Volta às aulas: a retomada

Voltar à escola e aprender com o que aconteceu: “O essencial é o que dita um caminho. Não o novo em si, mas a novidade”. Anna Frigerio, diretora do Sacro Cuore de Milão, conta como o percurso destes meses reabriu a aposta educativa. Da Passos de setembro
Alessandra Stoppa

Há sete anos, Anna Frigerio trabalha na Fundação Sacro Cuore de Milão, onde é diretora dos Liceus Clássico e Científico e coordenadora pedagógica de todos os níveis (da educação infantil ao ensino médio, com mais de 1.200 alunos e 100 professores); durante muitos anos foi professora em escolas públicas. Sem muitos rodeios, dizia aos seus alunos: “Tudo o que vocês estão estudando, vão esquecer. Os grifos da Divina Comédia, as guerras persas, os teoremas... Então, o que vai permanecer para sempre?” Hoje essa pergunta tem uma acepção nova, enquanto a escola se prepara para reabrir e Anna para a fim de fazer o assíduo trabalho de reflexão e confronto junto com todos os professores: “Não para fazer uma ‘síntese’ depois da tempestade. É que o que aprendemos nos abre para outra coisa: ilumina o ordinário e mobiliza para o novo”. Mais que um balanço, uma retomada.

O novo ano letivo está começando. Podemos considerá-lo um “exame vestibular” para a própria escola, depois da provação – sem precedentes – da pandemia. Há quem veja nisso um ponto de chegada, e quem veja um ponto de partida: voltamos ao passado ou seguimos em frente?
Seguimos em frente, prestando atenção a dois riscos: de um lado, considerar a experiência vivida como uma reação à emergência, passada a qual voltaremos à escola “verdadeira”; de outro lado, uma excessiva ênfase no ensino à distância. A escola é presencial. Isso é inegável. Mas o que está em jogo na presença? O que é a relação com os estudantes? É tê-los próximos? E o que significa considerar o outro significativo?... É claro que vivemos esses questionamentos usando os instrumentos que temos: a tela de um computador não restitui a gentileza de um relacionamento, mas as aulas “ao vivo” também não garantem a percepção do outro. Tudo depende da sua postura. Então, o valor a ser conservado é o que significa estar profundamente numa relação.

Anna Frigerio

A senhora fala de “valor a ser conservado”. Todos dizem que agora precisamos “aprender” com o que aconteceu. Como?
Em primeiro lugar, é preciso perceber que o que descobrimos no lockdown não coincide com uma forma, uma modalidade. Mas toca questões de fundo, substanciais. Aprender com elas, conservar o que tem valor, requer uma postura humana de abertura.

Em que sentido?
Este período levanta muitas perguntas, põe em discussão esquemas estabelecidos. Dou um exemplo: há jovens que, na escola, “se escondiam”, enquanto no ensino à distância se expuseram mais. Então, o grupo-sala é por si só a melhor condição para o aprendizado? Não há dúvida de que, juntos, aprendemos, mas também vimos que o relacionamento individual é essencial...

Isto também é repetido como um mantra: voltamos ao essencial. A escola também teve oportunidade de refletir sobre as coisas “essenciais”. Mas o que significa?
Para mim, essencial é aquilo que pode ditar um caminho. Algo que nos faz entender como seguir em frente. Não é o novo em si, mas a novidade que pode ser identificada. Como eu disse, é essencial o tema do estar. Não se trata de um gesto da vontade, que me faz estar na sala de aula e dizer: “Agora estou presente”. É um trabalho sobre nós mesmos, na relação contínua com o outro, ou seja, com o estudante, e com os colegas.

Dê um exemplo.
Durante a pandemia investimos muito nos jovens. E não porque pensamos: “Agora vamos confiar”. Fomos obrigados a confiar. Para seguir em frente precisávamos fazer com que fizessem parte do trabalho pessoalmente. Tecnicamente, este é um modelo anglo-saxônico, no qual o jovem prepara os conteúdos e os carrega na plataforma para o professor, que parte desse material. Isso aprofunda a natureza de “diálogo” da aula. Mas, sobretudo, confiar – dando os instrumentos, um caminho de trabalho – permitiu um passo de autonomia no qual nasceram relacionamentos belíssimos. Fiquei muito surpresa.

