Colegiais de Miami

Miami. Os jovens, o coração e a Sra. Smith

Toda manhã, uma longa fila de jovens espera diante da classe D104. Antes do início das aulas, encontram-se com a professora de religião para realizar tarefas, fazer perguntas e falar da vida. Viagem pela experiência dos colegiais de CL em Miami
Anna Leonardi

A luz do sol, já às sete da manhã, invade as classes do colégio St. Brendan. Fora, os primeiros alunos chegam com seus uniformes de algodão de mangas curtas. É o eterno verão de Miami, onde as temperaturas nunca ficam abaixo de vinte graus. A escola já está aberta, pronta para acolher os jovens no interior do campus: 13 hectares, entre classes e campos de futebol, beisebol, tênis, piscinas, laboratórios e teatro.

No primeiro andar do edifício está a classe D104. É a de Miriam Smith, professora de Teologia e Religião. Ao longo do corredor, toda manhã há um grande número de jovens, sentados no chão, com fones de ouvido, e ficam ali à espera dela. Sua sala tornou-se um lugar onde se pode ficar antes que toque o sinal e comecem aquelas migrações contínuas que os estudantes americanos precisam enfrentar para deslocar-se de um curso para outro. No início eram só dois ou três, depois correu a notícia de que aquela porta ficava aberta para todos. E no vai-e-vem, alguém começou a pedir a Sra. Smith uma ajuda nas tarefas, passaram a falar de suas dificuldades ou colocavam perguntas importantes.

Assim, no último ano nasceu e cresceu o grupo de colegiais de Miami. Hoje são uns quarenta os jovens que toda segunda-feira à tarde voltam à classe D104 para o que eles chamam de School of Community (Escola de Comunidade). Uma meia hora tomada pelo diálogo, onde cada um apresenta as questões mais urgentes. “Embora aqui as tardes estejam cheias de propostas da escola, entre esporte e atividades culturais, esse compromisso é algo novo, ao qual os jovens não faltam”, conta Miriam Smith, 49 anos, há 20 no St. Brendan.

Crandon Park, a missa com padre José Medina

Miriam entendeu isso a partir de um pequeno fato: “Durante um desses encontros de segunda-feira percebi que uma menina estava estudando para o dia seguinte. Pensei: ‘Que mal-educada! Não há nenhuma utilidade em ela permanecer aqui, se não quer realmente’”. Indecisa sobre o que fazer, contou o episódio a um amigo, que a surpreendeu: “Que maravilha essa moça! Deve estar cheia de coisas para fazer, mas mesmo assim quer estar com vocês. Há alguma coisa que a mantém ali, algo que é maior do que todo o resto”.

No fundo, aconteceu mais ou menos a mesma coisa com Miriam, quando, em 2008, encontrou o Movimento. Tinha respondido ao e-mail de um colega, responsável pelo programa dedicado aos estudantes estrangeiros, que perguntava se algum dos professores estaria disponível para acompanhar duas jovens italianas até a escola. “Eu me ofereci, porque meu marido estava organizando a nossa viagem à Itália e poderia ser interessante conhecê-las. Nunca teria pensado que um gesto tão banal poderia mudar nossa vida”, conta. Carona após carona, o relacionamento se intensificou e chegou a envolver também os filhos de Miriam. Um dia, uma das jovens os convidou para a festa do seu aniversário de 18 anos. Miriam ficou perplexa: sabe como são as festas dos teenagers. Decidiu dar uma passada só para os cumprimentos e para a entrega dos presentes, mas acabou ficando até a noite. “Nunca tinha visto um festa como aquela. Os cantos, as brincadeiras e o jantar, tudo. Depois, uma prece antes de todos voltarem para casa. Ali, pela primeira vez, entendi que estávamos diante de algo completamente novo”.

No ano seguinte, chegam outros dois jovens do Movimento da Itália. Ela se oferece de novo para transportá-los. Eles lhe pedem mais: “Poderíamos usar a sua classe para a gente se encontrar à tarde?”. Miriam descobre a Escola de Comunidade. “Os jovens começaram a se encontrar convidando alguns colegas e sendo guiados por um colega meu. Eu permanecia na classe cuidando das minhas coisas”, lembra Miriam, “mas escutava tudo o que diziam, e me parecia impossível que jovens de 17 anos tivessem aquela profundidade. Eu me lembro que toda vez, voltando para casa de carro, eu dizia para mim mesma: ‘A fé é algo que muda o dia a dia deles. E para mim, o que é?’”.

Miriam começa a participar dos encontros deles. Estreita o relacionamento com Desa, o professor italiano que ajuda os jovens. Lê Giussani e frequenta a comunidade dos adultos de Miami. “De cara, Cristo já não era algo que existia e pronto, mas uma pessoa com quem se vivia”, conta ela.
Em 2012, Miriam se vê sozinha. Desa é transferido para outra cidade. “Eu me perguntei: E agora, quem vai nos ajudar com esse grupo de colegiais?”. Enrico, um amigo da comunidade de Miami, lhe diz: “Assuma você. Seja você mesma e arrisque”. Miriam se lança na nova aventura, mas está muito ansiosa. Quer seguir os passos justos e fazer as coisas certas. “Eu repetia todos os gestos de modo esquemático. Tinha pedido a um amigo de Nova York que me contasse todas as iniciativas dos colegiais dali, porque eu queria fazer as mesmas coisas”. O medo maior estava ligado à presença dos alunos italianos: “Eu percebia que quem comparecia era atraído pela presença deles, um tanto exótica. Eu achava que, quando os italianos voltassem para o próprio país, ninguém mais viria aqui”. Miriam fala disso com padre José Medina, responsável de CL nos Estados Unidos, que lhe diz: “Siga a vida dos seus jovens. Parta daí, do que acontece com eles e neles”. “Para mim, o grupo de colegiais começou nesse momento”, lembra Miriam. “Não importa se ainda são poucos e se as presenças oscilam toda vez: segunda-feira podiam ser 5 ou 15, e aconteceu também de não se apresentar ninguém. Mas o nosso encontro era cada vez mais um encontro de amizade, onde eu seguia os passos deles, desejando conhecê-los, e eles começaram a me seguir”.



