Jó põe Deus no banco dos réus. Sobre o sofrimento inocente

Borges definia como “sublime” o livro que o conta. Claudel perguntava-se: “Quem é que alguma vez defendeu a causa do homem com tanta energia?”. Tracce de julho-agosto publicou um artigo da revista espanhola Jot Down. Eis aqui
Ignacio Carbajosa

“Se existe no mundo um livro que merece a palavra sublime, creio que é o Livro de Jó”. Palavras pronunciadas por Jorge Luís Borges numa conferência que teve lugar no Instituto Cultural Argentino-Israelita em 1965.(1) O mesmo adjetivo é usado por Paul Claudel, da Academia Francesa, que na sua monografia sobre o Livro de Jó diz que, entre os livros do Antigo Testamento, “Jó é o mais sublime, o mais comovente, o mais audacioso, e ao mesmo tempo o mais enigmático, o mais desencorajador, aliás, ousaria dizer, o mais revoltante”. Justificando os seus adjetivos, o autor francês acrescenta: “Quem é que alguma vez defendeu a causa do homem com tanta intrépida energia? Quem é que encontrou na profundidade da sua fé o espaço para um grito como este, para tanto clamor, para uma linguagem blasfema como a de Jó?”.(2) A causa do homem de Hus, que é a causa de toda a humanidade, neste livro torna-se um grito desolador dirigido diretamente a Deus: por que o sofrimento do inocente?

Desde que esta obra passou a fazer parte do cânone hebraico, e portanto, do cristão, inspirou uma multidão de autores e tornou-se, talvez, o livro mais “reescrito” do Antigo Testamento, sobretudo desde que Leibniz, na primeira metade do século XVIII, deu origem a um ramo da filosofia chamado Teodiceia, destinado a tratar do problema da bondade de Deus, da liberdade do homem e da origem do mal. Se Deus é único, bom e onipotente, por que é que existe o mal? Será que Deus, que é onipotente, permite o mal? Então devemos duvidar da sua bondade. Será que quer evitar o mal, mas não consegue? Então ficaremos em dúvida sobre a sua onipotência.



Uma das páginas que melhor apresentaram o drama do mal e, sobretudo, do sofrimento do inocente, encontra-se na obra de Fiódor Dostoiévski Os irmãos Karamazov. Num diálogo entre Ivan e o seu irmão Aliosha, o primeiro, incrédulo, quer evitar que o irmão, noviço, siga os passos do starets Zosima. Por isso fala da objeção mais poderosa à existência de Deus: o sofrimento do inocente. O mal que os adultos sofrem seria já uma objeção importante, mas no fim de contas eles “comeram o fruto proibido, conheceram o bem e o mal, [...]. E continuam ainda a comê-lo”.(3) Isto significa que têm a sua responsabilidade na desordem do mundo. Mas a dor das crianças... é injustificável.

A pena de Dostoiévski, que dá voz a Ivan, não nos poupa ao relato de algumas das atrocidades cometidas contra crianças, para que a objeção à justiça divina, ou à sua própria existência, não se torne abstrata. Em páginas duríssimas para o leitor, Ivan descreve a brutalidade com que os turcos abafam as revoltas no seu país. Diante dos olhos das mães, atiram ao ar os recém-nascidos e os perfuram com as baionetas. Fazem rir uma criança nos braços da mãe, apontam-lhe a pistola para que ela a agarre. E nesse momento fazem-lhe saltar a cabeça. Tudo isso só para se divertirem.

Será que quer evitar o mal, mas não consegue? Então ficaremos em dúvida sobre a sua onipotência

A longa série de injustiças termina com o relato que tem como protagonista um general russo, rico proprietário de terras. Um dia, o filho de uma das suas servas, enquanto brincava, atirou uma pedra e feriu na pata um dos seus cães de caça. Descoberto o culpado, no dia seguinte o general organizou uma batida de caça e, diante de todos os servos, ordenou que despissem o rapaz e o obrigassem a correr. Nessa altura, o general lançou no seu encalço uma matilha de cães, para que perseguisse a presa. A criança foi atacada pelos animais diante dos olhos da mãe.

Ivan, no papel de Jó (o livro bíblico que irá surgir explicitamente entre as leituras preferidas do starets Zosima), recusa-se a aceitar as “teorias da retribuição” que estabelecem uma ligação entre o pecado e o castigo. Com as crianças não funcionam. Nem mesmo as mais refinadas, que veem no sofrimento do inocente um contributo para a harmonia eterna, no final dos tempos: “Preciso de uma recompensa (...). E de uma recompensa não no infinito, quem sabe onde e quem sabe quando, mas aqui sobre a terra, e quero vê-la com os meus olhos! (...) Não sofri para fecundar com as minhas culpas e os meus sofrimentos uma harmonia futura em favor de sabe-se lá quem”.(4)



