Aconteceu... em Benguela
O tempo é precioso porque foi necessário o caminho de cada um para que, num preciso fim de semana começasse uma história de amizade de proporções inimagináveisVoo às 9:45, Luanda-Benguela. Decolou uns minutos antes, o que é raríssimo em voos domésticos de Angola. Em menos de uma hora estávamos aterrissando no recente aeroporto da Catumbela, na metade do caminho entre Benguela, diocese e capital da província com o mesmo nome, e o Lobito, cidade portuária.
Ao chegarmos, vimos estacionar o jipe branco do padre Adriano Ukwatchali, com quem tínhamos conversado apenas pelo telefone. De lá, saiu um homem alto de jeans, com os braços abertos e um sorriso de quem vinha encontrar amigos conhecidos há muito tempo e esperados: o Enrico, a Rosarinho e eu. Guardamos as malas, entramos no carro e, num mini monitor, passava “A Estrada Bela”, o vídeo pelos 60 anos de CL que o padre Adriano recebeu sem que nenhum de nós lhe tivesse enviado antes. Afinal, tinha vivido 7 anos em Modena, conhecera o Movimento, e também Dom Giussani em pessoa, falava italiano perfeitamente, e repetia constantemente que os universitários de Benguela tinham que conhecer o Movimento Comunhão e Libertação e o modo como se vive a relação com a universidade, o mundo do trabalho e a família.
Primeira parada: um dos campus da universidade, onde inicialmente iria ser o encontro, mas que devido à chuva e ao fato de ser sábado, era menos acessível aos alunos. Estacionamos, vimos salas, conhecemos professores. O padre Adriano contou-nos que depois de voltar da Itália (onde foi enviado pelo Bispo para estudar), foi para uma missão no interior, cheia de crianças e gente simples, onde era preciso construir a escola, o hospital, etc. E que quando o Bispo lhe pediu que viesse para o Lobito e liderasse a Pastoral Universitária, não queria vir porque queria estar com os simples, mas disse que sim “porque um dia disse sim a Jesus, e agora não tenho como dizer não!”.
A seguir, demos uma volta nas zonas afetadas pelas chuvas do dia 11 de março, que provocaram a morte de mais de 100 pessoas, tamanha foi a fúria das águas. Vimos muitas pessoas tristes e sem casa, e ao mesmo tempo uma onda de solidariedade e um inesperado desejo de reconstruir, sem esperar pelos apoios do governo ou do exterior.
Depois, uma bebida refrescante, junto à praia, na Restinga, a antiga zona de habitação colonial, em que se pode sair de casa, dar uns passos e mergulhar no mar. Entretanto, o padre Adriano recebeu mil telefonemas, ligou para todos para dizer que havia um encontro às 16h na universidade. Estacionou o carro e cumprimentou paroquianos, apresentou-nos a todo mundo. No almoço juntamo-nos na casa do padre Adriano com o padre Mário, com quem vive, em frente ao edifício provisório da Paróquia. Ficamos sabendo que estão construindo a igreja definitiva, com o dinheiro do povo cristão. E que ainda só chegou para fazer as fundações e os pilares do primeiro piso. Falamos de língua, de literatura portuguesa e angolana, pois o padre Mário é professor e a Rosarinho também.
Corações em sobressalto. Um café rápido e fomos novamente de carro a Benguela, chamados pelo Bispo, Dom Eugenio Dal Corso, que queria nos conhecer. O domicilio Episcopal é numa antiga casa simples. Condiz com a pessoa que encontramos, que perguntou a cada um, o nome e a profissão e, ao mesmo tempo, mostrou a Passos sobre a mesa, os livros Educar é um risco e O senso de Deus e o homem moderno: “É aquela intuição de Giussani, quando diz que não está ali para que adotem as suas ideias, mas para ensinar um método verdadeiro para ajuizar todas as coisas que serão ditas, é genial!”, diz. E nós que, sem saber que iria dizer isto, tínhamos escolhido exatamente este texto para pôr no livrinho do encontro na universidade!
Já atrasados, mas com o padre Adriano tranquilo, dizendo que na hora marcada também não estaria ninguém, voltamos a fazer os 30km e chegamos ao outro campus da Universidade Católica. Tínhamos pensado ver o filme A Estrada Bela e depois dar um pequeno testemunho, mas acabamos não vendo e pedindo que fizessem perguntas. Sala com cerca de 20 pessoas, incluindo o Reitor da Universidade, Padre Amadeu Ngula. Cantamos “Aconteceu” e cada um falou. O Enrico contou que é italiano, engenheiro, casado e pai de uma filha. Que trabalha na Oil&Gas, e que podia afirmar que sem a experiência cristã seria hoje um engenheiro pior. Eu falei de como conheci o Movimento aos 14 anos, e o porquê de nunca mais ter saído. Porque encontrei e segui amigos que não têm vergonha de Cristo. E que a relação com Jesus não acontece através de milagres extraordinários, mas na vida, todos os dias, na maneira como se cuida da casa, como se trata o marido e os filhos. A Rosarinho contou que a certa altura da sua vida parecia estar tudo bem, curso acabado, namoro que viria a dar em casamento, convite para dar aulas, e no entanto, faltava acontecer alguma coisa. E foi pela primeira vez a um encontro de CL, em que o Carras diz “eu não sigo Jesus porque Ele é bonzinho e amigo das pessoas, mas porque Ele é a verdade! E o nosso coração só se contenta com a verdade! Se alguém souber de uma pessoa que responda mais ao meu coração que Jesus, diga-me, que eu vou atrás dele!”. Sem saber muito mais sobre aquelas pessoas, decidiu que queria ser uma delas.
Algumas perguntas sobre o Movimento, Dom Giussani, a fé, e no fim, o Reitor depois de sintetizar o encontro com uma frase de cada um, concluiu: “Não estamos na Católica para que vocês sejam todos católicos, mas porque vocês até podem ser engenheiros, doutores, professores, mas se não forem felizes não vale a pena. E que Jesus existe e por Ele vale a pena dar a vida, é o que estes amigos nos testemunharam!” Depois do encontro, corremos para missa das 18:30, na qual, em vez de fazer uma homilia, o padre Adriano nos faz testemunhar novamente. No fim, vamos à sacristia, onde, sem sabermos (nem nós nem o padre Adriano), está o padre Boaventura, que é pároco em outra cidade de Angola (‘Ndalatando a 600km), e que também já tinha falado com o centro do Movimento em Roma, perguntando se haveria alguém do Movimento aqui. O nosso coração estava em sobressalto. Tudo isto ia acontecendo sem nenhuma programação.
No jantar, muitas histórias da Itália, Portugal e Angola. Ficamos sabendo que o padre Adriano é cidadão honorário da cidade de Modena por tudo o que fez durante os anos em que esteve lá e por ter mudado a maneira como se via a África! Descansamos num simpático hotel e, de manhã, novo testemunho na missa das 7:30. Missa cheia, belíssimos cantos africanos e muito entusiasmo. E chegou a hora de ir para o aeroporto, pois o padre Adriano ainda tem às 11:00 a missa das universidades, à qual já não conseguimos ir.
Combinaram-se no carro os próximos encontros e despedimo-nos de coração cheio. De coração cheio de Cristo, que se fez palpável nestas 24 intensas horas. O tempo é precioso porque foi necessário o caminho de cada um para que, num preciso fim de semana, de 21 a 22 de março, começasse uma história de amizade de proporções inimagináveis.