Argentina. O encontro e as tintas que Deus usa

Cinco dias na Sierra perto de Buenos Aires para o encontro dos Colegiais. Um respiro diante das violências e dos dramas em que estão imersos. E a possibilidade de uma mudança para si e para o país
Fernando Pérego e Cecilia Porfirio

Rota Nacional 3, 4 da manhã. O ônibus que leva o grupo de estudantes de ensino médio de Buenos Aires e arredores para a Sierra de la Ventana quebra. Nenhum dos presentes imaginava que uma espera de cinco horas os estava aguardando, parados na estrada e, aparentemente, “ao Deus dará”.

Um começo de férias assim certamente põe à prova não só a disponibilidade de cada um, mas também a liberdade de encarar a realidade como ela vem: o inconveniente podia ser visto como o anúncio de uma viagem desastrosa, como o trailer de uma série infinita de contratempos; contudo, naquelas cinco horas de espera pelo socorro, o que prevalecia era um clima humano de companhia que preferia “olhar o horizonte” em vez de reclamar por como deveria ter sido. A luz da aurora era a da liberdade que permitia a cada um a simplicidade de ser mais eles mesmos. Até nas dificuldades. Eles mesmos o ressaltaram várias vezes, falando daquela liberdade: não se tratava tanto de “fazer o que queriam”, e sim de reconhecer que estava acontecendo uma coisa excepcional.



Joaquín, por exemplo, não parava de admirar-se por seus amigos estarem felizes como ele, e se perguntava o que tornava isso possível: «Fiquei surpreso ao ver que isso que eu estava vivendo era para todos, e também ao ver que diante da necessidade de algumas pessoas e minhas eu via Cristo agir. Penso em alguns que desejavam uma amizade diferente, e durante essas férias aconteceu. Também quando tivemos de abrir mão de um passeio por causa da chuva, e pudemos ver o evento maravilhoso e inesperado do vídeo-testemunho de Alessandro d’Avenia».

Luján entendeu que essa liberdade de apegar-se ao que a satisfaz permitiu até que ela errasse: «Eu era a responsável dos cantos junto com uma amiga, e no primeiro dia, apesar do cansaço, não foi pesado prepará-los para a introdução, muito embora não tenham ficado perfeitos. Em outras palavras, eu pude ser eu mesma, estava bem, sem o pensamento de que não gostariam menos de mim ou que eu passaria vergonha». Cecilia, responsável dos Colegiais na Argentina, ficou muito marcada ao observar a mudança de muitos: «Em cada um deles havia uma nova humanidade em que dava para ver a presença real de um Outro, porque a nossa vontade por si só não basta: alguns dedicando-se à acolhida dos meninos e ao almoço de boas-vindas, outros organizando os passeios ou as propostas “culturais”, os jovens participaram de tudo o que era proposto. Para mim era como ver Cristo caminhando ali, no meio de nós».

Uma tarde de piscina, mate e trabalho em grupos. «Qualquer coisa é um encontro? Quais são as características de um encontro verdadeiro?» Essas perguntas, entre outras, animaram os diálogos. Tomemos Enzo como exemplo, o mais velho do grupo, que disse ter encontrado nos outros uma forma para viver com mais alegria as coisas que mais lhe custavam, que dentro dessa companhia se viu ajudado a encarar a si mesmo e aos seus limites com um coração mais humano. Rosario também viveu suas últimas férias de verão com os Colegiais e ficou surpresa com a força dessa amizade: «Eu me dei conta de que há muitos jeitos de se relacionar um com o outro que eu não conheço. Muitas vezes não tenho ideia de como cuidar das relações. Vejo isso principalmente quando brigo com um amigo e penso em como é difícil dizer: “Aqui também está Deus”. Há uma música que diz: “Ponha Deus no centro”; é como se o Senhor me dissesse: “Sei que você tinha outros amigos, mas deixe-me entrar e vai conseguir resolver um problema um pouco melhor do que você imaginava».



Fernando percebeu o eco de algo excepcional que conquistou seu coração: «A coisa mais preciosa foi a companhia. Pode parecer um chavão, mas é algo que vai além. Essa viagem foi uma ocasião para entender que a minha vida pode e deve ir além da superficialidade de tantos relacionamentos cotidianos. Foi uma ocasião que Deus me deu para recomeçar do zero com novas amizades, aquelas em que podemos ser nós mesmos cem por cento». Simón, por sua vez, ficou impressionado pelos dias juntos: «Gostei de fazer muitas coisas com meus amigos. As mesmas que também posso fazer com os outros, é verdade. Mas com outros nunca reflito muito, nunca relaciono o que fizemos com as coisas que nos acontecem todo dia».

Dois dos gestos que marcaram as últimas tardes foram o espetáculo teatral que contava o encontro de São Francisco de Assis com o sultão de Al Kamil e o vídeo do testemunho de Alessandro D’Avenia sobre três encontros que o marcaram em sua adolescência. Dias ricos, durante os quais Julieta e Luigi, que não se viam havia dois anos nem na escola nem nas férias, se encontraram de novo. Julieta se lembrava dele dormindo em suas aulas de religião. No entanto nesses dias viu um rapaz novo: «Vejo a mudança dele e acho que encarna o tema dessas férias: também para ele tudo começou com um encontro. E isso me dá uma esperança extraordinária. Para mim essa amizade é a esperança da Argentina. Parece exagerado, mas é assim. Não sei se um grupo de adolescentes normalmente volta tão feliz de alguns dias fazendo coisas simples: um passeio, jogos, assistir a uma peça de teatro... Esta amizade fala de um Outro».



Para Luigi, a conversa com Julieta e Águeda, outra professora, foi fundamental: «Quando Julieta disse que o que tinha me acontecido era um fato concreto, que Deus estava comigo, ela me fez reconhecer que graças àquele primeiro encontro, àquele meu sim, e graças às pessoas que constantemente me “geram”, posso viver ainda mais intensamente. Se uma coisa do gênero aconteceu, pode acontecer de novo muitas outras vezes, a ponto de que eu também posso gerar uma novidade nos outros».

O testemunho de D’Avenia impressionou a todos, a pondo de despertar conversas cheias de perguntas sobre a vida e permitiu que retomassem a questão de “quem sou eu” e “que história tenho para contar”. Não é possível contar o que não se tem, mas só a própria experiência, a própria vida. Águeda destacou um ponto chave: «Quantas vezes, em vez de pensar na “história que você veio contar” para dar a sua contribuição ao mundo, você se deixa levar pelo que “precisa fazer”. É fácil, mesmo quando se fazem coisas certas, esquecer quem se é e o que se quer. Por isso gostei de ouvir durante a assembleia dizerem: “Eu quero ser aquele que põe a tinta para que Deus pinte a sua imagem com a minha vida”. Descobri em mim o mesmo desejo deles».

LEIA TAMBÉM - Madri. Dom Giussani e o anúncio cristão

Terminadas as férias, todos voltaram para a vida do dia a dia. Esperando os garotos, as mesmas ruas, as mesmas casas, os mesmos rostos que tinham deixado. Só que eles já não eram os mesmos: algo tinha acontecido. Como diz a Escola de Comunidade, «experimentar uma correspondência real ao nosso coração é uma coisa absolutamente excepcional. Deveria ser normal na vida; no entanto, nunca acontece; quando acontece, constitui uma experiência excepcional». Então não resta senão pedir que ocorra novamente, que Ele aconteça de novo.