Livres, porque correspondidos
Encontro anual dos universitários de CL para uma convivência durante as férias escolares. Momento paradigmático para ter na vida cotidiana abertura e atenção ao desejo, sempre em buscado verdadeiroNo último mês de janeiro, 63 universitários e jovens trabalhadores se reuniram em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, para participar de um momento de férias entre os dias 19 e 22. Sob o tema “A ti se volta todo o meu desejo”, pessoas de sete comunidades – de Macapá/AP a Pelotas/RS – se reuniram a partir da grande amizade que surgiu através do encontro com o Movimento Comunhão e Libertação.
Durante os quatro dias de convivência, os jovens foram apresentados a um modelo de vida. Desde a introdução, após longas horas de viagem para a maioria dos participantes, foi feita uma proposta para estarem abertos ao que aconteceria naqueles dias. Foi lembrado que, como dizia Dom Giussani, no nosso tempo livre é que se mostra o que realmente amamos.
No dia seguinte, após recitar a oração das Laudes, foi realizado um belíssimo passeio à Praia da Marambaia. Brincou-se na areia, com todos os jogos pensados dentro de uma gincana enigmática! Teve banho de mar, missa na capela da praia, e a volta para o sítio foi cheia de cantoria. Tudo muito simples e atraente. De noite, uma conversa com Adriano Gaved. Este amigo nos conta como se apaixonou pelo conhecimento e descobriu que o cristão é na verdade o homem autêntico, que se interessa por tudo. Algumas perguntas fundamentais surgem: como viver a universidade nos dias de hoje?
Contra todas as previsões, o sábado é um dia de sol e céu azul. A trilha para a Cachoeira do Mendanha é uma ocasião de beleza e aprendizado para todos, caminhando em silêncio na floresta, seguindo as indicações de segurança e cantando juntos. Alguns imprevistos acontecem, mas estão por perto amigos que podem ajudar com alegria, salvando o almoço e o jantar!
Para a tarde de sábado foi proposto um momento livre, que nos proporcionou muitos encontros. Depois um trabalho em grupo, que muitos estavam fazendo pela primeira vez, que nos deixou muito felizes em podermos compartilhar as nossas experiências, nos ajudarmos com nossas perguntas e suscitar em nós mais uma vez o desejo de viver mais a beleza desse encontro com Cristo, que transparece nos rostos de nossos amigos.
À noite preparamos um sarau com músicas escolhidas por cada comunidade e que expressavam um pouco a experiência que cada uma delas está vivendo. A Carol de Salvador nos presenteou com algumas músicas que ela compôs que nos comoveram, pois nos mostraram a intensidade com que ela vive a vida, que nos foi comunicada numa canção! E como somos educados a sempre dar um juízo sobre as coisas, durante a apresentação fez-se uma provocação sobre uma das músicas. Foi bonito, pois todos acolheram.
No domingo, com a presença do nosso amigo Bracco, tivemos uma assembleia em que alguns jovens puderam testemunhar as suas experiências de liberdade, de amizade, de verdade e pertencimento que viveram nessas férias. Experiências muito bonitas, nas quais ficou evidente que algo aconteceu para todos, o que levou a muitas pessoas decidirem de continuar no Rio de Janeiro para poder participar do Rio Encontros, que seria realizado na semana seguinte. Mesmo os que não puderam ficar voltaram para suas casas, seu dia a dia, maravilhados e repletos de gratidão por terem encontrado essa companhia que torna evidente o rosto de Cristo, e com o desejo de que essa experiência de liberdade não acabasse.
A seguir, trechos de algumas colocações durante a assembleia final das férias, levando em conta, também, a carta do Papa ao Carrón (publicada na Passos de fevereiro).
“Quando começaram as férias eu estava com um ritmo muito pesado na faculdade, com pouco tempo livre. Estava com uma expectativa muito grande de como eu ia viver este tempo, pois nas férias é onde fazemos aquilo que mais temos vontade de fazer, que está no nosso coração, o que nós mais amamos. Muitas coisas estavam acontecendo de forma diferente do que eu tinha planejado, e vi que eu tinha uma pretensão enorme. O problema era tudo o que faltava. Mas quando eu cheguei aqui, um amigo me perguntou: ‘o que tem de bonito aqui?’. A partir daí, eu levei a sério essa pergunta, e a primeira coisa que eu descobri foi que a coisa mais bonita era que todo o meu desejo estava aqui, por encontrar uma resposta aqui nas férias. Não por uma intuição somente, mas por algo que eu já havia encontrado. A outra coisa que eu aprendi foi que a beleza destes dias que vivemos desperta em mim o desejo de dar tudo na minha vida por isso – quando ficamos na cachoeira, vendo a forma como todos estavam brincando; ou mesmo diante de uma pessoa que pense diferente, com seus questionamentos, e mesmo assim alguns amigos me ajudam a abraçar tudo. Então, quando tivemos o imprevisto do jantar (que tivemos que preparar), eu queria muito ter ficado nos trabalhos em grupo, mas eu fui ajudar no jantar, porque eu tenho uma coisa na vida que é tão minha que eu faço qualquer coisa para que as férias aconteçam”
Yasminne, Rio de Janeiro (RJ)
“Nós já temos tudo, podemos olhar para o desejo que cada um tem e caminhar junto com esse desejo, não temos que nos defender de nada. E, nesse sentido, a pobreza me defende da minha cabeça, dos meus esquemas e da minha insegurança, e me gera essa abertura. Temos que olhar para aquilo que vivemos.”