Dostoiévski não poderia ter imaginado que o século XX iria superar abundantemente as atrocidades cometidas contra os inocentes descritas no seu romance. Os campos de concentração nazista ou as purgas estalinistas são suficientes para nos calar. Um soco no estômago da apologética clássica, a ponto de na segunda metade do século passado a pergunta sobre se é possível, e como é possível, fazer teologia depois de Auschwitz se tornou um lugar comum indispensável.
Percebe-se então por que razão Jó se tornou um protagonista na literatura dos séculos XIX e XX, a ponto de se transformar no porta-voz da humanidade que se eleva a Deus para interrogá-lo sobre a injustiça. É assim que o apresenta, explicitamente, Kierkegaard na sua obra A repetição: “E, portanto, fala tu, inesquecível Jó! Repete tudo quanto disseste, patrão formidável que te apresentas no tribunal do Altíssimo com o ardor de um leão rugidor! (...) Preciso de ti, de alguém que saiba protestar com tanta força que o eco chegue aos céus”.(5)
O nosso José Jiménez Lozano, vencedor do Prêmio Cervantes, deu voz a Jó para se lamentar deste mundo injusto, na poesia Acerto de contas:

[...] Simplesmente vivemos, talvez tu saibas
o quanto é pesado suportar os dias?
Talvez te tenhas mostrado,
sem ser num arbusto ardente?
e, em Auschwitz, onde estavas?
Ciumento dos nossos pobres prazeres, observas;
ausente na tristeza,
cruel como as botas de gelo
ou como o implacável sol de agosto.
Não serás tu por acaso a dirigir os mecanismos do mundo?
Mas morrem as andorinhas com a geada,
e as crianças de fome
enquanto os poderosos são ungidos em teu nome,
e tu te calas.
“O senhor está ausente, não recebe
chamadas nem responde” dizem os teus anjos.(6)

A este ponto, é preciso observar que se o homem que põe o Altíssimo contra a parede é o homem “ocidental”, cuja razão não tolera a injustiça, o Deus a quem este homem se dirige é igualmente um Deus “ocidental”, o Deus judaico-cristão, que proclamou a bondade de toda a criação, defende a justiça e ama o ser humano, que criou à sua imagem e semelhança. Pode então compreender-se o paradoxo que C.S. Lewis formulou genialmente no seu texto O problema do sofrimento, quando afirma que “o cristianismo cria, mais do que resolve, o problema da dor, uma vez que a dor não seria em si um problema se, juntamente com a nossa experiência quotidiana de um mundo doloroso, não tivéssemos recebido uma garantia suficiente do fato de que a realidade última é justa e amorosa”.(7) É tão justa, que, nos paralelos mesopotâmicos do Livro de Jó, podemos já ver as aporias que apresenta a teoria da retribuição, que liga o sofrimento ao castigo divino, mas não vemos ainda um confronto direto com o deus de serviço para lhe pedir contas.

No rebelde Jó, vemos representada toda a dignidade da razão humana, que não pode conter-se diante de uma injustiça

E diante do grito do homem que sofre injustamente e que exige do céu um significado, em cada época nasceram “advogados de defesa” de Deus, dispostos a correr em seu socorro. Ontem e hoje. Os três amigos de Jó estavam bem intencionados quando se reuniram para consolar aquele homem abatido. Mas não conseguiram suportar a sua pretensão de colocar Deus sob julgamento, acusando-o de injustiça. E então erguem-se em defesa de Deus, ainda que na realidade não façam mais do que preservar a imagem de Deus que têm na cabeça, e que corresponde a um esquema causa-efeito, no qual não há espaço para fazer perguntas, para um “porquê”, e muito menos para uma resposta de Deus. “Estes indivíduos”, diz Kierkegaard, “por palavras dão razão a Deus, mas preocupando-se muito em manter dentro de si a convicção absoluta de que são eles, na realidade, quem tem razão”.(8)



“Sofres? Alguma coisa de mal terás feito. Se não tu, os teus filhos” (cf. Jo 4,7-8;8,4-6). Na posição dos amigos de Jó, Deus move-se “nos limites da razão”. E dali não pode sair. Não deve sair. Se saísse dali, não seria previsível, estaríamos expostos a tudo, teríamos de lhe fazer perguntas das quais ignoramos a resposta: “Por que a dor? Por que a injustiça?”. Aceitar a inocência de Jó significaria abrir uma brecha perigosa num universo fechado: “É por isso que meus pensamentos me sugerem uma resposta, e estou impaciente por falar. Ouvi queixas injuriosas, foram palavras vãs que responderam a meu espírito”, replica Zofar a Jó (Jo 20,2-3).

