Paolo Palamara

Canadá. «Minhas decisões ilógicas»

Paolo tinha dinheiro, amigos, férias fabulosas e um vazio que o atormentava. No meio da escuridão, lembrou-se de uma professora… E começa uma história sem cálculos. Da Passos de jan/fev.
Paolo Palamara

Tenho uma empresa em Toronto, onde moro há anos. Meu trabalho me levou a ser muito analítico e pragmático, a calcular riscos, a agir estrategicamente e a ter cuidado para não perder. Porém, apesar desse jeito de ser que me moldou ao longo dos anos, chegou um momento no qual tomei uma decisão que está entre as mais ilógicas e desmedidas que já tomei.

Como muitos expatriados, de repente comecei a sentir muita saudade da minha terra natal, dos meus amigos, da minha família, e uma forma de superar essa saudade era me lançar plenamente no trabalho, aprendendo a seguir adiante com os dentes cerrados. Mas o sucesso alcançado logo me subiu à cabeça e comecei a tomar decisões desastrosas que me fizeram chegar ao fundo do poço e depois ter de recomeçar do zero. Tinha dinheiro, amigos, férias fabulosas, mas o vazio daquela vida sem sentido nunca deixou de me atormentar.

Um dia, com lágrimas nos olhos, entrei no carro e dirigi sem rumo. De repente, o rosto de uma professora do ensino médio, para quem causei muitos problemas durante os piores anos dos movimentos estudantis, apareceu na minha cabeça. Voltei ao escritório e procurei seu número. Havia mais de dez pessoas com o mesmo nome dela em sua cidade. Na enésima ligação, quando eu disse: «Estou procurando a Dona Ester», uma voz muito gentil me respondeu: «Você é o Paolo?» Empalideci: «A que Paolo se refere?» «Àquele que está no Canadá. De vez em quando me lembro de vocês e rezo por vocês.» Totalmente desarmado com aquelas palavras, comecei a contar-lhe as minhas aventuras durante aqueles anos: o casamento e o divórcio, a lista de loucuras que havia feito e a saudade que sentia.

Sem se abalar me perguntou: «Você procurou pelo Movimento Comunhão e Libertação?» Ela lembrava que na escola eu tinha conhecido o grupo dos colegiais. Respondi: «Não, o Movimento é italiano…» Ela me interrompeu: «Não, não, também está aí. Procure-os!» A ligação não durou mais do que dez minutos, mas foi o suficiente para me provocar e, assim, o “encontrá-los” se tornou minha prioridade.

Essa foi minha primeira decisão ilógica. Eu os procurei e os encontrei. Fui a várias reuniões, mas saía pior que antes. Enquanto isso, fui diagnosticado com esclerose múltipla e mergulhei de novo na escuridão profunda. Resolvi não contar nada aos meus pais que estavam na Itália, aliás já tinha aprendido a cerrar os dentes. Mas conversei com minha irmã, que é médica, e além de me orientar sobre saúde, ela sugeriu que eu rezasse de vez em quando para São Ricardo Pampuri. Não parecia um santo muito importante, então disse: «Tudo bem, não sei quem é, mas não tenho nada a perder».

Era o ano da Jornada Mundial da Juventude no Canadá. A secretaria do Movimento em Montreal informou que em Toronto havia uma pessoa – eu – que falava italiano, e que os jovens italianos poderiam contatar para as questões logísticas. Eles me procuraram, mas eu não respondi. Ficaram ligando e eu ainda não atendi. Mas apesar da minha decepção com o grupo de Toronto, resolvi dar uma última chance e atendi uma das ligações. Conversamos um pouco e então eu disse a mim mesmo: «Vou tirar uma semana de férias para ficar com eles». Outra decisão ilógica. O que um homem maduro está fazendo com um grupo de jovens desconhecidos? Foram dias fantásticos. Os padres que os acompanhavam iam à minha casa por turnos, ao fim do dia, para comer alguma coisa, tomar banho ou descansar um pouco. Uma noite perguntei a um deles: «É justo que um desequilibrado como eu peça favores aos santos porque está mal?» Ele conversou comigo, abriu uma pasta, tirou um cartãozinho e me disse: «Toma, reza para ele quando tiver um tempinho». Era São Ricardo Pampuri.

