É possível amar "aquele homem"?
O comandante “imperdoável”, o nosso moralismo e “o caminho do dom de si”. Porque a esperança é poder dizer um dia: “Desejei a vida inteira voltar àquele navio” (do jornal Il Foglio)“Tudo bem, comandante.” Schettino, porém, não foi. O comandante Gregorio Maria de Falco, da Capitania do Porto de Livorno (todos escutamos isto) “tem razão”: está apenas dizendo aquilo que se impõe à consciência como “obrigatório”. À consciência do homem.
Schettino “deve” agir assim. E não o faz. De maneira teatral, vergonhosamente evidente para todos. Com consequências terríveis. Tentamos encontrar justificativas. E não as encontramos (mesmo aqueles que, entre nós, são os mais bondosos), a não ser a mais flagrante, humilhante pequenez do homem, “daquele homem”. Que se permitiu brincar com patrimônios (vidas) de outros, destruindo-os. Por causa de uma naturalidade desarmante. E não é suficiente. Nem mesmo aquele último murmúrio, Schettino! O que permitiria a você ir para cama, naquela maldita noite, e dizer “seja como for, sou um homem, porque ao menos percorri aquela maldita escada no sentido contrário”. Nem mesmo aquele gesto reparador, redentor, talvez, em sentido inverso da podridão. Um espetáculo de humilhação sem apelo do homem, “daquele homem”.
Por causa daquela podridão que emergiu flagrantemente nas águas límpidas do mar Giglio, Schettino é “imperdoável”, como declarou o procurador chefe de Grosseto, Francesco Verusio, encarcerando-o. De Falco tem razão. Verusio tem razão.
Mas, a podridão do moralismo que vomitamos e que sobe até a goela para encontrar saída e nos dar serenidade, no fim não é por menos: descarregar o nosso fardo sobre aquilo que é evidentemente podre e não é menos humilhante. É um rito de libertação, primitivo e desumano de pessoas que apedreja ansiosamente, para não ser apedrejada.
Porque “aquele homem” é o homem. Em cada um existe “aquele homem”, imperdoável e capaz de mentir até o último e possível ato de redenção.
E exatamente “naquele homem”, ao lado, sobre, antes, depois, ao redor de toda a falsidade cuspida (“tudo bem, Comandante”), existe uma secreta, silenciosa súplica, que não consegue nem mesmo tomar forma, na medida em que é capacidade esquecida ou evitada: “Perdoem-me”. Perdoe-me. Você, a quem eu arruinei a existência, perdoe-me. Você, se conseguir, perdoe o imperdoável.
É possível querer o bem de um homem imperdoável? É possível amar o homem? Porque, quando se ama um homem, se ama do jeito como ele é. Este é o drama eterno: para poder amar “aquele homem” é preciso algo, em última instância, “injusto” e, ao mesmo tempo, “a única justiça desejável”, ou seja, aquela pela qual seremos salvos, seremos amados.
É preciso um terremoto, algo que perturbe e, ao mesmo tempo, realize a justiça. Algo de excepcional, como um homem que, não obstante a sua imperdoabilidade, seja capaz de desejar fazer a única coisa à altura da sua estatura: dar a vida pelo outro. E, no mar Giglio, também se viu este homem. Mas, o caminho do dom de si é o que é menos percorrido, menos abraçado. Entende-se: é a menos provável.
E apedrejar “aquele homem” é sempre um modo astuto e humilhante de evitar a porta estreita. Quanta necessidade temos de encontrar homens vendo os quais se torne desejável dar a vida pelo outro, pelo homem podre que comanda e pela criança inocente que morre por sua causa!
Por “aquele homem”. Quanta necessidade temos de poder dizer, um dia, com sinceridade: “Desejei a vida inteira poder percorrer aquela maldita escada em sentido inverso”.
* Extraído e traduzido do jornal italiano Il Foglio, de 19 de janeiro de 2012 (p. 2).