A pessoa no centro
Mil e setecentos empresários diante de uma proposta. Que parte de Dante e chega à arma mais poderosa nas mãos de quem enfrenta a crise, hoje: compartilhar. Veja o que aconteceu na última Assembleia da CdO, na Itália“A solução dos problemas que a vida coloca hoje em dia não está no enfrentamento direto dos problemas, mas no aprofundamento da natureza do sujeito que os enfrenta”. A partir de tal juízo (dado por Dom Giussani em 1976) pode-se discursar, ou falar de cultura, inclusive econômica e empresarial. Como aconteceu, por exemplo, na metade de março, em Milão, na última Assembleia Geral da Companhia das Obras (CdO).
O tema era “A riqueza de compartilhar”, e falou-se sobre isso depois de um dia de “troca” de experiências com 1700 participantes, cinco grandes mesas redondas conduzidas por líderes da economia italiana e setenta workshops que debateram sobre problemas empresariais concretos. Tudo diante de um cenário italiano e mundial dramático que a Associação, dirigida por Bernhard Scholz, tem bem presente e que incide inexoravelmente no trabalho e nas perspectivas dos próprios associados: a mudança drástica dos valores, o declínio demográfico, a difusão da revolução tecnológica e da informação, a instabilidade financeira, a dependência dos mercados globais, as inúmeras guerras cruéis e os enormes fluxos de migração em ato... Em uma frase, a percepção de estar no fim da era de um tipo de capitalismo sem saber o que acontecerá depois.
Colunas de Hércules. “O risco é pensar que não somos e não seremos capazes de construir algo de valor a longo prazo e, portanto, escorregar desastrosamente ou na frouxa resignação ou na rebeldia estéril, facilmente instrumentalizáveis pela má política”, afirma Scholz. O que o presidente da CdO indica como caminho é “o despertar de um eu capaz de construir, a partir da consciência de que todo gesto humano autêntico promove o crescimento da pessoa, e isso oferece uma contribuição decisiva para o crescimento da economia e da sociedade”.
A figura emblemática que a Assembleia colocou diante de todos é o Ulisses de Dante, personagem do livro A Divina Comédia (Ed. 34, São Paulo, 2010), aquele que não volta para casa diante do desconhecido, mas atravessa as colunas de Hércules; a palavra chave é “ardor”, um fogo inextinguível e apropriado que o impele a essa empreitada. Um jovem professor do ensino médio, Simone Invernizzi, fez uma bela leitura do Canto XXVI do Inferno e convidou os empresários a olharem para Ulisses para não repetirem o erro que lhe foi fatal: a pretensão de fazer tudo apenas com as próprias forças.
Existem vários exemplos de empresários que tendem a atravessar as Colunas de Hércules. A Assembleia mostrou quatro deles, emblemáticos. O primeiro, da região da Puglia, falou sobre uma empresa criada no sul da Itália, onde “ser empresário é realmente uma... empreitada”. Sergio Fontana, diretor executivo da Farmalabor, falou sem meios termos. Fontana é de Canosa, Puglia, e é farmacêutico, filho de farmacêuticos... com um ardor que fez com que, em 2011, deixasse o pronto e garantido caminho dos negócios da família para se aventurar na criação de uma microempresa farmacêutica que hoje é uma indústria de porte médio, líder na Itália e – falta pouco – na Europa, no seu setor. Como isso foi possível? “Apostei tudo nas pessoas. Dando-lhes confiança e responsabilidade. Admitindo como funcionários não os que dizem sim, senhor, mas pessoas melhores do que eu na função que exercem, e firmes”, explica Fontana.
