EncuentroMadrid. Vale a pena dar a vida assim
Uma edição rica em testemunhos, da política à arte. Uma voluntária: «Com o coração transbordando de alegria, agora posso dizer que a trama da minha existência é preciosa»Em meu terceiro ano como voluntária no EncuentroMadrid, percebi que este sim se converteu em duas coisas: a consequência de um trabalho e o ponto de partida para outro. O trabalho prévio ao “sim” é de memória: é um trabalho de reconhecimento. Tenho de ver como no presente acontece algo suficientemente correspondente para dizer “sim” para dedicar meu tempo e meu esforço para construir esse lugar durante o fim de semana. Uma vez que o “sim” é dito, começa outro trabalho: verificar se realmente corresponde dar a vida assim.
Atravessei a entrada do Mirador de Cuatro Vientos consciente de que estaria os três dias com um pedido no coração. Desejava que, neste lugar, o Senhor mais uma vez saísse ao meu encontro. Esperava por isso todo este fim de semana! Assim que cheguei, vesti minha camiseta vermelha e li o lema deste ano escrito em letras brancas: “Estou vivo e creio que a trama da vida é bela”. Como disse Carlos Perlado, atual presidente do EncuentroMadrid, no discurso de abertura, «viemos verificar se este lema é certo, sobretudo em um mundo como o de hoje». Assim, tudo o que acontecia se tornava uma grande oportunidade de verificação. O programa com sua variedade de eventos era a prova de que todos os aspectos da vida são interessantes, de que tudo nos suscita interesse porque tudo pode falar de quem somos e para que somos feitos. As exposições também apontavam para isso. Uma intitulada “A trama da vida. A biologia e o espanto de estar vivos” e a outra, “A praça do encontro. Andrés Aziani, Marcos Pou, Carmina Salgado, Quique Bicand e Carlos Álvarez”, evidenciavam que o que mais nos interessa é que a vida aconteça e o que nos acontece na vida.
Como a sexta-feira terminou em alta com um show em homenagem a Bruce Springsteen, pude ver que o EM é acima de tudo um lugar de esperança. O sábado de manhã começou com uma mesa redonda sobre a situação social e política na Espanha. A conversa fluiu entre o apresentador, Juan Carlos Hernández, e os três convidados, Diego Garrocho, Ramón González Férriz e Ricardo Dudda. A conclusão a que chegaram foi que «a identidade pode ser vivida como uma trincheira ou como um abraço». E reconheci a verdade disso ao ver que um dos palestrantes ficou o dia inteiro. Quando o levaram de volta para sua casa, ele perguntou: «mas, e o que é este lugar?» E não parava de dizer: «Que lugar tão acolhedor! Eu me senti bem-vindo, abraçado!». Abraço do qual Fabrice Hadjadj também falou com relação ao lema deste ano: «A vida tem mais sentido quando é abraçada com todos os seus riscos e possibilidades». Quantas vezes ouvimos que as circunstâncias são ocasião privilegiada de relacionamento com o Mistério! E aqui estava alguém que nos lançou de volta ao mundo com essa ideia! «Em meio à catástrofe, surge um lampejo de verdade que alguém pode ver», disse o filósofo. E eu pensei que, se o EncuentroMadrid é algo, é isso. É esse lampejo de verdade que surge no meio de um mundo com guerras, conflitos e crises de todos os tipos.
Verdades que nos dão esperança, como as ilustradas no diálogo sobre o trabalho, ou verdades dolorosas como as apresentadas em uma conversa entre os poetas José Mateos e Alicia Saliva. «A vida é um relacionamento – disseram eles – e esse relacionamento cura e venda a ferida». Feridas como a que a Espanha tem atravessado desde a Guerra Civil, que foi curada e tratada com o curativo da Transição. Esse foi o exemplo que surgiu na conversa entre os políticos Ramón Jauregui, Aurora Nacarino-Brabo e o professor universitário Pablo de Lora. «Precisamos de pessoas que carreguem o país sobre os ombros e sigam em frente», e ao ouvir essas palavras, pensei no meu “sim” ao EM. Por que você “carrega sobre os ombros” a construção de um lugar assim? Porque você ama esse lugar ao qual você pertence.
Na apresentação dedicada a Eduardo Chillida, a voz do artista ecoava dizendo que «o horizonte é a pátria de todos os homens». Uma coisa assim só pode ser afirmada quando se tem a certeza de que todos, realmente todos os homens compartilham o que há de maior, o anseio pela verdade, pelo amor, pelo bem... E vimos um Antonio López que, com uma honestidade surpreendente, lutou com seu desejo de acreditar em Deus e não ser capaz de fazê-lo.
O domingo começou com uma missa presidida pelo cardeal arcebispo de Madri, Dom José Cobo, que nos lembrou que «saímos para o mundo, para espaços como este onde nos encontraremos, e o Senhor nos espera ali». E como tudo o que ali acontecia foi uma provocação para verificar se o lema era verdadeiro ou não, o gesto que se seguiu à missa foi um desafio: “A vida pode ser bela mesmo na doença?”. Begoña Arespacochaga deixou isso muito claro. «Muitas vezes o que eu queria era entrar debaixo das cobertas e desaparecer, mas não podia fazê-lo. Minha própria liberdade nunca me permitiu jogar a toalha. Porque minha liberdade me faz aderir àquilo que me faz respirar e render-me, dar-me por vencida, não me faz respirar». Que maneira de ver sua liberdade!
Outro grito de vida foram os testemunhos com os quais o EncuentroMadrid foi encerrado. Em uma mesa redonda sobre a guerra na Ucrânia, os três palestrantes afirmaram que não somos feitos para o mal. Não somos feitos para a guerra. Não somos feitos para outra coisa que a nossa plenitude. O paradoxo é encontrar essa plenitude nas situações menos confortáveis. Como um casal ucraniano que precisa fugir de sua casa rumo a um país mediterrâneo onde não conhecem ninguém. Como uma italiana que decide permanecer em Moscou, apesar da guerra porque conhece a dignidade do povo russo.
Terminei meu terceiro ano como voluntária no EM com o coração transbordante de alegria. Saí do Mirador de Cuatro Vientos feliz, plena, porque me dei conta de que estava – estou – viva. E porque também percebi que, em razão dessa Presença que veio ao meu encontro através de rostos concretos dessa companhia, posso dizer que a trama da minha vida sim é bela.