A posição de Elifaz, Bildad e Zofar, como qualquer outra posição frágil e preconceituosa, só se pode sustentar censurando a realidade que vem ao seu encontro: Jó proclama a sua inocência. O seu comportamento virtuoso é, além disso, público e notório. Mas não há espaço para os dados que não encaixam no nosso esquema: a realidade que infringe a nossa medida deve ser reinterpretada. E é exatamente assim, tanto que Elifaz, projetando a lógica causa-efeito sobre Jó, descreve-lhe os pecados que teriam provocado a ira divina (cf. Jo 22,6-9). Inventa-os, como quem propõe uma hipótese explicativa do efeito evidente! Borges compreendeu bem o que estava em jogo na batalha entre as duas posições, a de Jó e a dos seus amigos, quando resume assim o objetivo do livro bíblico: “Não podemos aplicar nenhum epíteto humano a Deus; não podemos medi-lo com a nossa medida”.(9)

Portanto, não deve nos surpreender o paralelismo estabelecido por María Zambrano entre os amigos de Jó e o racionalismo que caracterizou o nosso tempo: “Os amigos que o aconselham, impiedosos, seguros de si e de desempenharem o papel certo – do justo que nunca pode ser abatido –, raciocinam. E as suas razões reaparecerão ao longo da história da razão triunfante, a razão de quem anda em linha reta, de quem capitalizou o trabalho e o sofrimento das suas entranhas; surdo a estas, com a surdez de quem transforma em pedra o esplendor que se derrama do sangue e mura os espaços de encontro para que não desça ali o logos. Profetas, ou pelo menos precursores, da razão que se revela, tornando-se tão inextricável”.(10)

Deus aceita o desafio de Jó. Em atitude de guerra, convida-o a cingir os rins. Desce ao nível da criatura, põe-se à sua altura para estabelecer o corpo a corpo. Deus senta-se, não no banco dos réus, mas sim no banco da escola: “Vou interrogar-te e tu me responderás!”

Quem tem razão nesta dialética que se prolonga por 35 capítulos (Jo 3-37)? É óbvio que a nossa sensibilidade moderna tende para Jó, mas o que diz o livro? A afirmação de Deus no último capítulo, quando se dirige a Elifaz – “Estou irritado contra ti e contra teus amigos porque não falastes corretamente de mim, como Jó, o meu servo” (Jo 42,7) – contém um juízo revolucionário no contexto mesopotâmico da obra. Como é possível que Deus se revolte contra aqueles que pretendiam defendê-lo? Num instante, Deus deita por terra a teoria da retribuição, que ligava o sofrimento dos homens aos erros cometidos. Com este juízo, liberta a razão de um freio secular e restitui-lhe todo o seu espaço natural, aquele do por que, aquele da procura de sentido.



Nós, filhos desta reviravolta revolucionária, olhamos com simpatia para Jó, que se ergue à altura de Deus e lhe exige explicações. Na realidade, a personagem bíblica vai mais longe. Pretende convocar Deus diante de um tribunal... para o qual, obviamente, não encontra um juiz (cf. Jo 9,14-35;13,1-23). E, todavia, prepara a sua defesa, apresenta o rol das acusações (cf. Jo 23,1-9;29,1-31,40). É surpreendente que a Bíblia contenha páginas como estas, nas quais a criatura processa o seu criador. Torna-se paradoxal, se lermos as páginas iniciais do livro sagrado nas quais Deus, com a sua palavra, cria o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, descansando depois de uma obra que “era uma coisa muito boa” (Gn 1,31), ou aquelas que se seguem, em que o criador modela o primeiro homem com a lama da terra.

No rebelde Jó, vemos representada toda a dignidade da razão humana, que não pode conter-se diante de uma injustiça, diante de uma explicação insuficiente, diante de um sofrimento que mina a nossa intuição original sobre o fato de que tudo é bom. E toda a defesa de Jó é construída sobre um paradoxo. O ser humano é um quase ninguém no complexo da criação. Se contemplarmos a imensidão do universo, o que é este ser nascido tardiamente num ponto desprezível da massa das galáxias? E, no entanto, este ser é a autoconsciência do universo. Nele, na sua razão, a natureza retoma consciência de si, consciência naquilo que diz respeito ao conhecimento e à necessidade de sentido e de justiça. A ponto de erguer-se e pedir contas disso ao criador.

“E então, Jó errou?”, pergunta-se Kierkegaard: “Certamente errou em tudo, porque não se pode apelar a um tribunal mais alto do que aquele que o julgou. Ou tinha razão? Certamente tomou a razão como um templo, precisamente porque errava diante de Deus”. A diferença fundamental entre Jó e os seus amigos está no fato de que o homem de Hus concebe Deus como alguém que está vivo (o Ser do qual todo o ser é devedor), com quem empreende uma batalha da qual espera uma resposta para uma pergunta dilacerante. Os três amigos de Jó, por seu lado, reduzem Deus a uma fórmula que extingue qualquer pergunta.

