No coração dos Bálcãs
Um encontro os alcançou das mais diversas formas. No Kosovo, na Romênia ou na Grécia. Em países marcados por um passado de dominação de um regime e hoje pelo secularismo. Três testemunhos das férias das comunidades de CL da Europa do sudesteDonjeta Berisha Matoshi, Kosovo
“Mãe, quero mais chocolate”. “Por quê?”. “Porque fico bem quando como”. Jin, cinco anos, é o segundo filho de Donjeta e Lorenzo. “Entende? Para mim é a mesma coisa. O que eu encontrei no Movimento me faz ficar bem. Foi assim vinte anos atrás, após a guerra. E hoje. A tal ponto que eu volto ‘a pedir mais’ depois de me ter afastado, de algum modo”. Pristina, capital do Kosovo, um país com pouco mais de dois milhões de habitantes: “Só no ano passado 180 mil jovens se expatriaram. Não há trabalho”. E o que prevalece é a corrupção. Donjeta Berisha Matoshi nasceu em 1980. Na época ainda existia a Iugoslávia, e o seu país era uma província da Sérvia. Em 1995 terminou a guerra nos Bálcãs, mas a Sérvia começou a perseguir os albaneses na região: 11 mil civis mortos, antes da intervenção da ONU, em 1999. “Em 1996, com a minha família nos mudamos do interior para Pristina. Meu pai era um dissidente e a cidade era mais segura”. A casa deles foi ocupada por sérvios. “Perdemos tudo, até o espaço para ‘nos fazer perguntas’. A única prioridade era sobreviver”.
No ano de 2000 acontece o encontro com o Movimento. “Eu tinha começado a trabalhar para a AVSI, uma ONG italiana, que tocava projetos de adoção à distância”. Donjeta sabia inglês e italiano. “Naquele período, da Itália, vinha com frequência um professor do Movimento, Beppe, com alguns jovens colegiais para encontrar os jovens das paróquias”. Precisavam de um intérprete. Donjeta traduzia e escutava: “O que eles diziam eu sentia dentro de mim. Beppe falava de mim, do que eu vivia e desejava. E nem sequer me conhecia”. Beppe lhe falou de Dom Giussani, do Movimento: “Era tudo para mim, tornava mais fácil o viver cotidiano. E eu conversava disso com os meus amigos: ‘Será que também vale para nós?’”. Nasceu assim o primeiro grupinho de CL em Pristina.
“Anos de vida intensa, que com o tempo meio que se apagou”. Devido a vários fatores, diz Donjeta sem entrar em detalhes: “De fato, enredei-me na rotina da vida”. Entre o trabalho de intérprete e a família, “tinha deixado de levar a sério a mim mesma e, por isso, todo o resto”. Até a Escola de Comunidade não estava mais sendo feita. Porém, há um “mas”. Ela fala de uma necessidade “contínua”, deixada de lado, mas nunca apagada. “Na minha infidelidade, Cristo não deixava de aparecer. Acontecia também quando da Itália chegava um amigo, Claudio. Com ele, eu e Lorenzo falávamos livremente das nossas coisas, dos nossos problemas, de tudo. Mas eu me perguntava o que ele fazia conosco, o ‘estrangeiro’...”.
É uma brasa que arde embaixo da cinza e que se reacende diante de algumas situações difíceis, a leucemia de uma sobrinha, ou a morte da filha de amigos: “Liguei para Bernadeta, uma amiga da comunidade ‘da primeira hora’, e ela estava desesperada: ‘Estou mal, Donjeta…’. Como eu podia ajudá-la? Não sabia responder. Procurei o Davide, amigo do Movimento que, da Itália, acompanha as comunidades dos Bálcãs”. Davide voou para Pristina. “Conversamos. Era preciso retomar o caminho juntos. Não a partir do zero, mas da evidência daquilo a que pertencemos, da origem da nossa amizade: Jesus”, diz Donjeta: “Do chocolate, daquilo que faz estar bem”.
