Quando tudo parecia nada

Um rapaz bem de vida perde o trabalho e se sente um fracasso. Um desconhecido lhe dá boa noite bem no momento em que quer acabar com tudo. A história da amizade entre Enrico e Luca, ambos “despertados” por um encontro
Paolo Perego

O panorama lá de cima é uma maravilha. Nossa Senhora del Sasso é um antigo santuário que se espelha no Lago Orta, incrustrado nas montanhas que dão para a ilha de San Giulio: uma grande igreja branca, a praça na frente e, mais adiante, um precipício separando-as daquela vista. Luca, 23 anos, estava lá, apoiado no parapeito, numa noite de fim de março; «O que é que estou fazendo?». Não seria o primeiro a se jogar do penhasco. Seu Audi branco estava parado logo ali, o único do estacionamento.

«Eu estava olhando para o lago. Tinha dirigido até lá, no piloto automático. Não conseguia parar, nem quando estava andando até a balaustrada com a ideia de subir nela». É o que ele nos conta hoje, sentado à mesa, perto de Enrico, o “Costelinha”, como ele o chama desde que quebrou uma costela na moto de trial nos vales da comuna italiana de Cusio, em Bérgamo. «Eu não estaria aqui se não fosse por ele», diz Luca, que foi visitá-lo acompanhado de sua namorada, Elisa, justamente no dia do aniversário deles, abrindo mão de um tempo só com ela.

Enrico, operário de uma fábrica de torneiras, casado com Michela, tem 57 anos, dois filhos já crescidos e uma grande paixão por sua terra e pela sua Alzo, cidadezinha de poucas centenas de habitantes aos pés do “Sasso”. Ele conta: «Eu tinha saído antes do trabalho e decidi caminhar um pouco pela estrada antes de voltar para casa. Havia um avião Canadair voando até o lago, para armazenar água a fim de apagar um incêndio na região». Com seu bastão, Enrico retomou a caminhada curioso, e notou o carro, bonito, novo. «Depois vi Luca, pensei que fosse um marginal, ou pior. Passei longe, perto da igreja, para tirar algumas fotos antes de retomar meu caminho».

Luca retoma: «Eu não tinha percebido que alguém estava ali, mas num determinado momento ouvi a voz dele: “Boa noite”. Me virei, e lá estava esse homenzão de barba longa. Aí pensei: “Luca! O que você está fazendo?”. Eu tinha voltado a mim. Corri atrás dele. Ele levantou o bastão, pronto para me bater. Queria agradecê-lo, abraçá-lo, ele tinha salvado a minha vida. Era como se Alguém o tivesse mandado de propósito...».

E agora estão aqui, jantando na mesma mesa. Enrico estica o braço sobre os ombros de Luca: «Não era para eu estar lá aquela noite. Naquela hora ninguém passa por ali. Passamos os nossos números e eu lhe disse para me telefonar. E ele me escreveu quando chegou em casa. Tem a idade do meu filho», diz Enrico.

Aquele dia no santuário parece distante, e por mais que seja «difícil reviver aqueles momentos em que eu estava mal», diz Luca, foi tão grande o que aconteceu que «não consigo deixar de pensar. Naquele dia tinham dito que não iam renovar meu contrato. Eu trabalhava numa fábrica de válvulas, no setor de marketing e vendas. Eu gostava, estava empenhado, mas a empresa estava em crise e já tinha mandado alguns embora». Uma “besteira”, talvez, para um jovem bem de vida que «duas semanas depois já tinha encontrado outro trabalho». Uma boa família, uma namorada, muitos amigos, um bom carro, trabalho voluntário... «Nada, não havia mais nada. Tudo tinha desmoronado», e foi por isso que dirigiu seu Audi pelas curvas da estrada até o santuário. Mas por quê? Nada faltava, mas “tudo” parecia nada diante daquele pequeno fracasso. Conversamos sobre isso no jantar, sobre o fato de medirmos a vida e o valor do que somos e fazemos, reduzindo-o a uma ideia, a uma imagem de “como deveria ser”. E se depois alguma coisa dá errado... «A gente sempre tentar manter as coisas juntas, tudo em ordem, e ficar sempre satisfeito. Eu estava satisfeito com tudo o que tinha. Mas naquele dia eu não tinha nem a coragem de atender ao telefone quando meu pai ligou ou de voltar para casa».

Para Enrico, a vida não foi diferente. E ele também fala de “despertar”, «o despertar de que preciso todo dia» e que começou em 2008, após anos de afastamento da Igreja («um clássico: depois da Crisma, por vários motivos, chega»). Seus filhos tinham começado a frequentar uma pequena paróquia com um novo padre, e ele passou por acaso na frente da igreja e viu um cartaz. «Falava de uma peregrinação para jovens, de Cracóvia até Nossa Senhora de Czestochowa, na Polônia. Não sei o que me pegou, mas voltei para casa e pedi a Michela: “Você é está por dentro... Pergunte ao padre se eu também posso ir”. Não sei por quê. Não sei...». Seu pai morrera fazia pouco tempo, também estava passando por uma dificuldade no trabalho, mas as coisas não iam tão mal: «Uma vida normal, mas... Dei por mim na Polônia, experiência incrível. Também parei de fumar, ainda que nos primeiros dias eu me escondesse no mato para fumar, já que nos pediam que evitássemos. E quando voltei, a vida começou a explodir ao seguir aquele padre». A partir desse encontro nasceram novas amizades, primeiramente nas cidades das redondezas, mas não só.

Um copo de vinho, e ele volta a falar daquela noite: «Enquanto estava subindo pela estrada, eu lia no telefone as mensagens de alguns grupos de amigos. Cada um contava um fato, algo acontecido». Contavam de uma beleza que tinha acontecida durante o dia ou a semana. «Caramba, e eu? Nada nunca me acontece? “Jesus, será que eu nunca te vejo?”. Estava caminhando com esse pensamento». Depois aquele avião, aquele rapaz estranho na beira do penhasco... «Saindo da igreja eu o vi de novo. Ainda tinha na cabeça aquela pergunta sobre as mensagens. E desta vez o cumprimentei».

«Mais um minuto e...», diz Luca. «No entanto, poucos dias depois estávamos juntos comendo uma pizza. E ele começou a me apresentar seus amigos, a me convidar para alguns momentos, encontros e jantares em que sempre, como tema, estava a vida». Uma beleza fascinante, que às vezes até dá medo: «Não sei dizer por quê». Talvez porque seja uma perspectiva nova, que pede tudo. «Sim, talvez seja isso». Mas a alternativa é o desespero. «Tenho na cabeça e no coração um amigo querido, alguém que vinha fazer voluntariado comigo. Na primavera passada teve um acidente em que morreu o primo, ele estava dirigindo. Agora ainda está mal. “por quê?”, pergunta-se continuamente. Não sei responder, eu também me pergunto isso. Mas para mim agora é diferente». Tudo por causa de um «boa noite».