Diálogo com Lepori

Lepori: “A beleza fere porque não se pode abraçar sem morrer para si mesmo”

Entre 21 e 23 de abril ocorreu o EncuentroMadrid 2017, cujo tema foi: “Heridos por la belleza”, que levantou uma série de perguntas. E, no evento principal, Mauro Giuseppe Lepori, tentou responder algumas destas questões
María Serrano

O padre Mauro Giuseppe Lepori, filósofo, teólogo e abade geral da Ordem de Cisterciense desde 2010, foi o encarregado de explicar o tema da XIV edição do Encuentro Madrid 2017, “Feridos pela beleza”, e o fez intercalando perguntas ao longo da sua apresentação. Ele começou afirmando que a Beleza coincide com o rosto de Cristo: “João Paulo II nos disse que a evangelização está fracassando não porque não é verdadeira, mas sim porque ela tem sido exercida sem despertar o atrativo de Cristo no coração dos homens”.

Como é a beleza de Cristo?, se pergunta Lepori. E, na sua resposta, entendemos o primeiro ponto desta ferida aberta pela beleza: “É um mistério que nunca poderemos possuir. A fascinação do Seu rosto se encontra exatamente no fato de que transmite algo que, enquanto vivemos, não descobrimos completamente”. Por isso, continuava o abade, diante dela “só podemos estar como o último dos mendigos, como o homem comum que fica horas na fila para contemplar, durante uns instantes, a beleza de um quadro de Rembrandt”.

“A beleza fere porque nos humilha, nos tira a segurança na qual nos agarramos, e nos faz mendigantes de algo que não poderemos possuir”, afirmou Lepori, que utilizou o relato de Gênisis para explicar o significado da beleza. “A cada dia, enquanto Deus criava, ‘vía’ que tudo era bom. Em hebraico, as palavras ‘bondade’ e ‘beleza’ coincidem. E diz o livro de Gênisis que ‘viu’: não pensou teoricamente na beleza do criado, mas sim que se colocou diante dele, diante do homem, e viu o reflexo da Sua beleza nele”

Assim o abade descreve a beleza do homem: como assombro diante da beleza de Deus. “No impacto com a beleza, o homem é chamado a fazer experiência do assombro, porque foi criado como reflexo da Beleza”. Esta beleza não é, segundo o padre, um hobby ou uma questão de gosto estético, ou aperfeiçoamento cultural, pelo contrário, “tem a ver com tudo o que o homem é: o ser humano se sentiu definido por Deus diante de tudo que foi criado, como a criatura na qual toda a bondade e toda a beleza encontram seu reflexo, seu cumprimento”, e por isso a experiência do assombro é ontológica no homem, “assombro diante de uma beleza que foi doada”.

O homem, segundo Lepori, foi feito para acolher a beleza como um dom, como gratuidade. Não poderia existir a beleza sem um homem que se assombrasse diante dela. Mas em que se converte o assombro quando é traído? “A realidade, que antes era só boa e bonita, fazia perder o fôlego e disparar o teu coração, agora te tira a calma e te angustia o coração, que antes se enchia de alegria. Agora a realidade dá medo, é inimiga”, respondeu o monge, resumindo a realidade na qual estamos imersos.

“Não tem nada mais bonito que a experiência da beleza na amizade: viver sendo conscientes de que o outro é um bem para mim e eu também sou para o outro”, continua Lepori, clarificando que, entretanto, temos medo disto. “E se temos medo da realidade das realidades, se duvidamos que Deus é o Amigo do homem, então perdemos a relação com a realidade”. Mas, segundo ele, o pecado não destrói a beleza, mas sim nossa relação com ela.

E então, como o homem supera esta alienação da sua natureza, de um reflexo assombrado pela beleza da realidade? De acordo com o abade, o homem permanece neste medo porque pensa que “o seu pecado define a realidade”. E isto é obra do Diabo, “que desnaturaliza o rosto da beleza para nos conduzir ao medo Daquele quem nos doa a mesma”. Qual é a resposta de Deus, qual é o seu método? A realidade como acontecimento, como fonte inesgotável de beleza, “ e a própria conversão de Deus como peregrino em busca do assombro do homem ferido”. Este Deus que sai ao nosso encontro é, segundo Lepori, o rosto da beleza absoluta, que brilha em meio a feiúra, o logos, a origem e o cumprimento de toda bondade e beleza.

O que é esta beleza que pode brilhar na feiúra? “Esta beleza é o amor, a caridade de Cristo, um amor que transpassa até o final o horror da morte na cruz. Porque quando nós pensamos no amor pensamos no sentimento, em uma energia que sai de nós, mas Deus não: Ele é o Amor, coincide com a Sua pessoa, é a Sua natureza. Deus nos ama até o final porque Cristo vai até o final, até a morte, e com Ele vai tudo o que é: Sua beleza, Sua divindade”, expôs Lepori.

Por que a beleza fere, inclusive quando vai tudo bem? Lepori fez uma alusão à sua experiência pessoal, à ferida enorme que sofreu quando sentiu, aos 17 anos, a chamada da sua vocação. “Aprendi que a beleza fere porque não se pode abraçar sem morrer para si mesmo. Mas em Cristo o rosto do Mistério se ofereceu completamente para o nosso olhar. Já podemos olhá-Lo no rosto, hoje, agora: não temos que morrer. Só morremos para nós mesmos para viver em Deus, para ver o Seu rosto: esta é a ferida mortal da beleza. Uma morte de amor, maravilhada. Esta é a beleza que salvará o mundo”.

Lepori terminou a sua apresentação com um belo relato que tinha como objetivo dar voz à Beleza, que é Deus mesmo: “Tu não queres reconhecer-me, me renegastes, mas estou aqui. Não estou em outra parte. Eu amo você, te desejo. E meu olhar é a fonte de toda beleza, uma beleza que tu desprezas mas que eu estou criando agora. Fico sempre a te olhar, desde o profundo da realidade que desprezas. Meu olhar é a beleza que fere, mas com uma ferida que permite que a beleza brote de novo, sempre, inesgotável. Só esta beleza ferida em ti por mim pode salvar o mundo. Conduzirás a beleza do meu olhar para o mundo que vês?”