Cervínia. Quando o caminho se chama realidade
Quinhentos responsáveis da Lombardia à sombra do Monte Cervino para as “primeiras” férias das comunidades de CL. Os passeios, os cantos, as assembleias... Como tema, a vida de cada um, e a “familiaridade com Cristo” que faz a vida resplandecerSó é preciso “dar-se conta”. Enquanto se sobe, não se pode vê-lo. O Monte Cervino está lá. E é impossível não reconhecer a beleza, coroada por um maravilhoso dia de sol, enquanto em fila se sobe em direção ao lago Goillet, sob as montanhas Testa Grigia e o Plateau Rosà. Mas ainda não basta. Não basta olhá-lo e dizer «Lindo!». Depois alguém assume a tarefa de “explicá-lo”; explicar que está lá há milhões de anos; que a parte de baixo, mais escura, vem da placa africana, enquanto a de cima explodiu para o alto no choque entre os continentes; e que, enquanto estamos escutando, estamos sobre o fundo de um antigo oceano, a 2500 metros de altura; mas não poderíamos fazê-lo se não houvesse o campo magnético da Terra, que protege das radiações solares... Enfim: o Cervino está lá para cada um dos 500 responsáveis da Lombardia, que passeiam no fim de junho durante as férias que, historicamente, são as primeiras da série de férias da comunidades de CL de toda a Itália, que ocorrerão durante todo o verão europeu, que se inicia agora.
«Estamos aqui para nos ajudar a fixar o olhar nos fatos», diz Davide Prosperi, vice-presidente da Fraternidade de CL, introduzindo a primeira noite, a partir dos últimos Exercícios: «“Eis que faço uma coisa nova: não a percebeis?” . O título contém a ideia do Acontecimento. O Senhor faz acontecer fatos na nossa vida. Mas eu tenho de percebê-los, deve nascer uma unidade entre mim e o que acontece».
«Ultimamente tem aparecido em muitos diálogos o desejo crescente de viver aquela familiaridade com Cristo da qual falamos em Rímini», disse padre Carrón no salão do Cristal de Cervínia. «Sempre me impressionam as palavras de Dom Giussani sobre isto: “Eu não considero, com efeito, que seja uma característica estatisticamente normal que o crescer nos tenha familiarizado com Cristo”». Não é uma bronca: «É, isso sim, uma ajuda para nos perguntarmos se o tempo que passou O tornou mais familiar a nós, ou seja, que o que conta de verdade para viver tenha um aumento», continuou. É crucial: «Ou cresce no real ou não cresce». E diz respeito à tarefa de cada um, a responsabilidade perante o mundo: «O que propomos só será para os outros se for para nós, só se for vivido como algo que aumenta essa familiaridade em nós». O percurso para as férias fica traçado. Olhar para os fatos, voltar para o que aconteceu e acontece. Um passo após o outro.
E isso foi visto nos passeios, nos dois dias que se seguiram. Um passo por vez, nunca sozinhos. Seguindo alguém que te ajuda a olhar o que está ao redor: a beleza da paisagem, as flores, o céu azul. O cantar juntos entre os picos ainda com neve, entre um lanche e um bate-papo com velhos e novos amigos. E perceber aquela «vibração do coração» que é o primeiro sinal da satisfação do próprio desejo, como Prosperi tinha dito na noite anterior.
Assim, na assembleia da tarde de sexta-feira, só precisam de poucos segundos depois dos cantos iniciais para encherem a fila de quem quer falar. Giovanni, por exemplo, e os seus amigos de Seregno, fizeram várias colocações. Pessoas para quem, num clima difícil por causa de algumas questões judiciais ligadas à antiga administração, o trabalho sobre a política na eleição de um novo prefeito se tornou a ocasião para encontrarem muitíssimas pessoas: «Podíamos ser uma presença insignificante, mas nos perguntamos quem éramos e qual era a contribuição que poderíamos dar». Uma novidade surpreendente já desde os primeiros momentos, quando ficou trabalhando com cada vez mais pessoas para montar um panfleto. «Não há outro caminho, senão dependeremos dos resultados», disse Carrón.
É uma medida diferente da nossa, continuou respondendo a Alessandra e ao seu «ir a um por hora, sendo que o desejo queria ir a mil». A velocidade pode ser mil mesmo se te parecer um, respondeu Carrón. «A diferença está no amor, e na dor que você vive quando percebe que não deu nem um passo num dia.» E talvez isto venha à tona à noite: «É Ele que age e te diz: “Não sente a minha falta?”», disse ainda a Davide, de Milão, que, diante do compromisso com a realidade cotidiana, não consegue dizer que «sim, hoje Cristo de tornou mais familiar». «O ideal é a totalidade, mas existe o caminho, feito de passos. Nós contrapomos o caminho e a totalidade. Só que a pessoa precisa começar a identificar o dom que Deus dá quando o dá, ao longo do caminho. E pedi-lo mais para o dia seguinte, e para o outro ainda», explicou o presidente de CL.
