Papa Francisco

Meeting 2018: A mensagem do Papa Francisco

«O cristão não pode renunciar a sonhar que o mundo mude para melhor. É razoável sonhá-lo, porque na raiz desta certeza está a convicção profunda de que Cristo é o início do mundo novo». As palavras do Santo Padre para a XXXIX edição

A Sua Exelência Rev.ma Mons.
Francesco Lambiasi, Bispo de Rímini


Excelência Reverendíssima,
também este ano, o Santo Padre Francisco deseja fazer chegar, através do senhor, uma saudação cordial aos organizadores, aos voluntários e aos participantes do XXXIX Meeting para a Amizade entre os Povos, saudação à qual junto o meu desejo pessoal pelo bom sucesso do evento.

O título do Meeting – "As forças que movem a história são as mesmas que tornam o homem feliz" – retoma uma expressão de Dom Giussani e faz referência àquela reviravolta crucial que teve lugar por volta do 68, cujos efeitos ainda não se esgotaram cinquenta anos passados, tanto que o Papa Francisco afirma que «hoje não vivemos uma época de mudança, mas uma mudança de época» (Discurso no V Congresso Nacional da Igreja Italiana, Florença, 10 de novembro de 2015).

A ruptura com o passado torna-se o imperativo categórico de uma geração que colocava a sua esperança numa revolução das estruturas capaz de assegurar uma maior autenticidade de vida. Muitos crentes acreditaram no fascínio de tal perspectiva e fizeram da fé um moralismo que, dando por adquirida a Graça, se entregava aos esforços de realização prática de um mundo melhor.

Por isso, é significativo que, nesse contexto, a um jovem todo empenhado na procura das “forças que dominam a história”, Dom Giussani tenha dito: «As forças que movem a história são as mesmas que tornam o homem feliz» (Luigi Giussani: A sua vida, Tenacitas, 2014, p. 426). Com estas palavras, desafiava-o a verificar quais são as forças que mudam a história, elevando o nível com que se devia medir a sua tentativa revolucionária.

O que aconteceu a tal tentativa? O que é que ficou daquele desejo de mudar tudo? Este não é lugar para um balanço histórico, mas podemos identificar alguns sintomas que surgem da situação atual do Ocidente. Voltamos a erigir muros, em vez de construir pontes. Temos tendência a nos fechar, e não a nos abrir ao outro que é diferente de nós. Cresce a indiferença, mais do que o desejo de tomar a iniciativa para uma mudança. Prevalece um sentimento de medo sobre a confiança no futuro. E perguntamo-nos se, neste meio século, o mundo se tornou mais habitável.
Esta interrogação diz-nos respeito também a nós, cristãos, que passamos pela estação do 68 e que agora somos chamados a refletir, juntamente com tantos outros protagonistas, e a nos perguntar: o que é que aprendemos? O que é que podemos conservar?

Esta interrogação diz-nos respeito também a nós, cristãos, que passamos pela estação do 68 e que agora somos chamados a refletir, juntamente com tantos outros protagonistas, e a nos perguntar: o que é que aprendemos? O que é que podemos conservar?

Desde sempre, a tentação do homem é a de pensar que a sua inteligência e as suas capacidades são os princípios que governam o mundo; uma pretensão que se realiza de duas maneiras: «Uma delas é o fascínio do gnosticismo (…), [em que], em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. A outra maneira é o neopelagianismo (…) de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças (Exort. ap. Evangelii gaudium, 94).

Mas, então, o cristão que quiser evitar estas duas tentações deve necessariamente renunciar ao desejo de mudança? Não, não se trata de se retirar do mundo para não correr o risco de errar e para conservar para a fé uma espécie de pureza incontaminada, porque «uma fé autêntica [...] comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo» (Ibidem, 183), de mover a história, como diz o título do Meeting.

Muitos se perguntarão: é possível? O cristão não pode renunciar a sonhar que o mundo mude para melhor. É razoável sonhá-lo, porque na raiz desta certeza está a convicção profunda de que Cristo é o início do mundo novo, que o Papa Francisco sintetiza com estas palavras: «A sua ressurreição não é algo do passado; contém uma força de vida que penetrou o mundo. Onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição. É uma força sem igual. [...] No meio da obscuridade, sempre começa a desabrochar algo de novo (Ibidem, 276).

