Cazaquistão. Levar Deus “dentro”
Mais uma história de um país atingido pelo caos no início do ano, com mortos e feridos devido à crise econômica. Uma mulher mulçumana apaixonada pela cozinha e um encontro que a leva a abrir um forno de pão…Há um fato, um rosto pelo qual Deus responde à pergunta que mais me aperta desde os acontecimentos de janeiro. Depois de voltar à normalidade, depois da violência e do estado de emergência, serpenteia agora uma falta de esperança, um vazio, um esquecimento, tão mortais como as balas. Onde está fundamentada a minha esperança? E que testemunho eu dou de algo que seja capaz de abraçar com amor e com verdade todas as pessoas do meu país?
Sou professora de italiano. Aruzhamal é uma das minhas alunas, ela é cazaque e de tradição mulçumana. Tem quarenta anos, é casada e é mãe de três filhos. É a caçula de quatro irmãos e, de acordo com a cultura cazaque, o irmão mais novo tem a obrigação de servir toda a sua família: pais, sogros, irmãos mais velhos, além de seu marido e seus filhos. Como ela tem um grande talento na cozinha, sempre lhe pedem que se encarregue de tudo em todas as ocasiões. Eu a conhecei porque sua paixão pela cozinha a levou até a mim, pois queria aprender italiano para entender os vídeos de cozinheiros italianos no YouTube. E não só aprendeu a língua, mas organizamos para ela um mêz na Úmbria na cozinha de um B&B para «roubar com os olhos os segredos da cozinha italiana» enquanto estudava a língua.
Aruzhamal sempre me chamou a atenção por sua simplicidade, sua positividade, sua disponibilidade para servir a todos sem reclamar. Mas um dia, dois anos atrás, ela chegou parecendo outra… magra, triste. Estava passando por um momento de profunda crise, pessoal e com seu marido, sentia-se incapaz de olhá-lo, tudo lhe fazia mal e a ofendia. Ela me disse: «Tenho a sensação de ter feito tudo errado na vida, de ter me equivocado. Sempre servi a todos com amor, mas quem me ama realmente? Dar, dar, dar, e sentir-se tão vazia! Depois de uma discussão muito dura com o meu marido, sinto-me triste e muito zangada com ele. Nós, cazaques mulçumanos, cremos que quando você deixa entrar um pensamento ruim, hospedamos um espírito mau e as desgraças começam. Assim é como me sinto. Toda a minha família me diz que a culpa é minha, que sou uma exagerada. É impossível o que desejo, ser feliz e me sentir amada de verdade?»
Enquanto a ouvia, pedia ao Espírito Santo que se fizesse presente através de Nossa Senhora. Eu lhe disse: «E se esta tristeza não for um pensamento ruim? E se for um dom do Altíssimo? Por acaso o Criador onipotente não nos ama e nos doa continuamente, pois neste instante não nos fazemos a nós mesmos? Não será a sua capacidade para servir, cozinhar e se doar – algo que sempre vi você fazer com alegria e positividade – o que faz com que o seu coração se pareça com o de Deus? O seu marido errou, sim, mas esse erro tem o poder de destruir tudo o que houve? Quando todos os outros se opunham à sua viagem à Itália, ele foi o único que a apoiou para você realizar o seu sonho. Você sabe? Eu também quero ser feliz e amada. Vamos desejar isso juntas e veremos como o Altíssimo vai responder».
Nós nos abraçamos e nos despedimos porque tinha que começar a minha aula. No dia seguinte, quando estava na sala de aula, alguém de repente abriu a porta. Era ela, com um rosto radiante, pedindo-me que saísse por um minuto. Saí e me abraçou com força, agradecendo-me com estas palavras: «Ontem, assim que eu entrei em casa, corri para abraçar o meu marido porque já não havia raiva em mim. Ele ficou tão espantado que finalmente pudemos falar sobre o que aconteceu naquele dia, de mim, de nós. O Altíssimo respondeu em seguida… através de você. Sabe por quê? Porque você é católica e os católicos vivem como você, com uma mão tocando Deus e com a outra tocando o homem, mas profundamente». «Para nós, Deus está lá», disse apontando com as mãos para cima, «para vocês está aqui dentro!», disse apontando para baixo.
Desde então ela não parou. Nunca tinha trabalhado fora de casa e se inscreveu em um máster para pequenas e médias empresas. Após concluí-lo com sucesso, escreveu e apresentou pelo menos dois projetos ao Governo para obter financiamento a fim de abrir uma cafeteria com oficina de padaria, onde prepara massas para pratos salgados e doces. Além da venda direta do seu negócio, também presta serviços a alguns supermercados.
Pouco antes de começarem os protestos de janeiro, finalmente pude ir vê-la. É um lugar realmente bonito, com as paredes coloridas e murais. Também trabalham lá seus filhos, uma no balcão e o outro nas entregas. Mas a que mais trabalha é ela, e é uma revolução, porque na mentalidade cazaque, se você é o chefe, você não tem que fazer nada, só mandar os outros trabalharem. Até o nome que escolheu é uma declaração: “Sfoglia Bela” [Massa Bela]. Quando lhe perguntei por que tinha querido chamá-lo assim, ela me disse que tinha visto tanta beleza na Itália e no nosso centro que tinha se dado conta de que, se eu não tivesse levado a sério o seu desejo, ela nunca teria chegado lá. Queria oferecer um lugar bonito e produtos de qualidade, para poder mostrar às outras pessoas o que nós tínhamos sido para ela. No meio do caos de janeiro, manteve aberta a atividade e começou a fazer pão durante esses dias, nos quais era muito necessário. Eu lhe perguntei por que ela fazia isso e se não estava com medo, e ela me respondeu: «Há necessidade de pão e fazendo-o respondo ao que acontece… Como você, como vocês, levo Deus dentro. O meu país não é violência e saques, mas pão bom».
Assim é como Deus responde à minha pergunta. A esperança é “Deus dentro”: acordar, estudar, dar aula, estar com as pessoas, do taxista ao aluno, preparar a comida mendigando a presença de Cristo… Deus dentro, também no meio da violência e do esquecimento, com uma vida nova que floresce pela Sua graça e pelo nosso sim dito com simplicidade.