A longa marcha da China

Da queda do crescimento ao aumento das revoltas sociais (passando pelo twitter, a reaproximação com Formosa e o papel da Igreja), uma viagem pelo gigante que, por entre mil contradições, se candidata a governar o mundo
Luca Fiore

Como a China mudou em dez anos! E como também ficou na mesma. É o País mais rápido do mundo, mas também o mais lento. O mais populoso, e aquele em que nascer é quase sempre um luxo. Os setenta homens mais ricos da China estão inscritos no Partido Comunista e todos têm assento na Assembleia do Povo. Quem exige democracia e liberdade está atrás das grades. É verdade que todos os países têm as suas contradições, mas as dos chineses ultrapassam sempre a escala, como quase tudo o que acontece por lá.

Em 2002, quando o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao foram nomeados, o Ocidente começava a se dar conta do milagre econômico chinês. Hoje, a China tornou-se a “fábrica do mundo” e produz grande parte dos objetos que usamos diariamente. A parábola dos dois líderes chineses concluiu-se e, com uma liturgia tão linear como opaca, o partido escolheu os novos funcionários que conduzirão o País até 2022: Xi Jinping e Li Keqiang, o novo presidente e o seu primeiro-ministro, nomeados no Congresso nacional encerrado no dia 14 de novembro.
Mas como é a China que os velhos líderes entregam aos novos? “Pode até parecer banal, mas a primeira mudança é a explosão da internet”, explica Francesco Sisci, analista dos jornais italianos Sole24ore e do Asia Times: “Temos assistido a uma liberalização gradual da opinião pública. As centenas de milhões de chineses que se informam através da Weibo, o Twitter chinês, demonstram a direção que o Governo quer tomar. Hoje os chineses estão muito mais informados do que há dez anos. O segundo ponto é a grande reaproximação com Formosa. Há uma vontade de caminhar em direção à reunificação da pátria chinesa, mas é evidente que, se um dia isto acontecer, será apenas sob o signo de uma democratização”.

E a propósito de democratização: em que ponto estamos quanto aos direitos do homem? Liu Xiaobo, o Prêmio Nobel da paz de 2010, está na prisão desde 2008 por ter promovido o manifesto Charta 08. É o símbolo de um País no qual a liberdade começa e acaba onde o Partido decide. Para Marco Del Corona, correspondente do jornal italiano Corriere della Sera em Pequim, na China de hoje “uma maior flexibilidade e aberturas, que são inegáveis, convivem com automatismos e linhas condutoras substancialmente imutáveis. A estrutura do poder, excetuando as variáveis representadas por personalidades individuais, permaneceu inalterada. E isto produziu curtos-circuitos de que os setores mais ameaçados da liderança estão cientes”. “Para se tornar na segunda economia mundial, Pequim não olhou para ninguém e isto originou problemas sociais e ambientais enormes”, afirma padre Bernardo Cervellera, diretor da agência Asianews. “Mas agora parece que o modelo está cedendo. Os pilares do crescimento econômico foram as exportações e a mão-de-obra barata. A crise ameaça as exportações e os trabalhadores estão cada vez menos dispostos a trabalhar por US$ 100, US$ 200, no máximo US$ 300 por mês. E o fato é que os protestos populares são muito frequentes: em 2010 foram cento e oitenta mil”.

Efetivamente, os dados dizem que a economia do Dragão está em contenção. Os dados trimestrais de setembro estimavam o crescimento do PIB em 7,4%, a sétima diminuição consecutiva. Há cinco anos, o crescimento estava em 9-10%. Agora o sistema chinês encontra-se em simbiose com o resto da economia mundial, se é verdade que Pequim é o primeiro ou o segundo parceiro comercial de 78 países, cujas economias constituem metade da riqueza mundial.