Ao final daquele verão, John Zucchi [responsável pelo Movimento no Canadá] me convidou para passar quatro dias em La Thuile. Perguntei-lhe do que se tratava, mas ele não me deu muitas explicações: «Vamos com um grupo de amigos, responsáveis que vêm de todo o mundo». Eu disse: «Um grupo de quê?» «É chamado assim, mas não importa, você vem.» No final do primeiro dia, eu disse a John: «Estou indo embora». Ele me disse: «Espera aí, vou cortar as rodas do seu carro e já volto». Ele interpretou isso como uma piada, mas eu realmente queria sair porque estava claro que não era um clube do livro ou um círculo intelectual: era algo totalizante. Lá eles me pediam tudo e tive medo. Mas decidi permanecer.

No penúltimo dia perguntei a uma italiana que estava no encontro: «Você sabe onde fica Trivolzio?» É a cidade onde está sepultado São Ricardo Pampuri. «Por que você quer ir lá?» «Bom… me disseram …» «Eu te levo.» Este foi outro impacto fulminante. Por que alguém que nem me conhece iria me acompanhar? Fomos junto com John e Mark, também do Canadá. Eram três da tarde e fazia um calor insuportável. Chegando à Igreja fiquei na porta por alguns minutos, depois entrei, vi como eles estavam rezando e ficamos ali um pouco. Ao sair ninguém falou. A certa altura eu disse: «Olha, viemos aqui pedir uma coisa muito específica. Não sei como terminará esta história, mas de uma coisa tenho absoluta certeza: a partir de hoje não estarei mais sozinho e, aconteça o que acontecer, a vida não voltará a me trair. Já tenho tudo o que preciso. Não me importa se vou parar em uma cadeira de rodas ou em uma cama de hospital, nada pode tirar essa certeza. Para mim este milagre é cem vezes maior do que a minha cura».

A partir daquele 28 de agosto de 2002 teve início um caminho para ir à origem dessas decisões “ilógicas”. O essencial já havia acontecido e agora eu tinha o resto da vida pela frente para entendê-lo e tomar consciência dele, seguindo simples e humildemente as circunstâncias em que Jesus se fazia presente a mim.

De volta a Toronto, quis compartilhar o que havia descoberto e, aos poucos, me foi doada e vi crescer uma comunidade de pessoas fantásticas, sérias com a vida. Pessoas que não se contentavam em resolver os problemas, de procurar anestésicos que amortecessem os golpes; pessoas com quem crescer livremente, julgando tudo para descobrir a pergunta que carregamos dentro de nós; pessoas que lembram umas às outras que nunca devemos separar o que é dito de nossa própria experiência. Compartilhamos o que vivemos para descobrir como Jesus nos abraça em todas as circunstâncias, para nos darmos conta de que Ele é a nossa resposta.

Após obter a anulação do meu matrimônio, em 2007 casei-me novamente. Durante nossa lua de mel, uma garota que havia sido convidada pela prima de Montreal para umas férias dos colegiais me ligou e disse: «Você não me conhece, mas queria perguntar se você quer me acompanhar com os colegiais». Não sou professor, mas como não sabia bem o que isso significava, disse: «Ok». Aceitei o convite e começamos com um pequeno grupo que cresceu inesperadamente. Certa vez, era inverno, a caminho da Escola de Comunidade, eu me perguntei: «E se você chegar agora e não tiver ninguém? O que você faria?» A resposta foi clara para mim: «Sento-me e faço a Escola de Comunidade porque vou ao encontro de Jesus e vou aonde Ele me chama». Hoje aqueles jovens já são pessoas maduras, com família e filhos, alguns tomaram o caminho da vida consagrada e um será ordenado padre. Essas pessoas me foram dadas assim, com toda a sua simplicidade e frescor. Nossas Escolas de Comunidade são muito bonitas, gratuitas e crescem porque estamos todos atentos para reconhecer a vida que nasce.

As coisas deram errado quando eu pensei que poderia difundir o cristianismo com estratégias de marketing. Como quando compramos centenas de exemplares do livro Educar é um risco, de Dom Giussani, e os enviamos a todos os diretores de escolas e institutos num raio de noventa quilômetros ao nosso redor, com uma carta onde explicávamos a importância desta obra. Os poucos que responderam o fizeram para me pedir que não lhes enviasse mais nada.

A ideologia, ainda que seja cristã, não leva a lugar nenhum, e com o tempo Jesus não deixou de me apontar isso de forma mais ou menos gentil. A inteligência, o frescor, o afeto, a operacionalidade daqueles que Jesus me dá, testemunham-me como os sujeitos cheios de admiração por um Acontecimento presente podem se tornar um sinal que atua na sociedade por meio de qualquer pessoa que encontrem. Desta forma, começamos a fazer o gesto público da Via Sacra na cidade em 2006, sendo sete pessoas, e em 2019 chegamos a quatrocentos.