Paraguai. O que dá consistência à vida
Mais de trinta anos do outro lado do mundo. O trabalho na universidade, a colaboração com o governo, a comunidade de CL. E uma “cultura nova” que não para de crescer. De Milão a Assunção, a história de LucaEm 1989, um ano para fazer a tese em Assunção. Um curto período na Itália e então, «depois da formatura, um projeto de pesquisa na universidade da Capital do Paraguai. Era para ficar por dois anos, mas acabaram sendo acrescentados mais 29». Assim Luca Cernuzzi conta o início da sua vida na América do Sul. Milanês, 56 anos, naqueles mesmos anos da viagem amadureceu a decisão vocacional nos Memores Domini: «Cresci na paróquia e num contexto familiar onde a fé era pão diário, no colegial passei a seguir alguns amigos, estudantes de CL». E assim o encontro com Dom Giussani começou a «mudar minha vida, minha pessoa inteira, até no DNA…»
Ele não pode contar o que faz hoje sem partir daquele encontro: «Trabalho com educação. Mas falando assim, é simplificado demais». Daquele projeto de pesquisa inicial e da docência na universidade, por volta da metade dos anos noventa, passou a interessar-se também pelo sistema educacional paraguaio. «Um interesse que apareceu com naturalidade, justamente a partir da experiência de fé no Movimento. Por um lado, pela atenção ao tema educacional que Dom Giussani sempre teve e, por outro, pelo empenho com o que estava na minha frente, no qual se exprime e aprofunda o pertencer que vivo, a fé».
O cenário, diz ele, «é um Paraguai que tem 7 milhões de habitantes e uma superfície de duas vezes e meia a Itália. Um contexto em que não é difícil ganhar visibilidade, se você trabalha no nível institucional». O nível educacional ainda é muito baixo, se olharmos para os rankings e os indicadores mais clássicos. «Por isso, há anos meu trabalho é também colaborar com o governo para melhorar o sistema escolar, universitário e de pesquisa». Um exemplo é o projeto governamental de bolsas de estudo para mandar para o exterior os universitários paraguaios: «“Becal” é como se chama. Becas em espanhol é “bolsa de estudo”, enquanto Cal corresponde a Carlos Antonio Lopez, um ex-presidente do século XIX que muito fez pelo país». Iniciado em 2015, hoje o projeto conta com mais de 2500 estudantes que se beneficiaram dele: «Desde sempre busquei encontrar oportunidades para os estudantes universitários no exterior, através de conhecidos e amigos em várias partes do mundo. A certa altura, com um grupo variado de colegas, empreendedores e políticos, começamos o projeto com a ideia de formar uma classe dirigente para o país nas melhores universidades do mundo. Foi assumida como política nacional, no conselho são quatro ministros e quatro membros da sociedade civil».
Relações com pessoas de destaque do ponto de vista institucional, que em muitos casos ganham cores de estima recíproca e de amizade: «Você passa a olhar o outro pela paixão pelo bem comum que você também tem no coração. E vice-versa. Você se encontra com gente que começa a compartilhar a ideia de que a educação é o motor do desenvolvimento. É a “cultura nova”, como a chamou Dom Giussani, que nasce de levar a sério o que te acontece: o encontro com Cristo, para mim, no Movimento». E que chega a incidir até nas políticas públicas de um Estado. «Mas muitas das realidades originadas no seio do Movimento no Paraguai têm a mesma consistência.» Ele fala das obras do padre Aldo Trento, missionário da Fraternidade São Carlos Borromeu, nascidas em torno da sua paróquia, estimadas e reconhecidas como modelos no cuidado dos doentes, no acolhimento e na educação. Ou ainda a escola Santa Catarina de Sena, que foi fundada anos atrás como creche do bairro sob a direção de Giovanna Tagliabue – ela também Memor Domini – e agora cresceu e abrange até o ensino médio. «Com uma dinâmica de encontros e amizades que se expandiu para além da pequena comunidade de CL, e que hoje envolve muitas famílias que até decidiram ir morar perto da escola». Além dessas, a casa Virgen de Caacupé, que começou com o acolhimento de jovens que saíam do presídio para menores e hoje é credenciada como pena alternativa, com uma taxa de reincidência praticamente nula em relação à detenção clássica. «E eu poderia falar do Banco de Alimentos ou do Encuentro Asunción, o nosso pequeno “Meeting de Rímini”». O horizonte é amplo. «É uma paixão por todas as coisas que você tem ao redor, que é própria do encontro com o cristianismo, com o Movimento. “Interessa-nos o mundo”, dizia-nos Dom Giussani».
Ele conta ainda dos estudos de bioinformática sobre os medicamentos para covid e outras doenças, ou então dos projetos sobre o uso de internet para a interação e a participação cívica na vida social, para que os protestos e as depredações possam dar espaço a propostas que nasçam de baixo: «O país precisa de muitas coisas. Mas para mim isso nasce do aprofundamento da relação com Cristo, que me constitui, que é o respiro da minha vida. Como para aqueles que, depois de terem encontrado Jesus, saíram pelo mundo. Quem os encontrava via-O no gesto deles, nas palavras deles, na vida deles transformada. Hoje não é diferente: “Somos responsáveis pelo incremento ou o declínio do carisma”, como disse Giussani e nos recordou Carrón, em relação ao que nos faz viver».
Ele volta a falar da pequena comunidade “paraguaia” de quatrocentas pessoas: «Dá para ver como da experiência do Movimento se produz um jeito “mais interessante” de olhar e de viver. Eu falei das muitas famílias que estão envolvidas com a vida da escola. Mas também olho para a minha casa, onde, por exemplo, o Jorge, quando se aposentou, se envolveu com um comitê de bairro para melhorá-lo. Não há nada de voluntarista. Você leva a si mesmo no mundo. E pode ser que também encontre algum companheiro de caminho, como aconteceu comigo com colegas ou ministros». Luca os chama de «espaços de humanidade interessantes», fáceis de reconhecer: «Não é um esforço encontrar o positivo em tudo e em todos, mas reconhecer o que te move e sustenta naquele instante». Luca também fala de um encontro com Julián de la Morena, responsável de CL na América Latina, e o grupo de jovens trabalhadores de Assunção: «No começo, uma série de participações em que prevalecia a reclamação sobre tudo: a covid, os problemas políticos, a falta de trabalho… “Mas em tudo isso, o que os sustenta? Onde está a esperança?”» Pouco a pouco, os jovens começaram a listar fatos que vinham acontecendo entre eles, desde o tempo da pandemia até o nascimento de dois grupos de fraternidade. E ainda, a decisão de alguns deles de se casarem… «Alguém que faz você levantar o olhar, enfim. E reconhecer o que no presente dá consistência à vida».#AméricaLatina