Mas se perguntássemos às pessoas como é que Deus responde ao grito de Jó, a reação seria um silêncio embaraçado

É novamente María Zambrano a estabelecer um paralelismo com o nosso mundo ocidental. Para a escritora andaluza, Jó elabora as suas razões lançando-as a Deus num lamento, “essas mesmas razões que o pensamento filosófico enuncia sem o mínimo lamento, porque não tem motivo para isso. O deus da filosofia não é um “quem”, mas um “que coisa” – fato não menos maravilhoso –, mas não é o deus, senhor amigo e adversário, aquele que abandona. Como ser pensante – no modo tradicional no Ocidente – o homem não tem um deus a quem lamentar-se, um deus das suas entranhas. As entranhas foram submetidas desde o início, caladas no decorrer do filosofar”.(11)

O Livro de Jó reserva-nos ainda algumas surpresas. Em primeiro lugar, Deus tem de responder à pergunta sobre a injustiça e o sofrimento, e a sua resposta, de fato, faz-se esperar: só aparece no fim, ocupando os últimos quatro capítulos da obra (Jo 38-41), antes do epílogo. Se o juízo divino sobre as palavras dos amigos de Jó foi surpreendente, não menos surpreendente é a tão esperada intervenção de Deus diante de um público que é todo ouvidos. Poderíamos esperar uma abertura do discurso do tipo: “E Deus fulgurou Jó com um raio da tempestade”. Seria a resposta que muitos atribuiriam a Deus, especialmente aqueles que reduzem a Bíblia a uma simples expressão da literatura religiosa mesopotâmica. Mas então não escreveríamos este artigo, nem a filosofia e a teodiceia no Ocidente teriam sido aquilo que são.



Deus aceita o desafio de Jó. Em atitude de guerra, convida-o a cingir os rins (cf. Jo 38,3). Desce ao nível da criatura, põe-se à sua altura para estabelecer o corpo a corpo. Jó citou-o para que compareça em tribunal. Deus senta-se, não no banco dos réus, mas sim no banco da escola: “Vou interrogar-te e tu me responderás!” (Jo 38,3). Convida Jó, que no fragor da sua defesa se tinha erguido à altura de Deus, a subir à cátedra e a responder às perguntas do Onipotente, transformando-se por alguns minutos em discípulo do “sábio” interrogador.

Com profunda ironia, começa uma série de perguntas que não exigem resposta e que dura bem uns quatro capítulos. Diante de um Jó que aos poucos se faz pequeno, Deus desvenda todas as maravilhas e mistérios da criação, perguntando ao homem de Hus qual é a sua origem, que indubitavelmente deve conhecer, dada a sua vontade de pedir modificações à lógica divina:

Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra?
Fala, se estiveres informado disso!
Quem lhe tomou as medidas? Já que o sabes;
quem sobre ela estendeu o cordel?
Sobre que repousam suas bases?
Quem colocou nela a pedra angular,
sob os alegres concertos dos astros da manhã,
sob as aclamações de todos os filhos de Deus? (Jo 38,4-7)

Encerrado este interrogatório – que se prolonga por todo o capítulo 41 – conclui-se a intervenção divina. O que respondeu Deus à pergunta sobre a injustiça e sobre o sofrimento do inocente? Torna-se curioso o fato de que o Livro de Jó tenha ficado no imaginário popular como o paradigma do sofrimento injusto. Mas se perguntássemos às pessoas como é que Deus responde ao grito de Jó, a reação seria um silêncio embaraçado. Talvez alguns perguntassem: “Mas neste livro Deus responde?”. Não estamos perante um caso de ignorância popular. Os próprios especialistas ficam perplexos diante da “resposta” de Deus. Que sentido tem responder com uma minuciosa descrição das maravilhas da natureza a questões que dizem respeito à liberdade na ordem moral?

Os primeiros minutos do filme, paralelamente ao Livro de Jó, assistem à fatalidade que atinge uma mãe que tinha prometido fidelidade a Deus

Um número considerável de biblistas defende que Deus não responde a Jó, provavelmente porque os capítulos dedicados à intervenção divina não tinham nada a ver, na origem, com a pergunta e com o drama do homem de Hus. No longo e complexo processo de redação desta obra, estes capítulos teriam “aterrado” no seu local atual vindos de outro lugar. “A divindade que aparece nas nuvens não dá nenhuma resposta à alma atormentada e a poesia sobre a natureza, por mais bela e objetiva que possa ser, não pode curar um coração ferido” (P. Volz).(12) “Na realidade, se estes capítulos não se encontrassem onde estão, ninguém pensaria em pô-los aqui” (M. Jastrow).(13) “[Não vejo] nada que os amigos de Jó não tenham dito há muito tempo; [...] três horas de ciências naturais...” (L. Steiger).(14) “Javé responde a questões morais com a Física” (E. Bloch).(15) Chegou-se mesmo a definir como “irrelevante” o discurso divino: “Parece ser algo de verdadeiramente irrelevante: é como agitar um chocalho diante de uma criança que chora, para distraí-la da fome” (R.A.F. MacKenzie).(16)



