Barcelona. Esse mar que é o coração do homem
Três dias na capital catalã com testemunhos, encontros e diálogos. No PuntBCN falou-se de economia, Europa, música. Mas também de acolhida, educação... um cruzamento de humanidades que comoveu a todos. Inclusive um jovem vigia...«Vocês falaram de mim e preciso voltar a vê-los». Algo mudou no jovem segurança que tem que vigiar o lugar até a finalização do gesto. Algo o leva a pedir o contato da companhia de teatro que organizou o espetáculo noturno que encerra o dia no PuntBCN. No dia seguinte, Marcos Madrid – assim se chama o jovem vigia – descobre que os atores do espetáculo são um grupo de amigos que voluntariamente puseram mãos à obra para expressar o conteúdo da quarta edição do PuntBCN, cujo lema é “O coração do homem é um mar, todo o universo não o preencheria”. Sem saber, Marcos descobriu que existe um lugar onde o diálogo é possível e a construção comum é real. No dia seguinte, enquanto realiza a sua função de controle de segurança, ele jogará futebol com as crianças, conversará com os participantes do evento na hora das refeições e cantará com os amigos que festejam o aniversário de uma das voluntárias que neste ano colaboraram na realização do PuntBCN, no centro de Barcelona, de 3 a 5 de maio.
As mesas-redondas, os testemunhos e as conferências realizadas ao longo desse fim de semana evidenciaram a necessidade de um diálogo aberto que abarque toda a realidade, todas as dimensões da atividade humana. «Sozinhos não construímos quase nada –reconheceu o experiente consultor Miguel Gallo ao abordar os desafios que enfrentam as pequenas e médias empresas –, deve-se criar ecossistemas para oferecer respostas às necessidades ao nosso redor. Estamos com fome de conversas, de um serviço no qual cada um seja chamado pelo nome». Do mesmo modo, os empresários Lluís Ventura e Fernando Abril Martorell destacaram a importância de compartilhar a visão e as condições de trabalho para nos reconhecermos verdadeiros colaboradores de uma obra comum. Ambos ressaltaram o papel fundamental das esposas na hora de conciliar a vida com o trabalho.
Em um grito poético comovente, o cantor de rap ZPU também reconheceu com sinceridade qual foi a mudança que lhe permitiu fazer um caminho verdadeiro depois de passar metade de sua vida no «inferno». «Passei de acreditar que era Deus a entender que a minha vida não é minha; eu sozinho não consigo». As palavras desse famoso rapper recordaram as experiências de Eduardo Drabble com a fundação El Hogar de Cristo, e de Peio Sánchez com o Hospital de Campaña de Barcelona. Ambos, trabalhando com situações de vulnerabilidade, descobriram uma riqueza que somente é possível existir se compartilhamos as nossas próprias fragilidades como vínculo com o outro. O valor da pobreza como geradora de comunhão, com dinâmicas mais criativas, já que parte da necessidade profunda do homem. «A energia espiritual do pobre es o que nos ensina a viver», afirmou o padre Peio.
No encontro que abordou a questão educativa com a ex-conselheira de Educação da Generalitat de Catalunya Irene Rigau e com o jovem professor Michele Fumagalli foi relançado o tema da necessidade de identificar respostas. «Se o coração do homem é um mar, que podemos fazer?». Ao que de algum modo responderam Antonio Garcia Maldonado e Ricardo Calleja, dois consultores especializados em política internacional que acompanharam a sessão de diálogo aberto sobre o medo generalizado, a insegurança existencial e o isolamento como expressões que preocupam a sociedade. Fazendo uma analogia com o recente incêndio da Notre Dame de Paris, Ricardo Calleja identificou a crise como sendo esse fogo que obriga a separar o que é imprescindível salvar. E o que deve ser reconstruído? O próprio Ricardo expressou ao longo do dia o seu fascínio pelo fato de o fórum ser um espaço aberto para todo o público, não apenas a intelectuais, mas também a famílias com crianças, afirmando: «esta é a esperança para a Europa».
Uma beleza inesperada surgiu das intervenções de Jesús Montiel e José Manuel Roás, pelas quais muitos dos presentes expressaram seu alívio ao se darem conta de que abraçar a dor não tira nada, mas todo o contrário. Jesus expressou como havia mudado o seu olhar para o filho descobrindo que não é dono de sua vida, enquanto José Manuel, supreendendo a todos, disse: «Liberta-me a certeza de que Deus fez tudo bem».
Em seguida, os participantes manifestaram o seu desejo de que a experiência do Puntás – apresentada no documentário Faraway Land – e o Puntet – atividades para crianças com Rosa Fité e Rosa Navarro – pudessem continuar acontecendo. Rosa pediu para ficar o dia todo em lugar de receber alguma remuneração. Foi o que aconteceu também com o jovem da segurança com o espetáculo “Quem assinala o caminho à tempestade para que chova no deserto?” .
Todo esse percurso chegou ao seu auge com os relatos das Famílias para a Acolhida. Romina (Rucu) Escalante, da Hogar de Cristo, compartilhou como um acompanhamento sem medidas, mas com um total respeito e amor à liberdade, lhe permitiu sair do vício das drogas para depois descobrir-se mãe acolhedora. Ferrán Riera e Tere Fernández, das Famílias para a Acolhida, viram-se invadidos pela plena certeza de que existe uma companhia com a qual o medo de perder o que se ama desaparece completamente. O que é que permite essa novidade? Dom Antoni Vadell presidiu a celebração da Eucaristia no domingo, alegre anúncio daquilo que todos nós encontramos. A Igreja viva que, como recentemente recordou o papa emérito Bento XVI, é uma Presença na realidade. O que parecia impossível já não o é, e isso fica claro comparando a própria experiência com os amigos. Imediatamente a verdade do coração vem à tona. Essa é a esperança de uma nova cultura.