A intuição do destino para Nicco

Estimado por todos na faculdade, professores, alunos e funcionários, apareceu nos jornais por causa de sua morte, mas a primeira página merecia descrever como tinha vivido. A história de um jovem de Florença que amadureceu durante os anos de estudo
Luca Fiore

Durante a homilia do seu funeral, padre Elia Carrai o comparou a Hermano de Reichenau, santo medieval que, como ele, vivia numa cadeira de rodas e de quem se escreveu: «Nem por um só instante se sentiu “confortável” ou, pelo menos, livre de qualquer dor». Niccolò Bizzarri morreu em Florença no dia 13 de janeiro, de um jeito ainda não esclarecido, após cair por causa de um buraco no asfalto que derrubou a cadeira de rodas motorizada que havia dez anos era obrigado a usar por causa da distrofia muscular de Duchenne. Ele tinha 21 anos e estava inscrito na Faculdade de Letras.

Sua história foi parar nas manchetes da mídia nacional por causa das polêmicas acerca das circunstâncias do acidente, e, em seguida, até mesmo os jornalistas passaram a entender que havia muito mais. Sim, a morte de um jovem nos deixa sem ar, e em particular a de uma pessoa com deficiência. Mas era fácil notar que Niccolò era especial bem antes do seu falecimento. E não apenas porque na universidade todos o conheciam e o respeitavam, tanto os porteiros como os professores, passando pelos colegas de turma. Não apenas porque, como representante dos estudantes, ele obteve pequenas vitórias em favor daqueles que, como ele, tinham de lutar diariamente contra as mil barreiras arquitetônicas presentes na universidade. Havia algo mais. E padre Elia falou disso também: a vida de Niccolò mostrou à sua família, aos seus amigos, aos seus colegas e aos professores da universidade que «não há condição, não há doença, que possa arrancar o nosso gosto pela vida e a intuição do destino». O sacerdote, diante das mais de mil pessoas que lotavam a igreja da Santíssima Anunciada, confidenciou que, antes da missa, Angelo, pai de Niccolò, se aproximou dele dizendo: «Diga a todos que o que o fez assim foi sua participação na vida do CLU. Convide-os para a missa de quarta-feira, eles devem saber que há uma vida que continua».

Gosto pela vida e intuição do destino. Na universidade de hoje, onde o fascínio pelo conhecimento e o desejo pela verdade são frequentemente esmagados pela máquina burocrática, estas parecem mercadorias cada vez mais raras. E no deserto, uma corrente de água é suficiente para criar um oásis.



Para contar quem era Niccolò falamos com Filippo Ungar e Francesco Grazzini, que compartilharam com ele a experiência na comunidade dos universitários de CL e a atuação junto aos órgãos de representação estudantil. «Ele não tinha um temperamento fácil», diz Filippo: «Mesmo que em alguns pontos, nos últimos meses, ele tenha mudado, em certas coisas era preciso fazer o que ele queria». No colégio ele tinha chamado a atenção de uma professora de Literatura porque, ao falar de Os noivos, de Manzoni, privilegiava o estudo da crítica em detrimento da leitura do texto... Mas nestes anos, o que se destacou foi a sua vontade de viver e aproveitar especialmente o que para nós é frequentemente considerado óbvio: o estudo.

Bem, porque para Nicco – como era chamado por todos – cada dia era um presente. Sua doença não deixava espaço para muitas esperanças: «Já era excepcional ele ter atingido os 21 anos. E nós, que víamos quanta energia lhe custava estudar e fazer as provas, nos perguntávamos dentro de nós: “Quem é que lhe possibilita isso?” Uma pessoa nas suas condições talvez quisesse viajar ao redor do mundo...» Mas não: todos os dias debruçado sobre os livros na biblioteca. Mas antes, às 8h30, desde o início do ano letivo, era pontual para a oração das Laudes e, no meio do dia, para o Angelus. «Sua lealdade nos surpreendia. Até porque, para ele, movimentar-se pelo campus não era simples. Tínhamos duas rampas de aço para fazê-lo subir os degraus da igreja: essas rampas foram o instrumento de sua mudança». A fidelidade de Nicco era sinal de um apego ao valor mais profundo das iniciativas. «No dia em que ele morreu, tinham sido abertas as inscrições para a convivência de estudo organizada pela comunidade. Ele tinha sido o único que já havia se inscrito».