Alguns exegetas, porém, deixam-se atrair pelo fato de que o discurso divino foi eficaz para Jó. Gerhard von Rad reúne a reação (perplexa) dos seus colegas e acaba com esta frase: “Aquilo que não é tão certo é que os contemporâneos [da obra] tenham tido a mesma reação (...). De fato, o próprio Jó acabou por compreender o significado do discurso muito mais rapidamente e sem tantas complicações, por comparação com o leitor moderno”.(17) Por outras palavras, não será talvez a nossa mentalidade moderna a impedir-nos de captar a resposta que Deus dá a Jó? Aqueles que liam esta obra há mais de dois mil (ou há mil) anos atrás, estavam perplexos como nós estamos? O dado que devemos aceitar, se queremos respeitar o fio do discurso do livro, é que Jó se sente corrigido pela intervenção divina: “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram. É por isso que me retrato, e arrependo-me no pó e na cinza” (Jo 42,5-6).

Visto que Jó se sentiu corrigido, é a ele que devemos dirigir a pergunta: “Em que sentido é que a intervenção divina responde à tua afirmação?”. Se deslocássemos o nosso olhar para o cinema, e não para a exegese bíblica ou para a literatura, poderíamos encontrar um eco longínquo daquela resposta que vem de longe, do país de Hus. O realizador Terrence Malick assina um filme prodigioso, A árvore da vida (2011), cuja encenação segue a afirmação de Jó. Desde a primeira cena, que apresenta uma frase fixa retirada do livro bíblico (“Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra?... Sob os alegres concertos dos astros da manhã, sob as aclamações de todos os filhos de Deus?”, Jo 38,4.7), seguido do drama de uma família que perde um filho, todo o filme é atravessado pela pergunta sobre o mistério da dor, das injustiças, da morte. Mas o que surpreende em Malick é a atenção que, no seu filme, ele dedica à intervenção divina no Livro de Jó, que pretende ir ao encontro daquele mistério.

E Jó cede, deixa-se comover, sente-se esmagado, dominado, por uma Presença que sustenta a presença das coisas. Por que razão nós, modernos, apresentamos resistência àquele diálogo, testemunhado por Jó, a que a realidade imponente nos introduz?

Os primeiros minutos do filme, paralelamente ao Livro de Jó, assistem à fatalidade que atinge uma mãe que tinha prometido fidelidade a Deus (“Eu te serei fiel, não importa o que me acontecer”): perde o segundo filho quando é ainda jovem. Também ela recebe a “consolação” dos seus “amigos” (neste caso, da sua mãe): “A vida continua, as pessoas passam. Nada fica igual. Ainda tens os outros dois. O Senhor é quem dá a nós, e o Senhor é quem nos tira”. É então que se eleva o grito da senhora O’Brien: “Achas que não te fui fiel? Por quê? Onde estavas?”. O drama começou. Cabe a Deus o próximo movimento.

Começa, portanto, o primeiro fotograma que dá início à grande cena da criação, que dura mais de quinze minutos. Podemos entender aqueles que, a este ponto, foram embora, ou que, tendo chegado um pouco atrasados, pensaram que se encontravam no momento de propaganda entre as duas partes. A genialidade de Malick exige um mínimo de contexto hermenêutico para ser digerida. A resposta de Deus a Jó, antigo ou contemporâneo, para ser eficaz exigia uma arte plástica e visível como o cinema.

Quando ainda estamos sofrendo com a mãe que perdeu o fruto das suas entranhas, Malick “obriga-nos” a assistir àquele grande parto que é a criação do mundo. Não nos conta a criação, não nos explica. Torna-nos protagonistas, obriga-nos a experimentá-la. Quinze minutos pregados às nossas cadeiras. Olhando. Sem uma palavra sequer. Com a única companhia da Lacrimosa, a música do Requiem composta por Zbigniew Preisner em memória do seu amigo, o realizador Krzystof Kieslowski. Trata-se do mesmo exercício que Deus utiliza com Jó: faz-lhe passar diante dos olhos todos os mistérios da criação, sem interrupções, durante quatro capítulos.



A dinâmica da dor tinha levado Jó a fechar-se sobre si mesmo. Por sua vez, a força da razão, que não desiste de procurar razões, tinha elevado Jó, surdo a tudo aquilo que o rodeava, à altura de Deus. Chegado à presença do Altíssimo, este faz com que ele erga os olhos para que possa “dar-se conta” daquilo que o rodeia: a sua criação. O que tem de interessante a criação? Em que sentido contemplá-la pode corrigir Jó? Que novos dados introduz no discurso do homem de Hus?