Mentalidade. Emannuele Frontoni é professor na Universidade Politécnica de Marche. Um grupo de 25 alunos seus aceitou o desafio de fazer pesquisa, “não sozinhos”, mas compartilhando e “ouvindo as necessidades das empresas locais”. Assim, as ideias nasceram da observação da realidade: da necessidade de detectar prontamente a ausência de determinado produto nas prateleiras dos distribuidores, inventaram sensores especiais, que foram patenteados e encaminhados para produção industrial. Essa adesão à realidade, junto com o espírito de partilha, está demonstrando que é possível fazer pesquisa de alto nível também em conexão com o mundo das pequenas empresas: o programa Eureka realiza doutorados com a tripla participação de Estado, Universidade e Indústria.
Da Região de Veneto, Luca Comini criou uma cadeia de profissionais prestadores de serviço do setor da Construção que, por natureza e tradição, são muito individuais: pedreiros, encanadores, carpinteiros, serralheiros... “O meu desejo era o de alinhar o trabalho dessas pessoas para criar um modo de trabalhar mais avançado e eficaz. Com o objetivo de elevar o nível técnico-informático, a capacidade de coordenação, a informatização e a cooperação. Em suma, educar à partilha: porque assim se cresce, não pela necessidade de ganhar mais dinheiro”, diz Luca. De fato, aqueles que compreenderam – trinta artesãos – envolveram-se e passaram por 300 horas de formação, dando vida a uma realidade estável que se chama Crea, Artesãos do Eco-Living.
O quarto exemplo, vem de Milão. O protagonista é Stefano Sala, empresário que se dedicou a uma ação dirigida aos jovens para ajudá-los a lidar com o trabalho, e que é uma pequena revolução no campo da formação. Chama-se CdO Academy. “Trabalhar bem não é óbvio”, explica Stefano: “A formação baseada no incentivo à performance não satisfaz porque leva ou a alienar-se na função para quem consegue alcançar um pouco de poder, ou a se desmotivar esperando apenas o fim de semana e as férias”.
E então? “Então, experimentamos oferecer uma formação, ou melhor, um acompanhamento baseado no método do encontro: não professores que passam conceitos a alunos-objeto, mas adultos que escutam as perguntas dos jovens, deixam-se questionar, interrogam e reveem a própria experiência para compartilhá-la”.
Recomeço. Que o recomeço nasce do sujeito e não das técnicas, foi atestado também pelo levantamento feito pela Fundação pela Subsidiariedade através de uma pesquisa estatística, Subsidiariedade e Política Industrial, realizada com uma amostra de 3.314 empresas dos setores de vestuário, agronegócio, móveis, automação e máquinas e ferramentas. A pesquisa levou em consideração a variação no faturamento e no número de empregados acontecida no período pré-crise (2006-2008) e pós-crise (2011-2014). Giorgio Vittadini, presidente da Fundação, explicou que os dados mostram uma grande heterogeneidade entre os resultados. Algo que não é explicado por variáveis estruturais – tais como setor de atuação, tamanho, localização – exceto em pequena parte (tais elementos representam apenas 4% da variação do faturamento e 12% da variação do número de funcionários). A pesquisa tentou detectar a incidência de fatores característicos do sujeito que empreende: os traços de sua personalidade (o character, como o chama o Prêmio Nobel de Economia, James Heckman), a tendência a cooperar, a abertura à experiência, a extroversão, a responsabilidade.
O resultado mostra que a tendência a cooperar é o fator mais importante. Aparece como “significativo” para o crescimento do faturamento e para a inovação do produto, e “muito significativo” para “margens de venda, inovação dos processos, presença em mercados exteriores”. Em relação ao crescimento do faturamento, é “muito significativa” também a responsabilidade, assim como o desejo de autorrealização.
Em contrapartida, a busca por segurança financeira e o desejo de reconhecimento, que são formas de fechar-se em si, de enfraquecimento do sujeito, não produzem efeitos consideráveis.
É curioso, e até muito instrutivo, observar que atitudes e motivações à la Page, como o “papel” e a “extroversão”, frequentemente incentivadas pelas grandes e caras agências internacionais que orientam as grandes e caras reestruturações, têm uma incidência negativa. Em suma, nota Vittadini, “ao colocar a pessoa no centro, Heckman estava certo”. E Dom Giussani também...
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