Para onde os EUA estão olhando
A vitória de Trump, o inédito mosaico de comunidades e minorias – incluindo boa parte dos católicos – que o apoiou e o novo rosto dos Estados UnidosA vitória eleitoral acachapante de Donald Trump mostra um novo rosto da América. O presidente não foi reeleito pelos instintos nativistas dos brancos ansiosos com a perda do status de maioria no país, mas por uma coalizão heterogênea que inclui hispânicos, afro-americanos, eleitores de origem árabe e asiática, trabalhadores de baixa renda, jovens, mulheres, comunidades rurais, urbanas e suburbanas. Kamala Harris aumentou o apoio aos democratas apenas entre as mulheres graduadas acima de 65 anos. Nessa composição emergem os não graduados e os jovens que votaram pela primeira vez, buscando representação e proteção. Há jovens eleitores que o apoiaram porque ele é o líder do partido de Elon Musk e J.D. Vance, não por estarem convencidos com a mensagem do ex-presidente.
Em resumo, Trump foi votado pelas comunidades mais pobres, frágeis, sub-representadas e marginalizadas culturalmente. Também pelos católicos. As primeiras indicações apontam que 56% dos católicos votaram em Trump, enquanto 41% em Harris. O voto católico é tradicionalmente dividido, até porque nos Estados Unidos (ou melhor: em toda a modernidade) os critérios de participação política não são ditados prioritariamente pela experiência de fé, mas pela tradição cultural, e a cada eleição a maioria oscila entre os partidos conforme diferentes fatores. Quatro anos atrás, o católico Joe Biden foi o mais votado, em 2016 foi Trump que obteve a maioria, Barack Obama foi preferido duas vezes pelos fiéis (mas com margens mínimas), enquanto o católico democrata John Kerry foi derrotado por George W. Bush. Talvez os católicos tenham interpretado as palavras do Papa Francisco, que diante de dois candidatos por ele definidos como «contra a vida» – Harris pelo apoio ao aborto, Trump pelas políticas anti-imigração – sugeriu avaliar o mal menor, como um aval para votar num político com um passado de relações turbulentas com a Igreja.
Certamente, as posições do partido republicano sobre aborto, fim da vida e alguns temas ético-sociais fundamentais são mais próximas da visão cristã do mundo, e a escolha de um convertido ao catolicismo como J.D. Vance para a vice-presidência contribuiu para a mobilização. Mas, como já mencionado, o povo que em janeiro levará Trump de volta à Casa Branca é um mosaico, não uma tela monocromática.
O grande cientista político Francis Fukuyama, crítico severo da direita que, no entanto, nunca acreditou que o motor do consenso de Trump fosse apenas o ressentimento racial, afirmou que a razão de sua vitória deve ser buscada no «repúdio a duas formas de liberalismo» que se tornaram dominantes na era contemporânea. A primeira é a «veneração dos mercados», ou seja, a ideia de que tudo pode ser enfrentado armado apenas com o critério da eficiência. A segunda forma é o «liberalismo woke», a política identitária que encheu universidades, instituições culturais, mídias e empresas de conflitos de poder entre identidades (raciais, de gênero, culturais, interseccionais) a serem resolvidos com cursos de reeducação, autocensura, cancelamentos. «Desta vez, ele foi votado essencialmente por negros e hispânicos da classe trabalhadora, com baixo nível de escolaridade», explicou Fukuyama. «Portanto, a ideia da esquerda de que as minorias seriam atraídas pela política das identidades foi decisivamente rejeitada.»
Esta eleição derrubou vários mitos. Um velho ditado diz que «a demografia é destino», e isso parecia aplicar-se inevitavelmente também aos Estados Unidos, uma nação de imigrantes onde a população branca está em declínio contínuo em comparação com outras minorias. Parecia inevitável que esses grupos seguissem rigorosamente a ortodoxia eleitoral, ou seja, votassem no Partido Democrata. No entanto…
Por fim, a reeleição de Trump foi uma espécie de funeral da visão economicista, a ideia de que tudo pode ser explicado por razões econômicas e de que os eleitores votam pensando exclusivamente no bolso. Essas explicações sociológicas não oferecem categorias adequadas para tentar entender o novo rosto dos Estados Unidos que emergiu das eleições.