Poucos meses, e Donjeta e Bernadeta participam das férias das comunidades dos Bálcãs, que se realizaram na Macedônia. “Que fidelidade, meu Deus! Na minha recusa, Ele nunca largou de mim e me tomou de novo. E é um amor que nem se compara ao que eu sinto pelos meus filhos”.
Padre Gregório Marius Furtuna, Romênia
“Meu pai era ortodoxo. Minha mãe, uma ‘talibã’ católica. Ela, para se casar com ele, o convencera a tornar-se católico”. Cluj-Napoca fica no coração da Transilvânia, Romênia setentrional. Terceiro de quatro irmãos, dois padres e dois artistas, padre Gregório Marius Furtuna, geração 1966, hoje é reitor do Seminário da Igreja Católica de rito bizantino na sua cidade. Durante as férias na Macedônia celebrou uma missa em rito romano: “Um sacrifício, em certo sentido, o de ‘dobrar-se’ a uma liturgia diferente. Mas é para afirmar a catolicidade da Igreja. É ‘para todos’ aquilo que nos une, Jesus”. Uma coisa que não aprendeu nos livros, mas na sua história. “Eu era um menino anônimo da Romênia comunista. Frequentava a Igreja romana de língua húngara. O rito bizantino estava banido”. Hoje brinca a respeito das duas Páscoas no ano: “Para os ‘bizantinos’ a data era mais tarde, e também depois da ‘Ressurreição’ dos húngaros, cabia-nos prolongar a Quaresma. Até umas cinco semanas a mais de jejuns e penitências”. Mas foi uma riqueza. E o é hoje: “Provei a beleza e o absurdo de viver a minha fé no quintal de outro”. Foi só em 1985 que Ceausescu, o ditador comunista no governo da Romênia desde 1967, permitiu a missa católica romana em língua romena. E, após a revolução de 89, chegou a liberdade também para os “bizantinos”. “Enquanto isso, desde 1987 eu já tinha começado a estudar em preparação ao sacerdócio, na clandestinidade”. Naqueles anos, Gregório frequentou o Instituto Politécnico no curso de noite. De dia trabalhava no Instituto de Física Nuclear de Cluj. “Quando chegou a liberdade pude começar a viver a fé de uma forma da qual eu conhecia somente a história”. Com a queda do regime veio também o convite para estudar em Roma, em 1990. “Estar no coração da Igreja me ajudou a entender ainda mais quem eu sou, a minha história. Viver em contato com realidades diferentes pode despedaçar a sua pessoa. Ou então pode enriquecê-lo. É esta a catolicidade: a capacidade de manter junta a diversidade. Na Transilvânia, desde sempre, convivem diversas culturas: romena, alemã e húngara. Mas é justamente essa convivência que define a identidade de cada um”. Por isso, faz alguns anos, não hesitou em “abrir as portas” a alguns da comunidade de CL: “Eu já tinha conhecido o Movimento e Dom Giussani durante umas temporadas na Itália”. E tinha ficado fascinado com o “modo de raciocinar não convencional das pessoas que havia encontrado”. Hoje padre Gregório participa da vida daquela pequena comunidade da sua cidade. E a “serve”: “Eu continuo eu mesmo. Mas estar com eles me faz crescer, como homem e como sacerdote. No outro, eu encontro Jesus. E para mim é quase uma necessidade”. Nunca viu Dom Giussani, mas leu os seus livros: “Sobretudo o vejo nos seus ‘filhos’. Eles são o mundo real, com as suas dúvidas, as suas preocupações. E os seus juízos, que atingem até a política. Num país como o meu, então, onde a tradição religiosa perde vigor porque não é mais capaz de propor-se com atração e pertinência a respeito dos tempos”. É o mesmo desafio que Dom Giussani aceitou quando subiu os degraus do Liceu Berchet: “A inteligência da sua proposta é para o mundo de hoje. Por isso fascina ortodoxos, católicos, judeus, ateus... Muitos têm necessidade dela. Têm sede. Mas quem lhes leva um copo d’água?”.
