New York Encounter. Na profundidade do nosso eu
Mesmo totalmente online, a feira cultural não deixou de ser um ponto de encontro para todos os EUA. Os encontros sobre a figura de Dom Giussani e a de Lorenzo Albacete. Mas também sobre o racismo e os desafios econômicos«Eu levanto os meus olhos para os montes, de onde pode vir o meu socorro?» O New York Encounter deste ano foi aberto no dia 12 de fevereiro com o canto do Salmo 121. Como se perguntou o mestre de cerimônias John Touhey em seu discurso de abertura, num ano em que sofremos por causa da doença e da morte causadas pelo vírus, as consequências econômicas da pandemia, a confusão e a violência dos protestos pela justiça racial e a invasão do Capitólio, «quem de nós não se fez essa pergunta?»
As restrições da pandemia obrigaram a mudar o formato da feira nova-iorquina. O evento, que ao longo dos anos foi se tornando para muitos uma “ocasião para se encontrar” no coração de Manhattan, teve de passar para o digital, com a maior parte dos palestrantes falando por Zoom e os participantes assistindo pelo YouTube.
Diante desta realidade que nos “atingiu duramente”, disse Angelo Sala, um dos promotores do evento, o Encounter procurou encarar as circunstâncias que todos temos enfrentado com a consciência de que o grito do salmista dá lugar imediatamente a uma espera confiante: «Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra». Como destacou o cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova York, em seu discurso de domingo de manhã: «O que é mais real na nossa vida não pode ser observado no microscópio».
Neste momento, o testemunho de Luigi Giussani, num vídeo com falas suas, oferece um auxílio extraordinário. No encontro sobre ele de sábado à tarde, o palestrante Barry Stohlman, marido, pai e empreendedor, contou como seu encontro com Giussani o transformou, trazendo à luz o vazio do mito do “self-made-man”. O que precisamos ter, como ensinou Giussani, é «a abertura ao real em sua totalidade e a confiança absoluta no coração humano». Para Giussani, o “sim” de um homem ao que lhe é dado na realidade o levará ao seu “sim” ou “não” perante Cristo – a pergunta mais importante que o homem vai encontrar em sua vida.
Outro guia seguro, Mons. Lorenzo Albacete – «um dos dois pilares do carisma de CL nos EUA», como o descreveu Sala – foi o sujeito da outra mostra do Encounter. O constante impacto do cientista, sacerdote, teólogo e responsável nacional da Fraternidade de Comunhão e Libertação, morto em 2014, também ganhou destaque numa apresentação dos organizadores de uma nova coletânea de seus escritos, The Relevance of the Stars [A relevância das estrelas].
A vídeomostra The Albacete Show, uma apresentação divertida e ao mesmo tempo profunda da sua vida, por meio de entrevistas pessoais, cartas e gravações, revelou a figura de um homem cuja liberdade perante o Mistério se lançava em relações ricas e diversas. Como disse bem o cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston, num dos muitos encontros privados no Zoom entre os amigos de Albacete que sucederam a apresentação do livro: «Lorenzo ajudou muitíssimas pessoas a descobrir a beleza das estrelas na mais escura das noites».
Buscando essa beleza, mas sem medo da escuridão, este ano os organizadores do Encounter correram alguns riscos. Isso talvez tenha ficado mais evidente na discussão do domingo à tarde, “Um desesperado grito por justiça”, na qual os palestrantes compartilharam histórias dolorosas de racismo declarado. «Foi um dos eventos mais estimulantes que já organizamos no Encounter», disse Sala. «Poderíamos ter organizado o evento a partir de pontos de vista diferentes. Nós insistimos para que os palestrantes iniciassem com a experiência pessoal deles do racismo… Este é um exemplo do nosso método». Maria Teresa Landi, mais uma entre os promotores do Encounter, acrescenta: «Era uma invocação de justiça, como diz o título do encontro. Queríamos ver o sofrimento deles pelos olhos deles. Queríamos estar com eles, porque só estando com eles é que podemos procurar uma resposta àquele grito».
Ficar com eles na realidade ferida deles foi também o tema de “Por que será?”, uma conversa sobre o crescimento de suicídios e problemas de saúde mental, especialmente entre os jovens. A disponibilidade dos palestrantes em revelar a própria luta contra a doença mental e os relacionamentos pessoais com as vítimas de suicídio levou a um ponto de partida autêntico no enfrentamento desses problemas, evitando as soluções rápidas e passando a ver aqueles que nos rodeiam como os seres humanos complexos que são, acompanhando-os com o coração escancarado.
«Tenham respeito por alguém que vive um grande sofrimento que vocês não podem explicar ou analisar», aconselhou Mary Townsend, assistente universitária de Filosofia na Universidade St. John. «Tenham consciência de que eles viram algo da vastidão do mundo que é aterrorizador, e tentem respeitar esse sentimento e aceitá-lo». Se a saúde mental esteve em risco este ano, também esteve a própria sobrevivência. No encontro intitulado “Não só pelo lucro”, o moderador Anujeet Sareen mostrou como os choques na economia «tendem a revelar as vulnerabilidades já existentes». Sem proporem soluções pré-fabricadas, os palestrantes sugeriram que qualquer resposta autêntica à crise econômica deve concretizar-se – ao menos em parte – no nível local. Essa mesma ideia de partir “de onde vivemos” se refletiu no próprio Encounter. Os organizadores encorajaram os participantes de todo o país a se unirem ao evento em sua sala de estar ou nos salões paroquiais, organizando “festas de espectadores” e compartilhando os eventos on-line com os amigos. Várias comunidades organizaram “happy hours” no Zoom, fazendo nascer debates informais que normalmente ocorreriam no Pavilhão Metropolitan, a sede habitual do Encounter. Os organizadores da mostra coordenaram tours virtuais das mostras. E também houve um “after party” final em que os amigos de todos os Estados Unidos cantaram juntos.
Como disse Julián Carrón em suas observações no encerramento do Encounter, este ano nós experimentamos muitas perguntas urgentes «que surgiam constantemente em nós», obrigando-nos a descobrir uma «profundidade do nosso “eu” que não podia ser satisfeita simplesmente por aquilo que já sabíamos». Ao sondar essas perguntas sem recuar diante das nossas profundas feridas humanas, o Encounter entrou nessa profundidade, descobrindo uma «esperança que nos surpreende sempre».
Contribuíram Stephen G. Adubato, Gabriel Alkon, Carla Galdo e Monica Lickona#OutrosMeetings