Eu sou Tu que me amas
Publicamos o texto do testemunho de Matteo Monferrino, monge da Cascinazza, na peregrinação a Trivolzio, onde está o corpo de São Riccardo Pampuri (9 de setembro de 2023)«Eu sou Tu-que-me-fazes.» Quando foi a última vez que cada um de nós tomou consciência desse fato? É tão óbvio que nunca pensamos nisso. Sempre me ajudou ouvir o que São Bento diz no capítulo IV de sua Regra, onde ele nos convida a ter a morte diante dos olhos todos os dias como algo iminente. Cada momento que nos é dado para viver é um presente. Cada instante poderia ser o último. Isso é o que São Bento nos lembra, e isso é o que vimos dramaticamente diante dos olhos durante a pandemia. Uma vulnerabilidade a que não estávamos acostumados. Ou que experimentei no repentino chamado do meu irmão Quique, um ano atrás. Ou no chamado de Agostinho, o filho de 5 anos de dois amigos queridos. Assim, suas vidas se completaram misteriosamente. Cada um de nós poderia listar uma infinidade dessas provocações que a realidade não nos poupa. Mas são precisamente essas provocações que nos chamam à urgência de viver, ao fato de que este instante, exatamente este instante, é único e não voltará mais. Que urgência essa consciência deveria trazer aos nossos dias.
Sempre me impressiona à noite, depois das Completas, nos últimos instantes antes de adormecer, ouvir no silêncio os batimentos do meu coração e perceber que cada batimento é gratuito, desejado por Outro, e que o próximo batimento poderia não estar lá. E ser grato pelo dia que me foi dado, talvez cheio de contradições, e ser curioso e ansioso pelo próximo, se me for concedido. Grato por estar aqui, enfim. Nós, com todo o nosso esforço, com toda a nossa boa vontade, não podemos acrescentar um segundo sequer à nossa vida. Essa é a oração. Dom Giussani diz no capítulo X de O senso religioso: «A consciência de si até o fundo que depara com Outro».
Mas, pessoalmente, fui introduzido na graça desta consciência de que há Alguém que nos possui, que nos precede, apenas no encontro com Cristo, na carne da Igreja. Eu sou Tu-que-me-fazes, também se poderia dizer Eu sou Tu-que-me-chamas. Quando no verão, no Meeting de Rímini, a mulher por quem eu estava apaixonado me convidou para a exposição feita pelos monges da Cascinazza, na qual ela trabalhava como guia, eu não tinha a menor ideia de que ali minha vida tomaria outro rumo. A exposição não me interessava, mas ela me interessava, então fui. Enquanto a ouvia falar, fiquei chocado: a vida monástica que ela estava me descrevendo não era senão a radicalidade, a profundidade da experiência que eu estava vivendo na faculdade no CLU, com meus amigos. Era a possibilidade de viver toda a vida, sempre diante de uma Presença: que cada gesto, até o mais escondido, estivesse relacionado com Ele, era viver sempre sob Seu olhar.
Em particular, fiquei impressionado com uma frase de Dom Giussani impressa num dos painéis: «A natureza da experiência que deu origem à Cascinazza é justamente o acontecimento no mundo de uma unidade de homens que, pela visão e amor a Cristo, ardem pelo mundo. Ardem para construir a Igreja: em vez de construí-la como uma catedral, como poderiam fazer na Idade Média, é a reconstrução da Igreja como pessoa». Ali eu disse a mim mesmo: toda a vida gasta num buraco. Ou são loucos ou encontraram o segredo da vida. O Senhor é realmente um pretendente implacável, usa de tudo para nos conquistar: fui lá por uma mulher e saí com uma vocação monástica.
Mas este episódio se tornou um método para mim: o método da vida é o acontecimento, o imprevisto. Você nunca sabe de onde o Senhor te prepara uma “emboscada”. Então, você já não pode ficar fazendo uma lista das circunstâncias. Tudo é para você: os dias, as horas, os minutos se tornam um encontro com essa Presença que te chama. A realidade, no entanto, é Cristo, disse São Paulo.
Inclusive, com a entrada no mosteiro, isso se tornou uma forma estável, uma resposta dentro da estrita obediência ao que me foi pedido, através do superior e dos vinte rostos aos quais fui confiado, com os quais fui convocado. Então, não importa se você está limpando os banheiros, como nos primeiros anos de monastério, ou fazendo cerveja – que agora é o meu trabalho, mas amanhã poderia ser outro. Sempre é um chamado dentro do chamado. A novidade não está na diferença das coisas que você faz, mas n’Ele que irrompe na circunstância. O trabalho dentro do trabalho é dar significado ao que você está fazendo. Os momentos de oração que marcam nosso dia são a graça para recuperar isso. Eles interrompem o trabalho, mas lhe devolvem o sentido. Há apenas uma coisa que vale mais do que a vida, e é o significado da vida. Mas o significado da vida se tornou um homem, Jesus Cristo. Ora et labora. O trabalho se torna oração e a oração se torna trabalho, onde a estrita clausura – na aparente repetição – revela aquilo a que você realmente está ligado. Mas, no fundo, cada um tem sua própria clausura, mais ou menos estreita.
Eu sou Tu-que-me-fazes, sou Tu-que-me-chamas, poderia até dizer que eu sou Tu-que-me-amas. Com o tempo, percebo que a virgindade para a qual fui chamado não é algo apenas para os entendidos, uma forma estranha de amar, mas é a única. A virgindade já está na origem, já está toda no início: é aquele olhar infinito com que fomos olhados no encontro, como Pedro, como Zaqueu, como Mateus. Não pude deixar de corresponder a esse olhar impossível que me encontrou e interceptou toda a minha necessidade, toda a minha espera. Caso contrário, eu teria me perdido.
Aconteceu algo irreversível comigo: o meu eu está permanentemente habitado por esse olhar que passou por rostos específicos. Isso, que é a maneira como fomos olhados desde toda a eternidade, só se esclarece num encontro. E se algo assim acontece contigo, como não sentir o desejo de poder também olhar a realidade assim? Como não desejar que Seus olhos se tornem os teus olhos? Que Ele possa olhar, dois mil anos depois, a realidade através de você? Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. Isso não é uma técnica. É irreprodutível. Você só pode olhar assim porque já foi olhado assim.
Sempre vou me lembrar da visita de um colega da escola, ateu, com quem mantive um vínculo muito bonito. Em certo momento, ele não se conteve mais e fez a fatídica pergunta sobre a castidade. A coisa que mais o deixava perplexo. «Desculpe», eu disse, «você se lembra da primeira vez que se apaixonou? Lembra de como a olhava?» «Sim, claro», ele respondeu. E então ele realmente se iluminou: «Ficava feliz só de vê-la. Nem conseguia falar com ela, mas só o fato de ela estar ali bastava para mim». «Exatamente», eu disse, «a virgindade é permanecer nesse primeiro momento para toda a vida». E ele entendeu naquele momento, eu entendi que ele entendeu, porque aquele olhar de pureza acontece uma vez e você nunca mais esquece.
Então, a única posição razoável para não perder o que nos aconteceu é a mendicância, como testemunha a peregrinação. «Cristo mendicante do coração do homem e o coração do homem mendicante de Cristo.» Como o padre Sergio me disse antes de fazer a profissão solene: «Você sabe o que o Senhor faz de você com a profissão monástica? Ele te constitui como mendicante da Sua presença para sempre».
Eu sou Tu-que-me-fazes, não apenas que continuamente me dá o ser, me tira do nada, mas que me constrói momento a momento através de tudo o que me fazes acontecer.