Não depende da vontade ou do esforço. Basta escutar Maddalena, de Chiavenna, professora envolvida com um grupo de reforço escolar para jovens deficientes da paróquia, muito diferente do que ela tinha em mente, levada pelas filhas, primeiro, e depois pelo que acontecia, mas sem nunca estar convencida. Até o fim, no jantar com as famílias daqueles jovens: «Eu estava comovida por como estavam felizes. Jesus tinha levado tudo isso em frente, apesar das minhas tentativas de sabotagem». E agora acontecia na frente dos seus olhos, para ela. Carrón comentou: «Vejam, temos de dar tempo ao tempo para que Ele se torne nosso. Para que se torne familiar. Não adianta uma preocupação moralista. O Mistério não para enquanto não derreter o seu coração...».
Depois de Maddalena, é a vez de Ugo, Sara, Fabio, Tiziana, Alessandro... Duas horas densas de diálogo e de relatos que poderiam se arrastar até o jantar, se na programação para a noite não houvesse uma “cantoria” juntos com Walter Muto, Carlo Pastori e a banda deles com o show Deixem-me cantar, uma viagem pela música popular, principalmente italiana, dos últimos sessenta anos.
Retoma-se no sábado à tarde, depois de outro passeio à sombra do Cervino. Enrico e os amigos de Cinisello Balsamo começaram logo contando da apresentação do Meeting que levaram para as ruas nos últimos tempos. Mas, mais surpreendente do que o resultado da iniciativa, com milhares de participantes, foi o envolvimento de pessoas que até há poucos anos eram “os inimigos”. Tola ideologia: os que antes faziam a Festa da Unidade [festivais organizados por partidos de esquerda e centro-esquerda na Itália, ndt.], hoje colaborando com este gesto. E as relações que nasceram com várias associações da cidade, devolveram a vida a um centro cultural, como explicaria Alessandra pouco depois: «O que vivemos no encontro com os outros é uma superabundância. Para nós». «Estão vendo? Um fato. Que começa a originar um tecido social que antes não existia. De onde nasce? Como testemunha a familiaridade com Cristo?». Não é uma tradução cultural da fé, mas uma vida que o outro percebe como um bem para si. Por isso, Daniela, de Seveso pode contribuir sem medo e dizer que, pensando no título dos Exercícios, se a realidade for vivida assim, «a maior novidade sou eu».
«Mas será que nós olhamos para a realidade como sendo a iniciativa do Mistério, que mostra toda a sua ternura por mim?», perguntou Carrón. «Este é o teste, não o desempenho». Não que não se tenha de chegar a um juízo, mas a Pedro, que tinha acabado de traí-lo, Jesus só perguntou: «Tu me amas?». «É um aspecto decisivo», propôs Prosperi, falando ainda de Pedro: «“Tu és o Cristo” foi a sua resposta a Jesus, que tinha perguntado aos discípulos quem achavam que Ele era. Mas só podia dizer isso por causa de uma familiaridade que tinha vivido. Por causa da experiência que tinha feito».
«Exato!», interveio Carrón. «A familiaridade com Cristo cresce na experiência. Eu me apaixonei pelo Movimento porque introduzia à consciência não com teorias, mas dentro da experiência que eu vivia.» Palavras que ganham carne no relato de Eugenio, no seu jantar com dois companheiros de armas e a comunidade onde quarenta anos antes tinha sido militar. E no relato de Fabio, docente, e de sua doutoranda iraniana que, «ajudada só por profissionalismo e senso de dever», um dia o agradeceu, deixando-o boquiaberto, porque pela primeira vez se sentiu acolhida. E ainda na fala de Nicola, em seu encontro com um casal durante um processo de divórcio, quando redescobriu para si o que é a indissolubilidade do matrimônio, a ponto de se envolver com eles: «Eles se divorciaram, mas o marido me disse: “Não termina aqui, talvez nos casemos de novo, e você será o nosso padrinho”».
«Que contragolpe poderíamos receber toda manhã se estivéssemos atentos àquilo com que o Mistério nos surpreende.» Assim teve início a síntese da manhã de domingo com Carrón, no dia seguinte a uma noite guiada por Giuseppe Frangi sobre a arte contemporânea, ou melhor, «sobre os artistas de hoje e a sua forma de olhar a realidade. Desta forma, as palavras de Carrón ressoam tendo ainda nos olhos as imagens do rosto do artista Christo perante a sua passarela no lago de Iseo; e as imagens de homens e mulheres turcos imortalizados por Sophie Calle ao verem o mar pela primeira vez; e imagens do estúdio de Lucio Fontana em destroços depois da guerra... Carrón fala de um “abraço da Graça” : «A familiaridade com Cristo pode recomeçar a cada manhã. E crescendo nos faz ser cada vez nós mesmos». Tudo está entrelaçado, tudo é dado para «nos darmos conta cada vez mais dessa Presença. Fazemos experiência do que acontece quando nos damos conta disso. E dar-se conta é o que faz a pessoa crescer. Não basta as coisas acontecerem, não bastam os fatos». Esta é a forma com que o Mistério faz vir à tona cada vez mais o nosso rosto, aquilo que somos. Carrón continua: «A realidade se torna o lugar do diálogo com Ele e do seu conhecimento». Por causa daquela familiaridade, justamente, a única condição do testemunho: «Só assim é possível transmitir: só se resplandecer na beleza de uma vida».
#FériasCL