(Foto: Pedro Marques Pereira)

Meeting Lisboa. O encanto da esperança

Inteligência artificial, a conversão de Péguy, o trabalho no século XXI, o infinito de Pessoa, a mola de Andrea Mandelli, a busca pelo bem nos gulags… Na capital portuguesa, dois dias para abraçar tudo

«Cinco minutos antes da primeira Missa do Movimento nasceu o canto do Movimento. O início do canto do Movimento é o início do Movimento. Não há diferença. Nasce o Movimento e canta-se.» O início do primeiro dia do Meeting Lisboa fez-me imediatamente lembrar estas palavras de Dom Giussani. Invadiu-me uma comoção enorme quando entrei pelo auditório dentro para (não o sabia eu) assistir a um espetáculo que contava a minha história: o Mini Meeting. Não poderia ter imaginado o que ia acontecer. Deparei-me com os alunos do Colégio de São José do Ramalhão (nos seus 6, 7 anos) que, ajudados pelos seus professores, se propuseram a fazer-nos a todos participar num momento de canto nascido da experiência de encontro com Dom Giussani e com o padre João Seabra.

De facto, começa o Meeting e começa o canto; não há melhor forma de expressar a gratidão pelo que encontrámos do que através do canto. Impressionou-me este primeiro momento do fim de semana porque aquelas crianças tinham mesmo algo a ensinar-me: eu serei tanto mais homem quanto mais viver com simplicidade diante da realidade, ou seja, quanto mais aprender a cantar como aqueles miúdos cantavam.

O encontro da manhã sobre inteligência artificial ajudou-nos a ir mais fundo na tentativa de identificar o traço característico do humano. Pode o homem ser substituído pela máquina? Os oradores, após nos terem introduzido de forma brilhante neste mundo da tecnologia em desenvolvimento exponencial, ajudaram-nos a pensar sobre este assunto. O homem possui uma forma de conhecimento que a máquina nunca poderá ter: aquele que se obtém através de uma relação com o objeto, onde aprendo o seu significado. Também o patriarca DOM Rui Valério, cuja presença nos enche a todos de gratidão, nos ajudou neste trabalho. Como abriu o encontro: «o homem pode viver em comunhão, em relação com o outro; este é um aspeto que a máquina nunca será capaz de atingir».

No último encontro do primeiro dia tivemos conosco o bispo de Lamego, Dom António Couto, para um diálogo sobre o tema do Meeting, “O que me espanta é a esperança”. O bispo começou por recordar o diálogo de Jeremias com Deus, no capítulo 1 do livro de Jeremias. À pergunta de Deus: «O que vês, Jeremias?», este respondeu: «Vejo um ramo de amendoeira». Deus respondeu então «Viste bem, porque eu velo sobre a minha palavra para a cumprir». De facto, a flor da amendoeira é a primeira que floresce no inverno, e por isso é um sinal de esperança, porque antecipa o que acontecerá com todas as outras: com o devido empenho e cuidado todas florescerão no seu tempo.

É incontornável que no fim do dia tenhamos sido confirmados (ou recordados), através das palavras do bispo, que a promessa de Deus se mantém viva: «Viste bem», ou seja, não te enganaste, o que vês acontecer à tua frente não é fruto da tua imaginação. A flor da amendoeira está a florescer, agora, na circunstância atual. Por isso também me impressionou o que o bispo dizia no fim do encontro: somos chamados a uma simplicidade, a deixar que a nossa vida mostre a certeza de que a amendoeira floresce. Mais do que perceber a demonstração de como isto acontece, o bispo convidou-nos a expormo-nos, a arriscar verificar na nossa vida que a promessa que a flor da amendoeira anuncia é verdadeira, porque se cumpre já hoje.



Esta mesma simplicidade foi o que definiu a vida de Péguy, sobre a qual os nossos amigos fizeram um belíssimo teatro, que encerrou o dia de sábado. A certa altura, quando confrontado sobre a sua conversão por um amigo, Péguy respondeu: «Segui sempre o mesmo caminho, e foi ele que me trouxe até onde estou». Arriscando seguir o que lhe ia acontecendo acabou por reencontrar a fé – nas palavras do próprio, «num acontecimento. Este, quando se dá, dá-se para sempre». Este encontro com o cristianismo partiu dos factos da realidade, como ele dizia, e não lhe tirou nada da sua humanidade; de facto, permanecia ele próprio, embora dentro de uma novidade de vida.

Não consigo deixar de referir uma das maiores provocações que Péguy nos deixa: «O cristianismo não me interessava porque parecia desgarrado da vida temporal». Todo este primeiro dia mostrou que o encontro que nós fizemos tem tudo a ver com a circunstância que vivemos, com o tempo presente: a realidade difícil que se vive na Rússia (de que se fala adiante), o mundo novo da inteligência artificial, a educação.