As imagens de Malick vêm em nosso auxílio. São eficazes, como eficazes deviam ser para Jó as imagens que as perguntas divinas lhe esboçavam. Impressionam-nos, comovem-nos, surpreendem-nos. Esta é, com efeito, a vocação primária da realidade: lançar uma pro-vocação, chamar a atenção. Antes de tudo, surpreende porque as coisas existem, existem sem que nós as tenhamos pedido. Não estão simplesmente diante de nós como um cenário que acompanha os nossos pensamentos. E aqui a miopia moderna é grande, e isto torna compreensível a perplexidade dos estudiosos do Livro de Jó diante da resposta divina.

O positivismo que domina o nosso olhar considera as coisas como um mero positum, alguma coisa que está ali, quieta, da qual me interessam, no máximo, as transformações, as leis dinâmicas que regulam a sua evolução. Mas “conquistar” a realidade não coincide com a mera percepção daquela realidade como positum. “Não se levou em consideração, nesta época moderna que se pode definir como a da crise da realidade, a atitude em relação a esta”, diz Zambrano: “E a atitude em relação à realidade é uma coisa diferente das condições que o conhecimento, a começar pela simples percepção da realidade, exige”.(18) Trata-se da nossa liberdade, como atitude em relação à realidade. Com efeito, continua Zambrano, “se a atitude em relação à realidade condiciona o seu conhecimento e talvez, relativamente, a sua presença efetiva, é porque a liberdade humana se manifesta nisto como em tudo – até nisto – podendo fazer com que se diga que não, ou que sim, diante desta. (...) A realidade, que num certo sentido se apresenta por si mesma como esmagadora, inexorável, dada a condição humana, exige ser buscada”.(19)

Mas a dor? E as injustiças sofridas? E a criança devorada pelos cães do romance de Dostoiévski? A pergunta não se esgotou

O primeiro passo daquela procura, que é a atenção, é descrito por Zambrano como “uma espécie de inibição, um retirar-se do próprio sujeito para permitir que a realidade, por sua vez, se manifeste”.(20) Um verdadeiro e próprio exercício de liberdade. É então que a realidade se nos apresenta não tanto como positum quanto como datum, particípio do verbo dar, que implica um doador. Manifesta-se a nós, podemos reconhecê-la naqueles momentos de lucidez ou de atenção nos quais a realidade já não nos parece opaca, não a consideramos óbvia, não “está aqui, por defeito”. Acontece-nos, e isto nos surpreende. Só aquilo que é dado – ou seja, aquilo que não fabricamos com as nossas mãos – pode suscitar a nossa surpresa.

Datum tem, com efeito, a mesma raiz de donum, “dom”, aquela estupenda realidade que provoca em nós um movimento de gratidão. Desde pequenos, a nossa mãe educou-nos a completar a parábola que a palavra dom implica: “Como é que se diz?”. “Obrigado”. Este é o exercício que Deus, pai paciente, realiza com Jó. Por isso é necessário que faça passar diante dele todas as maravilhas da criação, aquelas que nos deixam de boca aberta, ou seja, impressionados com qualquer coisa que não é um mero positum, mas um donum. E que nos levam ao limiar da gratidão. É o mesmo exercício que nos propõe Malick. Jó, o espectador no cinema, nós próprios, não podemos atravessar este limiar sem uma decisão da nossa liberdade.

E Jó cede, deixa-se comover, sente-se esmagado, dominado, por uma Presença que sustenta a presença das coisas: “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram” (Jo 42,5). Por que razão nós, modernos, apresentamos resistência àquele diálogo, testemunhado por Jó, a que a realidade imponente nos introduz? A própria palavra “Deus” torna-se problemática para nós. Aquilo que não está absolutamente presente na nossa experiência humana elementar, ainda que apenas em potencial, não pode ser imediatamente reconhecido. E aqui entra de novo em jogo a nossa liberdade. O hermeneuta francês Paul Ricoeur liga a interpretação dos sinais exteriores à interpretação pessoal. “Quem sou eu?” é uma pergunta da qual não podemos fugir. Toda a ação, como qualquer interpretação, comporta uma atitude, ainda que implícita, diante desta pergunta.(21) Na realidade, Ricoeur segue Jean Nabert ao defender que o ser humano está sempre tentando compreender a si mesmo, porque percebe, inexoravelmente, que existe uma desproporção entre aquilo que existe (o eu empírico ou real) e aquilo que sabe que poderia ou deveria chegar a ser (o eu puro, que é o lugar em que o Absoluto se manifesta). Nabert define essa tomada de consciência de si como “afirmação original”.(22)



Jó aproxima-se da manifestação histórica do divino não de uma forma “neutra”, como um eu abstrato, despojado de tudo desde o início, que julga de forma asséptica aquilo que o rodeia. O original hebraico da resposta de Jó a Deus diz literalmente: “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram” (Jo 42,5). Com a expressão “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti”, Jó testemunha a presença misteriosa do Absoluto na sua consciência, na “afirmação original”, através da resposta à pergunta: “Quem sou eu?”. A razão do homem de Hus que se ergue desafiando Deus para um combate, que procura o sentido em diálogo, move-se reconhecendo o Absoluto desde o início. Ao mesmo tempo, todas as contradições que está vivendo o fazem gritar, exigir, mendigar um sinal histórico do Absoluto, que se mostre a si próprio: “Ah! Se eu pudesse encontrá-lo, e chegar até o seu trono! Exporia diante dele minha causa, e encheria minha boca de argumentos, saberia o que ele iria responder-me, e veria o que ele teria para me dizer” (Jo 23,3-5).