Vimos em ação esta “força de vida” em muitas situações ao longo da história. Como não recordar aquela outra mudança de época que marcou o mundo? O Santo Padre falou dela ao episcopado europeu no ano passado: «No ocaso da civilização antiga, quando as glórias de Roma se tornaram aquelas ruínas que ainda hoje podemos admirar na cidade; quando novos povos pressionavam nas fronteiras do antigo Império, um jovem fez ecoar a voz do Salmista: «Quem é o homem que pretende a vida e deseja ver dias felizes?». Ao propor esta questão no Prólogo da Regra, São Bento [...] não repara na condição social, nem na riqueza, nem no poder que se tem. Ele apela à natureza comum de cada ser humano, que, seja qual for a sua condição, manifesta anseio pela vida e deseja dias felizes» (Discurso sobre a Europa, 28 de outubro de 2017).

Quem salvará hoje este desejo que habita, ainda que de forma confusa, no coração do homem? Só algo que esteja à altura do seu anseio infinito. Se, de fato, o desejo não encontrar um objeto adequado, fica bloqueado e nenhuma promessa, nenhuma iniciativa poderão movê-lo. Deste ponto de vista, «é perfeitamente concebível que a idade moderna, que começou com uma tão excepcional e promissora exuberância de atividades humanas, acabe na mais mortal e na mais estéril passividade que a história jamais conheceu» (H. Arendt, Vita activa. La condizione umana, Milão: Bompiani, 1994, 239-240).
Nenhum esforço, nenhuma revolução pode satisfazer o coração do homem. Só Deus, que nos fez com um desejo infinito, pode realizá-lo com a sua presença infinita; por isso se fez homem: para que os homens possam encontrar Aquele que salva e cumpre o desejo de dias felizes, como recorda uma passagem do Documento de Aparecida (29 de junho de 2007), fruto da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. O Santo Padre, agradecendo a exposição dedicada ao grande santuário mariano de Aparecida, oferece essa passagem como contribuição para o aprofundamento do tema do Meeting: «O acontecimento de Cristo é [...] o início deste sujeito novo que nasce na história [...]: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1). [...] A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus e segui-lo. Esta foi a bonita experiência daqueles primeiros discípulos que, encontrando Jesus, ficaram fascinados e cheios de espanto diante da figura extraordinária de quem lhes falava, diante da forma como os tratava, dando respostas à fome e sede de vida do coração deles. O evangelista João contou-nos, com uma força icástica, o impacto que a pessoa de Jesus produziu nos primeiros dois discípulos, João e André, que O encontraram. Tudo começa com a pergunta: “O que procurais?” (Jo 1,38). À qual se segue o convite para viver uma experiência: “Vinde e vereis” (Jo1,39). Esta narração permanece na história como síntese única do método cristão» (Doc. de Aparecida, 243-244).

Nenhum esforço, nenhuma revolução pode satisfazer o coração do homem. Só Deus, que nos fez com um desejo infinito, pode realizá-lo com a sua presença infinita; por isso se fez homem

O Santo Padre deseja que o Meeting deste ano seja, para todos aqueles que nele participarem, ocasião para aprofundar e para acolher o convite do Senhor Jesus: «Vinde e vereis». É esta a força que, enquanto liberta o homem da escravidão dos “falsos infinitos”, que prometem a felicidade sem poder assegurá-la, o torna protagonista novo no palco do mundo, chamado a fazer da história o lugar de encontro dos filhos de Deus com o seu Pai e dos irmãos entre si.

Ao mesmo tempo em que assegura a sua oração para que estejais à altura deste desafio entusiasmante, o Papa Francisco pede que rezeis por ele e pelo Encontro Mundial das Famílias, que terá lugar em Dublin nos dias 25 e 26 de agosto corrente.
Ao juntar os meus votos pessoais, acompanhados da oração, sirvo-me desta circunstância para apresentar os meus mais respeitosos obséquios.

Card. Pietro Parolin, Secretário de Estado
Do Vaticano, 9 de agosto de 2018