Lambros Xalulis, Grécia
É difícil falar de “casa” quando a sua vida está espalhada por meia Europa, entre origens austríacas, casa na Grécia, mulher e filhos em Portugal, viagens de trabalho… “Entretanto agora, depois de muitos anos, encontrei a minha casa, com vocês”, disse Lambros Xalulis aos amigos das comunidades balcânicas. Ele, grego ortodoxo no meio de católicos latinos e de rito bizantino, decidiu seguir o grupinho de helênicos de Larissa, cidade da Tessália próxima à sua, Tirnavos. Encontrou-os há três anos por acaso, acompanhando a mulher Sandra à missa. Ele nasceu em Graz, na Áustria: “Minha mãe é de lá e se converteu ao cristianismo ortodoxo quando casou com meu pai, grego. Em 1974, eu tinha dois anos, nos mudamos para a Grécia, onde vivo agora, no meio das minhas oliveiras e das minhas videiras”. E dos equipamentos de irrigação com que trabalha. “Encontrar Rosária, Tassoula, Andreas e outros amigos da comunidade de CL de Larissa colocou muitas coisas novamente em discussão. Inclusive a ideia do lugar onde viver com a minha família”. Sandra, com Maria e Alexandros, 10 e 13 anos, hoje mora a quase três mil quilômetros de distância, na cidade do Porto. “Ela é católica. Eu a conheci em agosto de 2001, quando estava em Portugal com um grupo de sirtaki, a dança da minha terra”, a sua paixão. Mas foram também anos meio obscuros para Lambros: “Eu vivia só para o trabalho e, fora isso, era desregrado. Álcool, gandaia...”. Sandra, junto com uma amiga, decidiu fazer uma viagem à Grécia em outubro e foi visitá-lo. “Era uma bela amizade. E ela voltou no Natal, só que sozinha”. Lambros percebeu-se mudando por causa dela: “Eu não fumava mais, não bebia. Às vezes era eu quem ia ao Porto, outras vezes ela vinha”. Até o casamento, em 2004, quando ela se mudou para a Grécia. Com o passar do tempo chegaram os filhos. Mas também a saudade de casa para Sandra, aguçada pela depressão pós-parto com o nascimento de Maria. “Ela voltou ao Porto uma primeira vez, transferindo para lá o seu negócio de vestidos de noiva iniciado em 2007. Em 2010, tendo falido a atividade, foi de novo para a Grécia. Dois anos...”. E depois de novo rumo ao Oceano. Mas nem mesmo na beira do Atlântico as coisas melhoraram, com os filhos crescendo e um marido distante exceto em poucos dias a cada três, quatro semanas: “Faz tempo, no Porto ela se sente sozinha, mesmo tendo lá a sua família. Eu tinha pensado na minha transferência... Mas é complicado. Algumas vezes ela veio para cá, e numa dessas ocasiões encontramos o grupo de CL”. Para Lambros foi uma revolução. “Sandra estava no Porto, mas eu não estava mais sozinho. Procurava-os, eram pessoas vivas, e com eles eu podia ser eu mesmo”. A Escola de Comunidade, o encontrar-se: “Um sustento para a vida, finalmente, nestas circunstâncias duras”. Também na diversidade de fé. Tanto que não é possível deixar passar três semanas sem vê-los “pela saudade” de estar com eles. “Sinto-me acolhido. É como uma nascente de vida...”. Difícil explicar, diz: “Não entendo tudo, mas é um grandíssimo abraço. Também para minha mulher”. Sandra, em janeiro, chegou a Larissa “pela primeira vez sozinha, sem os filhos. Ficamos um pouco com os amigos da comunidade. E, antes de ir embora, falando deles, ela me disse: ‘Agora sei que poderia voltar a viver aqui, porque não estaria sozinha’”.