Praça em Chacao, na Venezuela (Foto: Kinari/Wikimedia Commons)

Amizade com o povo venezuelano

O panfleto das comunidades de Comunhão e Libertação da América do Sul diante da crise social, econômica e política que há tempos aflige a Venezuela

A radiografia de um país está na vida cotidiana de seus habitantes. É paradoxal que a Venezuela, com a maior reserva de petróleo do planeta, não consiga resolver os problemas básicos de seus cidadãos, que há anos vivem com serviços públicos precários, tais como água, eletricidade, gás e transporte público, associados à falta de alimentos, remédios e outros produtos de primeira necessidade. O estado de escassez generalizada, juntamente com a situação política, criou um êxodo que afeta mais de três milhões de pessoas. Atravessando as fronteiras com a Colômbia e o Brasil, todo dia abandonam o país milhares de pessoas que viajam em situações de precariedade extrema; traduzindo-se na crise migratória regional mais importante do século.

Essa crise social e política perdurou por anos, mas adquiriu dimensões internacionais quando, em 2017, a maior parte dos países ocidentais não reconheceu a Assembleia Nacional Constituinte, formada apenas pelo partido do governo, bem como as eleições presidenciais antecipadas convocadas pela mesma, na qual Maduro venceu em maio de 2018. Consequentemente, após Maduro prestar juramento para o novo mandato no dia 10 de janeiro, não houve o reconhecimento por parte da Assembleia Nacional eleita em 2015 pela maioria do povo venezuelano. Com base no artigo 233 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, Juan Guaidó proclamou-se presidente interino com o apoio dos Estados Unidos, do Grupo de Lima e, posteriormente, da União Europeia.

Maduro, por sua vez, continuou lutando para manter o poder com as forças armadas a seu favor e graças ao apoio de China, Rússia, Turquia, Cuba, Nicarágua e Bolívia; ao mesmo tempo em que recusou todas as tentativas de ajuda humanitária e exige que a comunidade internacional não interfira nos assuntos internos de seu país.

Diante de tudo isso, alguns países – que se declaram neutros –, encabeçados por México e Uruguai, reuniram-se em Montevidéu junto com chanceleres da União Europeia para oferecer propostas de diálogo diante deste conflito.

A Santa Sé foi chamada novamente a tomar partido ou a ser mediadora do diálogo, e respondeu lembrando que para isso ser viável é necessário o consentimento de ambas as partes; o Papa Francisco também manifestou reiteradamente a comunhão com os bispos venezuelanos; em particular, destaca-se o que expressou na visita ad Limina Apostolorum em setembro de 2017, quando afirmou: “A voz dos bispos venezuelanos também ecoa a minha voz”. Da mesma forma, manifestou repetidamente sua dor pelo sofrimento ao qual o povo venezuelano foi submetido, desejando que reine a concórdia.

O cardeal de Caracas, Baltazar Porras, disse numa entrevista ao jornal El País, no último 14 de fevereiro, que “a situação é irreversível. Irreversível não significa que ganhe um ou outro lado. Se este regime se consolidar, certamente será para maior repressão e maior pobreza. Existe essa janela aberta de uma realidade que pode ser diferente”. Por outro lado, a Conferência Episcopal Venezuelana solicitou ao governo e às Forças Armadas, no dia 21 de fevereiro de 2019, que “ouçam o clamor do povo, e deixem entrar e distribuir em paz a ajuda humanitária!”.

Neste complicado tabuleiro de xadrez, no qual quase toda a comunidade internacional tomou partido, surge a questão sobre como oferecer proximidade e amizade ao povo venezuelano. A solução do conflito não passa nem por messianismos nem pela violência; uma transição pacífica precisa de sementes de reconciliação que unam a todos os venezuelanos como povo num caminho de unidade nacional.

Partir sempre do encontro com a pessoa, com sua história particular, seus desejos e sofrimentos, alegrias e esperanças, permite compreender o que é que muda a pessoa e uma sociedade inteira. Igualmente, também é necessário e urgente refletir sobre como nos interpela o sofrimento de quem fica na Venezuela e de tantos outros que têm de partir com dor, deixando sua família para trás em condições de miséria.

1. Perante uma realidade tão sofrida, complexa e cheia de incertezas, é fundamental saber quais são as certezas em que se apoia a nossa vida, e como a partir destas circunstâncias descobrimos qual tarefa concreta o Senhor nos está pedindo. A esperança dos que moram na Venezuela ou são imigrantes passa por um encontro com rostos concretos que lhes ofereçam uma amizade, que remeta a algo maior do que eles mesmos e que sirva para descobrir o que é que precisamos de verdade para viver.

2. É indispensável aumentar a rede de amizades operativas e criativas para dar respostas a necessidades pontuais que busquem o bem comum, diante das soluções que propõem só a denúncia ou o confronto ideológico.

3. Fazemos um chamado a ser protagonista da mudança na Venezuela através de gestos simples, mas de um grande valor, que partam do encontro com pessoas concretas:

> Adote uma família, ajude a manter o trabalho de uma pessoa na Venezuela. Por um lado, é fundamental a ajuda imediata para que muitos venezuelanos possam ter acesso ao mínimo para viverem, e por isso a Igreja organizou numerosas “cozinhas comunitárias”. Por outro lado, é evidente a necessidade de dar mais um passo, favorecendo o crescimento da pessoa, colaborando e apostando na criatividade, na capacidade de empreendimento e no desejo de trabalhar de cada um dos venezuelanos. Já experimentamos que pessoas implicadas em projetos de auxílio ao trabalho recomeçaram a viver, porque a vida exige um objetivo e uma responsabilidade. Nesse sentido, estamos impulsionando iniciativas com a finalidade de sustentar o trabalho de amigos na Venezuela. Para isso, você pode escrever ao endereço eletrônico: amistadconvenezuela@gmail.com.

> Convide uma família de imigrantes venezuelanos para comer na sua casa. São muitos os venezuelanos que imigraram e que estão longe de sua terra por situações adversas. Propomos que você acolha uma família venezuelana na sua casa, para lhe oferecer um almoço e compartilhar com ela o abraço e o acolhimento de Cristo.

A esperança para os venezuelanos é possível se nos deixarmos transpassar pelo olhar de Cristo para sairmos ao encontro do outro, abraçando-o mesmo nas diferenças, a fim de nos convertermos em companheiros de seu sofrimento na oração e nas obras, olhando juntos para o horizonte amplo que temos à frente e para o longo caminho de reconstrução de uma sociedade ferida.

Tudo isto será possível se nos reencontrarmos, apostando a favor de cada pessoa, de sua dignidade e do bem comum.

Comunhão e Libertação América Latina

Baixe o PDF: