os camponeses já nem sequer semeavam, porque os bárbaros tinham levado toda a colheita, os monges construíam: “Aconteça o que acontecer, estamos aqui. Aqui o Senhor nos pôs e aqui respondemos à realidade que nos é dada”. Foi assim que o cristianismo voltou a florescer e que renasceu uma civilização.

Sei que você teve uma vida cheia e muito trabalho. Mas, estranhamente, você não a conta (como tantos faríamos) com tiradas do tipo “fiz isto, fiz aquilo”, mas fala “o que vi acontecer” e “como reconheci a presença de Cristo”. Pode dar um exemplo?
Lembro-me de uma doente em estado terminal, professora, casada, com três filhos. Ela me pediu que a ajudasse a trazer da Colômbia uma amiga e colega dela da Fraternidade São José para ensinar aos seus filhos que, se ela morresse, não a perderiam. A amiga veio e ficou morando com aquela família durante alguns meses, mesmo depois da sua morte. Nos filhos, depois daquela experiência, vi uma paz e segurança incríveis. Eu nunca teria pensado numa coisa desta.

Quando Dom Giussani morreu, como você continuou?
Com a certeza de que o Movimento continuaria porque fora suscitado, através de Dom Giussani, por Outro.

O Padre Carrón, aliás retomando Giussani, sublinhou que a responsabilidade pelo carisma do qual CL nasce é de cada um de seus membros.
E devo dizer que a condução de Carrón a este respeito foi absolutamente preciosa. Estou muitíssimo grato ao Carrón, pela forma como conduziu a Escola de Comunidade nestes tempos de pandemia. Ele nunca disse: devem fazer assim ou assado, mas estejam diante da Presença, porque Cristo está presente. Enquanto cuido de um doente, ou de alguém que está morrendo, Cristo está presente, e eu posso reconhecê-Lo e testemunhar esta presença.

Permanece o fato de que a autoridade é fundamental.
É fundamental a concepção de autoridade que Giussani nos ensinou: é quem sabe reconhecer e me faz reconhecer a verdade onde quer que ela se manifeste. Certa vez, Giussani falou de si como um “tubo” através do qual passa a água de Outro. E acrescentou que podemos nos fixar no tubo em vez de reconhecer aquela água e o que ela gera continuamente. Aqui em Gudo, a certa altura, chegou como responsável da casa uma pessoa muito mais nova do que eu. Perguntei a Giussani: “E nós, os mais velhos, como devemos nos comportar agora?”. “Diante das circunstâncias ou questões que surgem, devem testemunhar a tradição do Grupo Adulto que trazem e depois esperar que surja um juízo de acordo com a comunhão, que pode sair tanto de vocês como do último que chegou”. Não há posição mais libertadora do que esta.

Como você está vivendo a situação atual dos Memores, com a direção do Delegado Especial do Papa, Dom Filippo Santoro?
Conheci Dom Filippo na época da universidade e o reencontrei no Brasil em 1989, quando acompanhei Dom Giussani para o encontro com os responsáveis de CL na América Latina. Ele sempre viveu plenamente o Movimento e conhece os Memores. A escolha do Papa é uma atenção positiva conosco, tenho certeza de que é para nos acompanhar para que o carisma possa florescer.

A conversa acabou. Adriano prepara-se para visitar uma grande amiga.
Vou encontrar a Mariuccia, filha do médico que tomou o lugar de Pampuri. Ela está nos Memores e vai fazer 104 anos em julho. Recentemente, caiu e quebrou o fêmur, mas no hospital os médicos, enfermeiros e parentes próximos ficaram surpresos com a sua alegria e positividade. Porque ela vive tudo diante da Sua presença. Na última vez que a vi, perguntei: “Você está feliz?”
Sim.
“E por que está feliz?”
Porque Deus me faz viver.
“Você vai ver que quando for ao encontro do Senhor, também vai encontrá-Lo feliz com você, porque você sempre O amou”.
Nãoo! É Ele quem me ama.
É isto, eu vou visitá-la para aprender.