No inverno passado, Miriam decide organizar umas férias breves, sem agregar-se a outras comunidades dos colegiais. “Havia um problema de custo e de distância. Assim, decidi arriscar, propondo que acampássemos no rancho da minha irmã, no norte da Flórida”. Preparam folhetos que foram espalhados pela escola. Vinte jovens se inscreveram. “Pedi a ajuda de muitos adultos da comunidade. Eles me deram uma mão na cozinha, nos passeios e nos cantos. Correu tudo bem, até que fomos atingidos por um aguaceiro, que arrancou do chão as barracas e transformou o campo em que estávamos num enorme lago”. Decidimos acomodar os jovens no micro-ônibus e no caminhão durante aquela última noite das férias. “Eu estava em pânico, continuava pensando que talvez fosse melhor voltar para casa”, conta Miriam. Um dos jovens percebe isso: “Sra. Smith, por que está estressada? Veja, estamos todos bem. Estamos contentes. E além disso esta noite vamos fazer uma fogueira”. E assim foi. Depois das músicas e da dança, Miriam os convida para contar como viveram esses dias de férias. Julian, que estava ali pela primeira vez, começa logo a falar. Ele é um tipo muito calado, que também na escola se relaciona pouco. “Eu achava que ia ser uma coisa muito Jesus-y (sobre Jesus)”, diz ele. “Eu achava que a gente ia rezar toda hora. Mas, ao contrário, eu me diverti pra caramba. E também encontrei amigos. Mas, mesmo não sendo uma coisa Jesus-y, acho que Jesus esteve aqui o tempo todo. Ele é como este fogo. Uma coisa que nos atrai e nos mantém juntos, mesmo que a gente seja tão diferente um do outro”.

A partir dessas férias, a vida na escola foi contagiante. Todos os colegas de classe querem ver o que é esse grupo dos colegiais. Os jovens procuram organizar da melhor maneira o momento da Escola de Comunidade. Usam o app da escola para dar os avisos e a pauta: toda semana partem de um trecho da vida de Dom Giussani, tirado de uma mostra realizada pelos universitários americanos. Começam também a querer cantar. Distribuem a letra da música Be still, my heart, de Jacqui Treco. Uma moça do primeiro ano vence a timidez e traz o violão. Miriam observa e deixa a coisa acontecer, prefere não interferir, “é legal que tenham percebido a importância de cantar juntos”.

No final de agosto, na volta das férias, na classe da Sra. Smith as carteiras já não são suficientes para todos. Ela explica: “Conto só com 30 carteiras, mas no primeiro encontro de Escola de Comunidade havia jovens sentados no chão e em pé, encostados na parede. Eu continuava a me perguntar: ‘Mas o que está acontecendo aqui?’”. É a mesma pergunta que fazem os pais de muitos jovens que frequentam o grupo de colegiais. A mãe de Sofia, há alguns meses, quis se encontrar com Miriam. Tinha um sério problema com a sua família de origem, na Venezuela, e gostaria de conversar sobre isso. “Sra. Smith, minha filha é tão feliz quando me fala da senhora e eu também gostaria de ouvi-la”, diz ela, antes de começar a falar dos seus problemas. “Enquanto ela falava comigo, me dei conta de que eu não podia ajudá-la, não tinha soluções para lhe apresentar. Mas vieram à minha mente as palavras do padre José, de alguns anos atrás, e eu disse para mim mesma: ‘Esteja com ela, só esteja com ela’”, diz Miriam.

Outros pais também quiseram se envolver. “Eles me perguntavam: quem é Giussani, quem é Carrón?”. Por isso, em outubro, quando Medina veio até Miami para se encontrar com os jovens, convidei os pais para participarem conosco da missa e do jantar”. Tudo se desenrola dentro da moldura do Crandon Park, uma reserva natural voltada para o Atlântico. Elise, que está no último ano do ensino médio, conta que indo visitar as faculdades, para o ano seguinte, havia perguntado às secretárias das várias faculdades se ali havia o CLU, o grupo dos universitários da CL. E tinha ficado triste porque ninguém tinha a menor ideia do que era isso. Sofia também está se formando. E ela também vive com apreensão a questão da escolha de uma faculdade. Ela tem notas muito boas e pode escolher a melhor. “Mas posso perder o que eu encontrei?”, pergunta diretamente ao padre José. “Sofia, foi você que gerou esse encontro ou foi algo que lhe aconteceu? Você por acaso poderia ter imaginado isso?”, retruca ele.

No jantar, Sofia senta-se à mesa com os outros formandos. Firmaram uma promessa de que, onde quer que estiverem, em junho do ano seguinte se encontrarão nas férias do CLU no Colorado. Ela não tem mais medo de perder alguma coisa. Na cabeça, apenas as palavras de Be still, my heart: “Mas se ficas onde estás / jamais saberás de fato / por que queimas assim”.

(Texto inicialmente publicado na Revista Passos, jan-fev/2019)