Filippo o conhecia desde a época do ensino médio: «Ele participava de alguns momentos propostos pelo grupo dos Colegiais. Era o seu pai que sempre o acompanhava. Mas ele nunca fora capaz de se envolver totalmente com a companhia de amigos. E o motivo era simples: para isso, ele tinha que concordar em se deixar ajudar». Num determinado momento, diz Francesco, no final do primeiro ano de universidade, algo nele mudou. «Fui chamado e me perguntaram se eu estava disposto a ajudar Nicco durante as férias de verão da comunidade. Significava servi-lo em tudo: vesti-lo, levá-lo ao banheiro, colocá-lo na cama. Mas se estavam me perguntando significava que ele havia superado a vergonha de ter que depender de nós. Havia algo que o atraía e ele não queria perder isso». São dessas férias as imagens dele que aparecem em muitos sites, que o retratam enquanto Francesco empurra sua cadeira de rodas nos caminhos das montanhas. Nos últimos meses, ele começou a participar de um seminário sobre o Simpósio de Platão com um grupo de estudantes de Filosofia: «Eles se encontravam todas as semanas e ele nunca faltava», explica Filippo: «Eles tinham se tornado amigos e, inclusive, às vezes saíam no sábado à noite para tomar uma cerveja. Então, às vezes, na Escola da Comunidade, ele contava que uma determinada conversa com alguns deles o havia mudado». Francesco acrescenta: «Era evidente que para Nicco a fé era algo que o abria e o deixava curioso sobre coisas e pessoas».

Os seus amigos escreveram uma carta com recordações dele e a enviaram ao Reitor e aos professores com cargos de chefia na universidade. Alguns dias depois, o Conselho de Departamento se reuniu para prestar-lhe homenagem. Naquela ocasião, o diretor do Departamento, Andrea Zorzi, declarou: «Niccolò, na sua extraordinária humanidade, na coragem com que enfrentou os muitos obstáculos que se colocaram em seu caminho, no exemplo da vida que ele conseguiu traçar em sua existência, mesmo que breve, nos ensinou muitas coisas. Ele também foi professor. Para todos nós. E todos nós teremos que tentar, em nosso futuro individual e coletivo, não perder o seu legado moral». Outra professora, numa mensagem para Filippo, escreveu: «No último Conselho de Classe, corajosamente ele se fez porta-voz dos estudantes, que reclamavam da carga de estudos excessiva. Depois disse: “Eu, porém, entendo que esta carga é necessária”. Era sincero, mas também se preocupava que os estudantes fossem ouvidos». E acrescentava: «Eu o via diariamente na biblioteca, com o olhar concentrado nos livros. Ver um jovem de 20 anos realizar-se e encontrar satisfação no estudo é a maior alegria que um professor possa ter. A sua capacidade de viver o presente nunca deixará de ser um exemplo para mim». Mas de onde ele buscava esta intensidade?

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Francesco e Filippo foram ambos envolvidos nos órgãos representativos da universidade florentina. E Francesco admite: «Muitas vezes fazemos mil estratégias para ser uma presença original na universidade. Mas, se você olhar bem, Nicco foi uma presença para todos, simplesmente sendo o que era: na biblioteca, no seminário sobre Platão, no Conselho de Classe». E Filippo complementa: «Sua deficiência era, no início, um motivo de distância entre nós: não sabíamos como nos comportar. Mas, nos últimos meses, chegamos a um ponto de confiança e liberdade em que poderíamos passar o dia inteiro juntos sem prestar atenção aos problemas físicos dele». Mas aos seus amigos, hoje, a fonte dessa energia e desse entusiasmo é ainda mais clara: «Seu relacionamento pessoal com Cristo. A consumação de seu corpo, vivida em alegria, foi um presente dele para nós. Como se ele tivesse seguido Jesus no caminho da cruz». Após a sua morte descobriu-se que Nicco escrevia poesias que ele só deixava alguns seletos amigos lerem. Um de seus versos diz: «Toda dificuldade é uma eternidade de desafios: a cada passo meu coração me sorri». Em outro: «Já não se mexia uma cadeira com motor, / mas uma mente com um desejo abalado / de procurar também em agonia / a beleza da estranha companhia». E, numa mensagem a um amigo, confidenciava: «Mesmo na incoerência dos meus erros e dos pecados que cometo como qualquer outro, acho-me sempre diante da minha cadeira de rodas, que é um fato que me leva continuamente a buscar aquela “estranha companhia”, onde descobri que “tudo é dado, que tudo é novo e libertado”, até a minha deficiência».

Não eram apenas palavras. Algo havia entrado nele e o havia realmente transformado, tanto que a última frase antes de morrer, dirigida a sua mãe Carolina, foi: «Sinto que estou indo embora. Mas não se preocupem, eu estou pronto».