Mas então quais são os principais desafios que Xi Jinping e Li Keqiang têm que enfrentar? “Simplificando: reequilibrar a economia, eliminar as diferenças sociais e gerenciar um papel global que a China ainda hoje tem dificuldade em cumprir”, continua Marco: “Mas acabar com a corrupção será a coisa mais difícil. Quanto às reformas políticas, é preciso ver o que Pequim entende por reformas. Certamente não é algo que se pareça realmente com uma democracia liberal”. Para Francesco, pelo contrário, “o mandato que é confiado aos novos líderes é o de administrar um início de reformas políticas. É preciso transformar a liberdade social conquistada em uma reforma política articulada igualmente gradual”.

“O grande problema do Partido Comunista chinês é que já não tem qualquer razão para existir. Nenhuma razão que justifique o seu poder”, acrescenta padre Cervellera. “Mao foi o homem da libertação. Deng Xiaoping tinha participado na Grande Marcha. Mas nos últimos vinte anos os dirigentes do Partido perderam todas as referências ideológicas e transformaram-se numa oligarquia capitalista que só pensa em manter o poder para enriquecer”.

Falando das dinâmicas da sala de controlo de Pequim, é difícil incluir o tema do consenso da política junto do povo. O dado mais impressionante é o das revoltas populares que, em 2010, foram cento e oitenta mil. Quatro anos antes, oitenta e sete mil. Nos meses da Primavera árabe, no início de 2011, os meios de comunicação fizeram referência a pressões por parte das autoridades sobre os dissidentes mais conhecidos. E no entanto, apesar do descontentamento, falar de um fenômeno análogo ao árabe parece despropositado. “Estes dados não provêm da Academia de Ciências Sociais de Pequim”, sublinha Francesco: “É o Partido que os divulga. E por quê? Para provar que na China se pode contestar e que Pequim é capaz de gerir a situação. As pessoas protestam, mas depois é com o Governo”. Para Marco, “os chamados ‘incidentes de massas’ nunca se organizaram. Pequim mostrou-se relativamente razoável na gestão dos vários protestos, mas não toleraria uma mobilização coordenada que colocasse em causa o primado do Partido. Os chamados dissidentes e espíritos críticos são uma minoria absoluta, ignorada pela esmagadora maioria da população”.

Ninguém tem bola de cristal. É impossível saber hoje como vai ser a China do futuro. Os primeiros a fazer previsões são os economistas e os politicólogos. Mas, também em Pequim, há quem pense em problemas de outra natureza. “O professor Liu Peng, da Academia das Ciências Sociais de Pequim, afirma que a sociedade chinesa precisa ser revigorada com valores espirituais”, conclui o padre Cervellera: “Liu afirma que a sociedade sofre porque não tem qualquer dimensão espiritual. Muitos intelectuais pensam que as religiões podem contribuir para o desenvolvimento harmonioso da sociedade. Só que o Governo continua a considerar as religiões como inimigas, no mais puro estilo estalinista”.

Neste momento, as relações entre Pequim e a Igreja católica estão tensas como raramente estiveram no passado. Após a Carta aos católicos chineses, que Bento XVI escreveu em 2007, em que explicava que a liberdade da Igreja é um bem irrenunciável, o Partido fez de tudo para criar divisões entre os católicos sobre este ponto. Sobretudo com a ordenação de bispos sem a autorização de Roma. Para os fiéis, sacerdotes e bispos locais é difícil oporem-se às pressões dos funcionários do partido. Mas às vezes acontece. Como no caso do monsenhor Ma Daqin, que no dia da sua nomeação como bispo auxiliar de Xangai, a 7 de julho, se demitiu da Associação patriótica (o órgão de controlo sobre a Igreja). Desde então está sujeito à prisão domiciliar.

Economia, poder, liberdade. Nada na China é passível de ser considerado como um dado adquirido. O país continua a ser para nós um mistério por vezes indecifrável. “É um mundo que constitui um desafio cultural monstruoso”, diz Francesco: “Movimenta-se segundo regras profundas, antigas, muito diferentes das nossas. Da nossa parte, é preciso uma adequada vontade de compreensão”.