O dia de domingo abriu com o encontro “Trabalhar no século XXI: para quê?” Bernhard Scholz, Presidente do Meeting de Rimini, contava-nos como, na sua vida, diante do problema do trabalho, emerge a seguinte pergunta última: E eu, quem sou? Para que o trabalho não se torne a certa altura uma alienação da realidade, eu preciso de me fazer a pergunta sobre o significado daquilo que faço. Aliás, esta pergunta emergirá sempre. Scholz fazia um exemplo: para pagar os seus estudos, durante meses teve um trabalho que consistia em mudar lâmpadas o dia inteiro; era um trabalho cansativo e de que não gostava muito. Onde posso reencontrar a força para permanecer, para não desistir da ideia de estudar? Impõe-se perguntar-me de novo: qual o sentido, por que faço isto?

Nuno Pinto Magalhães, o outro orador neste encontro, apontou uma pista: o gosto, a paixão pelo trabalho descobre-se “metendo a mão na massa”. Empenhando-me naquilo que faço descubro, como continuava Scholz, que a resposta à pergunta «Porque trabalho?» não a encontro dentro do trabalho. O cristianismo aponta uma estrada: não depende daquilo que eu faço, mas do significado daquilo que eu faço.

A exposição que deu origem a este encontro ilustrava este ponto muito bem. Ao “eu performativo” que nos propõe o mundo de hoje, um eu que se mede a si próprio no sentido daquilo que é capaz de realizar, o cristianismo responde oferecendo uma hipótese radicalmente diferente. Se eu me reconheço amado infinitamente, incondicionalmente, torno-me mais criativo, mais eficaz, mais inteligente sobre a realidade. Por isso, mais facilmente posso surpreender dentro do trabalho aquele significado que já intuía na minha vida através do amor de que sou alvo.

Esta mesma procura por um significado é um dos traços principais de outra exposição desta edição do Meeting, “Querendo, quero o infinito”. A história de encontro que alguns de nós fizemos com Fernando Pessoa (eu incluído) parte do reconhecimento de que, como ele, também eu sou antes de mais exigência de uma resposta para o grito do meu coração. Há uma tensão estrutural em mim para descobrir em cada instante e em cada pequena coisa «a eterna novidade do mundo».

Uma das intuições que mais me comove em toda a poesia de Pessoa é aquela de que esta estrada para descobrir quem sou não se faz sozinha. É preciso alguém, um amigo, para que eu permaneça. É impressionante que Pessoa escreva, depois da dúvida quase constante de que tal caminho exista, o seguinte poema:

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.

“O pastor amoroso”, Alberto Caeiro

Pessoa escreve estes versos depois de se apaixonar por Ofélia Queiroz, com quem depois mantém um relacionamento. De facto, quando alguém se percebe amado vislumbra na vida sinais de esperança. O amor que ele procurou a vida toda é algo concreto: encontra-se através de pessoas, de carne e osso, que caminham comigo lado a lado.

A prova viva de que há qualquer coisa de irredutível no coração humano é a história do Andrea Mandelli, contada noutra das exposições: “Ofereço-te a minha mola”. O Andrea percebeu um ponto dramático sobre a vida: abraçar as circunstâncias é abraçar Cristo. Por isso, este rapaz viveu a doença que provocou a sua morte aos 19 anos de uma forma totalmente nova, porque tinha a consciência clara de que a sua vocação passava por ali.

Nada da sua humanidade se perdeu, antes pelo contrário: impressiona pensar que, no meio da dor por que passava, quando estava no hospital queria sempre saber dos seus amigos. Tinha uma amizade de tal forma profunda com eles que dizia: «aquilo de que sinto mais falta por estar nesta situação é a presença física de Cristo que vocês são». Do mesmo modo, a doença foi ocasião de se dar conta de que toda a realidade é interessante, porque toda ela é ocasião de me conhecer melhor a mim mesmo, ou seja, de me aperceber que em tudo há uma relação com o significado da vida. O estudo, que para o Andrea sempre tinha sido um ponto difícil, tornou-se central nos tempos do hospital e foi vivido com um empenho totalmente novo.

As palavras conhecidas do Andrea: «Atenção. Perigo de vida e de morte. Sempre» ajudam-nos a entrar no último encontro do Meeting deste ano, “Homens, apesar de tudo”, sobre a Associação Russa Memorial, que nasceu com o objetivo de manter viva a memória de todos aqueles que ou perderam a vida ou simplesmente “desapareceram” durante os anos do regime comunista. Há, de facto, o perigo de viver, até nas circunstâncias mais adversas, como os gulags, uma vida verdadeira, que procura qualquer coisa.

Como se dizia no encontro, as histórias do arquivo do Memorial são a história da procura da semente de bem que o homem representa sempre. Sempre! Porque, apesar de tudo, o homem permanece. A exposição mostra que este milagre acontece, nos tantos exemplos que apresenta: algo subverte a lógica mecânica do mal. Os testemunhos das pessoas interrompem essa lógica. Em tantos vemos como não se perde o desejo de uma afeição real pelo filho, ou pela mulher, e por isso vale a pena arriscar a vida a preparar-lhes qualquer coisa (uma peça de roupa, um desenho). Como dizia Marta dell’Asta: «a esperança não está no facto de que o homem nunca se vai enganar, mas no facto de que recomeça sempre. As razões para ter esperança estão nas pessoas».