A medida que enjaula e o desafio da razão
O Meeting de Rímini dedicou um encontro à missão dos cristãos nas sociedades inglesas, onde “o desejo vive enjaulado”, como mostram as recentes revoltas populares. Mas, existe um caminhoA visita do Papa ao Reino Unido foi fundamental porque chegou ao coração do mundo anglo-saxão de um modo simbólico: desafiou as formas de razão esclerosadas na língua inglesa. A nossa é uma língua muito polarizada em termos de lógica: reduz muito as coisas, tudo tem que ser demonstrado. É uma linguagem muito difícil, especialmente pelo modo como se desenvolveu no âmbito político, no qual há pouca poesia. Como consequência, nossa mentalidade também procura demonstrar e provar todas as coisas, medir tudo. Creio que o verdadeiro desafio do Papa ao mundo está em dizer: há outros modos de ver as coisas, isso não é tudo, o que a gente vê e experimenta é apenas um fragmento, olhem mais além. As palavras, por si sós, não bastam.
O problema é que no mundo todas as coisas se reduzem sempre à palavra: vemos a televisão, ouvimos o rádio, lemos o jornal e imaginamos que tudo pode ser capturado pelas palavras. No entanto, na realidade as palavras, no máximo, são sinais do significado. Quando falo com uma pessoa, olho nos olhos dela e uso palavras, porém estou tentando suscitar nela uma identificação. Não digo exatamente o que sinto, o que entendo e o que penso, mas confio no fato de que ela tem uma humanidade parecida com a minha e que esta seja despertada. É o que fazem as palavras. E nós nos esquecemos disso, quando tentamos reduzir as palavras a meras fórmulas matemáticas para descrever a realidade. Esse é um dos problemas destacados pelo Papa.
Por ocasião de sua visita, aconteceu algo misterioso: havia muita hostilidade, que não desapareceu nem se evaporou, porém foi enfraquecendo. Os meios de comunicação, desde o começo centrados nessas pequenas hostilidades, logo tiveram que constatar que algo maior estava acontecendo: a emoção suscitada pelo Papa e por sua humanidade e gentileza com que afirmava sua mensagem, sem atacar, repudiar nem condenar ninguém, mas simplesmente dizendo – como faz sempre – que há um outro modo de ver as coisas.
Vendo o que está acontecendo agora na Inglaterra, emerge um quadro muito interessante. Antes de tudo, estamos experimentando o colapso das instituições políticas, do Parlamento e em seguida os escândalos pelo gasto público e da Igreja, a corrupção dos bancos. Nos últimos dois anos desintegrou-se a fé do povo nas instituições e parecia que a única voz coerente e ética era a da mídia, porque era a única que questionava e acusava a todos, dizendo quem tinha razão e quem estava equivocado.
Agora os focos se inverteram, e isso é só o começo. O que está acontecendo é uma autêntica desintegração do sistema de valores, como vemos nas revoltas populares destes dias. Já não existe um sistema sólido sobre o qual seja possível apoiar-se, e isso, antes ou depois, nos levará a enfrentar uma questão sobre a estrutura mesma da sociedade e sobre o modo como estamos criando jaulas para enclausurar o desejo humano.
A visita do Papa foi uma grande ocasião, porém obviamente a mídia tergiversou por completo sobre o que ele disse, com títulos como “O Papa ataca o aborto e os homossexuais”, quando o tema que ele abordava era como modernidade e fé poderiam dialogar. Não é que não o entenderam, mas que precisamente porque o entendiam procuravam impedir que essa mensagem chegasse ao seu destino. Esse drama, essa batalha, é verdadeiramente o mais fascinante: ninguém contestou diretamente tal manipulação por parte dos jornais e televisões, porém agora ultrapassamos a linha. Por trás do escândalo Murdoch, de fato, os jornalistas já podem, inclusive, ser objeto de acusação. Uma vez que o público comece a ver tudo, todas as coisas, inclusive esse “quarto poder” poderia balançar. E, então, talvez dirão: precisamos de um quinto poder. Mas quem o assumirá?
(Texto inicialmente publicado no jornal “Quotidiano Meeting”)