Alexandre André, São Paulo (SP)
“Quem já fez a experiência de estar apaixonado? Quando vocês fizeram essa experiência, o que te defendeu dos ataques das outras/outros? Você criou barreiras, tentou se pintar, ficar um pouco mais feio? O que te protegeu? Foram as lembranças das coisas bonitas que você viveu e a certeza de uma experiência que você tem dentro. Então, se tentamos ligar essa experiência àquilo que fala o Papa na carta ao Carrón, entendemos que ele não está falando de começar a construir muros para nos proteger. Aqui fala de algo que precisamos cuidar. Em certo ponto o Papa diz que a pobreza nos ajuda a ficar mais certos do essencial. É como se você, naquele exemplo de quando você está apaixonado, pensasse que não precisa de mais nada, nem do celular que tanto queria. Você faz essa experiência de ter algo que é essencial, e com isso você pode deixar tudo, porque quando eu fiz experiência desse essencial, eu me senti rico, eu estava “cheio”, tanto que eu não precisava de outras coisas. E, por isso, gera (porque quando você está muito apaixonado, você é mais criativo, você dá aquele presente, você compra flores). Então, quando a gente faz experiência desse essencial (e a pobreza nos ajuda a voltar sempre a essa experiência), isso gera a criatividade em você, te torna mais atento, te torna mais curioso, você começa a olhar as coisas, a cumprimentar a sua mãe de forma diferente. Gera!”.
Bracco, Rio de Janeiro (RJ)
“Quando cheguei às férias era completamente ignorante com relação ao que fazer. Aos poucos comecei a me interessar, vi as pessoas atentas e já comecei a sentar mais na frente, a participar mais. E ontem, quando teve a trilha, foi muito bonito ver todos naquele caminho, todos em silêncio. E eu estava com muito calor, e precisava prender o meu cabelo. Só que eu tenho uma deficiência auditiva, e sempre tive muita vergonha e desde a oitava série que eu não mostrava os meus aparelhos auditivos em público. Mas eu não sei exatamente o que se passou pela minha cabeça, porque eu acabei prendendo o cabelo. No mesmo instante, eu tinha vários sentimentos de vergonha, nervosismo, mas acima de tudo eu me senti livre. Eu percebi que, enquanto eu ficava prestando atenção em quem me olhava, perdia tempo, me aprisionava, e parecia que eu nem estava em um lugar bonito como aquele. Então eu não dei mais atenção para os olhares dos outros. E um pouco sem querer, Nathalia, uma menina que estava na minha frente durante a caminhada, começou a me ajudar e nós começamos a conversar. Quando chegamos à cachoeira, tive uma sensação de vitória, e quis permanecer com o cabelo preso, e nunca mais eu quero perder a minha liberdade por causa da insegurança. À tarde eu tive coragem de contar a minha experiência na retomada em grupos e eu nunca imaginei que isso pudesse tocar as pessoas. Uma delas, Milena, agradeceu e me disse que Cristo estava lá comigo, e então me lembrei de quando o Alexandre tinha dito que uma das coisas que Cristo pregou foi a liberdade. E isso me marcou e eu comecei a olhar para este homem de uma maneira diferente, como se ele estivesse mais perto de mim”.
Larissa, Salvador (BA)
“Quando eu falo ‘eu’ de uma forma nova? O que é a experiência mais profunda e intensa que me faz dizer ‘eu’, que me faz descobrir o meu ‘eu’? É essa experiência da liberdade, na qual você respira, você começa a ver coisas que não estava vendo. Você vai dormir sem querer dormir, você quer que passe logo aquele tempo, porque você nunca se sentiu tão viva, tão livre. Vivo significa livre. Livre significa correspondido. Você tinha algo escondido que não sabia e essa coisa te veio à tona como nunca. Fez uma experiência de uma descoberta de algo que estava escondido, que você nem imaginava mais, nem lembrava, nem sabia. Por isso acordou de manhã e precisou voltar a fazer algo para encontrar aquela pessoa. Eu conheço Cristo por aquilo que Ele gera em mim: esse ‘eu’ que volta a explodir dentro de mim. Por isso preciso d’Ele, por isso eu quero buscá-Lo novamente. Zaqueu, que era um ladrão, pequeno, feio, que todos queriam mandar para a prisão, um dia sobe na árvore, pois ele estava muito desejoso, e Jesus olha para ele. Ele nunca se sentiu mais livre como naquele dia. E depois que Jesus olhou para ele, quis voltar a encontrá-lo novamente. Mas essa liberdade é a mesma que falou a Larissa; esse olhar é o mesmo que acontece hoje. Eu começo a ver os traços dessa pessoa, e começo a conhecer Cristo como Zaqueu conheceu, dentro da nossa humanidade que muda, porque não é normal eu me sentir assim. Eu já conheço o Movimento há muito tempo, mas ouvindo a Larissa, eu vi esse olhar, eu vi essa liberdade em mim, eu vi novamente a humanidade desse Homem. Como eu conheço Cristo? Assim! Pela experiência de liberdade que eu faço”.
Bracco, Rio de Janeiro (RJ)