Para Nabert, o eu puro – que reconhece o absoluto na sua consciência – “ordena à consciência para procurar fora de si mesma [na história, no mundo], para reconhecer fora de si testemunhas do divino”.(23) O mesmo eu puro traz em si a “criteriologia do divino”,(24) de forma a ser capaz de discernir a manifestação histórica do divino em sinais contingentes. Dito com as palavras de Jó: “Saberia o que ele iria responder-me, e veria o que ele tem para dizer-me” (Jo 23,5). A manifestação de Deus na criação não se “impõe” a Jó de forma violenta. Vai de encontro, de forma imprevista e não dedutível, àquilo a que Nabert chama “o desejo de Deus”, que corresponde à afirmação originária ou à percepção de si mesmo.(25) “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram” (Jo 42,5): o “ter ouvido falar”, experiência original, transforma-se em juízo sobre a manifestação histórica de Deus (“meus olhos te viram”). Por sua vez, a mesma manifestação divina expande a razão de Jó, desperta a sua inata “criteriologia do divino” para reconhecer na criação o primeiro sinal contingente do Absoluto. E Jó sente-se corrigido.

Mas a dor? E as injustiças sofridas? E a criança devorada pelos cães do romance de Dostoiévski? A pergunta não se esgotou, a ferida ainda está aberta. Agora, porém, transforma-se no pranto de uma criança diante da sua mãe. Jó, com efeito, desce da incômoda cátedra e toma lugar no banco da escola. Agora é ele que dirige as suas perguntas a Deus: “Ouve pois, e eu falarei; eu te perguntarei e tu me responderás!” (Jo 42,4). E aqui termina o livro. Podemos imaginar as perguntas de Jó, mas não as respostas divinas. Neste sentido, encontramo-nos diante de um livro aberto – todo o Antigo Testamento é um livro aberto –, em busca de um cumprimento.

Jesus de Nazaré não trouxe uma “solução” teórica para o problema do sofrimento. Carregou esse sofrimento, morrendo sobre uma cruz.

A nossa tradição ocidental, que foi construída sobre o Novo Testamento, continua a perguntar, elevando a voz diante do mal e da injustiça, mas não pode fazer isso excluindo aquele grito único, lancinante, de um novo Jó, pregado numa cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Entre a redação do Livro de Jó e os nossos dias, mediou o anúncio da surpreendente pretensão cristã: Deus fez-se homem e entrou na história. Jesus de Nazaré não trouxe uma “solução” teórica para o problema do sofrimento. Carregou esse sofrimento, morrendo sobre uma cruz. A teodiceia moderna tem de enfrentar este paradoxo que a história nos deixou como herança: um acontecimento, enquadrado no tempo e no espaço (paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré) e não uma reflexão, apresenta-se como a chave para compreender o problema do sofrimento e do mal.

Mas é possível que o absoluto se manifeste na história, em fatos contingentes? A nossa razão moderna experimenta novamente uma resistência quase instintiva a esta hipótese. Dois pais do pensamento moderno, com a importância de Emmanuel Kant e Gotthold E. Lessing, deram um fundamento para esta estranheza.(26) Já vimos como o exercício da liberdade que implica a afirmação originária nos abre ao testemunho que o Absoluto dá de si mesmo na nossa consciência. A partir daqui, a possibilidade de que este Absoluto se manifeste historicamente em sinais contingentes apresenta-se como uma hipótese cuja razão não deve se fechar.(27) Passaremos ao campo da verificação histórica (guiados por aquela “criteriologia do divino” que nos constitui). Fundamentando-se na filosofia de Nabert, Ricoeur defende a possibilidade do Absoluto se manifestar na história e, de fato, faz disso a base para a superação do mal. Com efeito, para Ricoeur, o mal não pode ser extirpado senão graças a “ações absolutas”,(28) ou seja, feitos contingentes nos quais uma consciência livre reconhece a própria libertação; ou, com as palavras de Nabert, nos quais “aquilo que não é justificável segundo as aparências e o juízo humano, não é a última palavra da existência”.(29) Mas estas ações absolutas podem estar verdadeiramente à altura do sofrimento do inocente?

Chegados a este ponto, tiramos as sandálias dos pés, como Moisés que caminha num local sagrado (cf. Es 3,1-5), porque assistimos ao diálogo pessoal, insubstituível, insuperável (não atribuível a um “saber absoluto”) (30), entre o sofredor e a “testemunha do Absoluto”,(31) também ela sofredora, que mostra (e não demonstra), aqui e agora, a presença do divino que supera o injustificável. Como no Livro de Jó, transformamo-nos nos protagonistas do dramático jogo de duas liberdades, face a face. Poderiam ser duas pessoas com a mesma doença no mesmo quarto de um hospital. Uma desesperada, a outra surpreendentemente tranquila. Ou qualquer um de nós, enquanto assiste à execução dos vinte e nove coptas na península de Sinai, que se recusaram a renegar a sua fé, um por um, no passado dia 26 de maio.

Desde que o autor do Livro de Jó escreveu aquelas páginas sublimes, a sua história, da qual somos protagonistas, foi reescrita centenas de milhares de vezes e será ainda escrita numa infinidade de ocasiões.

Notas:
(1) É possível ver em: http://absta.info/centro-virtual-estudios-judaicos
(2) P. Claudel, Le livre de Jó, Plon, Paris 1946, p. 1.
(3) F. Dostoiévski, I fratelli Karamazov, Bur, Milão 1998, p. 318.
(4) Ibidem, p. 326.
(5) S. Kierkegaard, La ripetizione, Bur, Milão 2012, p. 42.
(6) J. Jiménez Lozano, “Arreglo de cuentas”, em El tiempo de Eurídice, Fundación Jorge Guillen, Valladolid 1996, p. 200.
(7) Cfr. C.S. Lewis, El problema del dolor, Rialp, Madri 1995, p. 32.
(8) S. Kierkegaard, La ripetizione, op. cit., p. 50.
(9) Cf. http://absta.info/centro-virtual-estudios-judaicos--jorge-luis-borges-y-el-judas.html.
(10) M. Zambrano, “El libro de Jó y el pájaro”, em El hombre y lo divino, Fondo de Cultura Economica, Cidade do México 2012, pp. 391-392. Ed. it., L’uomo e il divino, Edizioni Lavoro, Roma 2001.
(11) Ibidem, p. 396.
(12) P. Volz, Hiob und Weisheit (Die Schriften des AT in Auswahl III,2), Gotinga 1921, p. 1.
(13) M. JastroW, The Book of Jó, Filadélfia 1920, p. 76.
(14) L. Steiger, “Die Wirklichkeit Gottes in unserer Verkündigung”, em M. Honecker – L. Steiger (cur.), Auf dem Wege zu schriftgemässer Verkündigung, Mônaco 1965, p. 160.
(15) E. Bloch, “Studien zum Buch Hiob”, in M. SCHLÖSSER (cur.), Für Margarete Susman: Auf gespaltenem Pfad, Darmstadt 1964, pp. 85-102.
(16) R. A. F. MacKenzie, “The Purpose of the Yahweh Speeches in the Book of Jó”, Bib 40, 1959, p. 436.
(17) G. von Rad, Sabiduría en Israel, Madri 1985, p. 284.
(18) M. Zambrano, Filosofía y Educación. Manuscritos, ed. di Á. Casado e J. Sánchez-Gey, Málaga 2007, p. 141. Ed. it., Per l’amore e per la libertà. Scritti sulla filosofía e sull’educazione, Marietti, Génova 2008.
(19) Ibidem, p. 147.
(20) Ibidem, p. 60.
(21) Cfr. P. Ricoeur, “L’herméneutique du témoignage”, in Lectures 3. Aux Frontières de la philosophie, Paris 1994, pp. 107-139.
(22) Cfr. J. Nabert, Eléments pour une éthique, Paris 1971, cap. IV e V. Ed. it., Elementi per un’etica, La Garangola, Pádua 1975.
(23) J. Nabert, Le désir de Dieu, Paris 1966, p. 213.
(24) Cf. ibidem, cap. IV do livro II.
(25) Ibidem, p. 21.
(26) Cf. I. Kant, La Religión dentro de los límites de la mera Razón, Madri 2009, p. 128; G.E. Lessing, “Sobre la demostración en espíritu y fuerza”, em Escritos filosóficos y teológicos, Barcelona 1990, p. 482.
(27) Cf. J. Nabert, Ensayo sobre el mal, Madri 1997, p. 138. Ed. it., Saggio sul male, La Garangola, Pádua 1974.
(28) P. Ricoeur, “L’herméneutique du témoignage”, op. cit., p. 137.
(29) J. Nabert, Ensayo sobre el mal, op. cit., p.145.
(30) Cf. P. Ricoeur, “L’herméneutique du témoignage”, op. cit., p. 137.
(31) Cf. J. Nabert, Le désir de Dieu, op. cit., cap. I do livro III.



Formato PDF