Por quê?
O fechamento inesperado das escolas trouxe à tona o grande tema da liberdade. Nestes meses, a história de cada jovem e de cada criança foi diferente, e a diversidade dependeu disto: de como cada um foi ajudado e solicitado ao uso da liberdade. Vi alunos florescerem e vi outros se afastarem. Em percentagem, os primeiros são mais numerosos, mas a ferida permanece. Mas o mais surpreendente é que os jovens que aceitaram o desafio de serem mais autônomos são os que mais buscaram um relacionamento com o professor. Para mim, esse é um dos fatos mais preciosos. E, se foi necessário confiar nos jovens, aconteceu a mesma coisa com os conteúdos.

Confiar nos conteúdos?
Sim, escolher aqueles que têm a força não de criar um “sistema moral”, mas de fazer emergir o sujeito. Não é a escola que “cria” o sujeito: o sujeito existe, e emerge.

Voltemos à “posse para sempre”, de Tucidide.
Eles vão esquecer Dante, mas permanecerá tudo o que experimentaram nos relacionamentos que Dante viveu: uma maneira de olhar, de se deixar traspassar pela dor do outro, de se render, comovidos pelo fato de que a razão tem um retrocesso e penetra em um “além”... Acontece a mesma coisa com as disciplinas científicas: que argumentos constroem um pensamento matemático? Há exercícios, talvez muito banais do ponto de vista do gosto pela disciplina, mas que ensinam um modo de agir ordenado, um pensamento crítico. Então, significa dizer aos jovens: eu lhe dou um trabalho, oriento você, acredito que sua sensibilidade e sua inteligência podem compreender os conteúdos e tenho certeza de que você pode “devolver” muito mais do que uma repetição do que eu disse. A questão da confiança é muito ampla...

E como isso provoca o “sistema escolar”?
Recoloca no centro o valor formativo dos conteúdos. Quais constroem a pessoa? Quais são capazes de traçar um caminho de significado dentro das disciplinas? Não há receitas, que fique claro. Não se trata de fazer um elenco dos conteúdos que não se pode deixar de saber. Isso significa, para um professor, fazer um trabalho extraordinário e ser audaz nas escolhas.

O que os guia no trabalho?
O ensino “à distância” foi um teste de estresse muito forte: pediu um empenho imenso e também representou uma riqueza incrível. Diria que, em primeiro lugar, trouxe à tona o que já havia antes: percebemos uma capacidade de trabalho, de realização, de criatividade que derivava de uma história. Uma história sempre criticamente vivida.

A senhora se refere à tradição de sua escola?
A Sacro Cuore nasceu da paixão educativa de Dom Giussani, e o trabalho que é realizado aqui, desde o início, é um aprofundamento, mesmo que conturbado, da origem. Para compreendê-la existencialmente.

O que é essa origem, hoje?
É a contínua reflexão sobre a natureza da razão. Sobre o que é a razão e o que quer dizer educar para um exercício dela que envolva todo o humano, que permita fazermos perguntas sobre a realidade, não sermos investidos pela dúvida, mas por uma hipótese cheia de certeza a partir de uma sincera abertura para com as coisas. Acho que a insistência sobre a razão – não como mecanismo asséptico, mas como envolvimento de toda a pessoa – é a origem desta escola. Mas a coisa mais bonita é que isso vem de uma relação “de mérito”, no fazer a escola.

E como a centralidade do sujeito se torna visão e, portanto, também estrutura?
Se de repente você precisa mudar tudo – como aconteceu –, não se cria um modelo em quatro dias. É preciso estruturar: escolher, arriscar; não dá para seguir em frente improvisando. Nós, por exemplo, decidimos não replicar on-line exatamente o horário das aulas. Então, precisamos trabalhar muito para fazer uma programação articulada, acrescentando outros instrumentos às aulas: vídeos gravados, encontros individuais e em grupo, correção de tarefas, revisão de provas... E comunicando antecipadamente aos jovens o plano de trabalho da semana seguinte, com as atividades que deveriam fazer. Foi um trabalho insano. De grande sinergia entre os professores. Este também é um ponto que dita o caminho, agora.

O trabalho em conjunto?
O lockdown exaltou a corresponsabilidade. Repito: vimos a grande potencialidade de coisas que observávamos todos os dias, mas que nunca ousamos olhar verdadeiramente. Como a colaboração dos jovens nas aulas, ou o Conselho de Classe: é crucial que se tenha um olhar “conjunto” para os alunos e que o percurso cultural seja compatibilizado, que as matérias se comuniquem, não só as de áreas afins. Sempre olhamos com desconfiança para a organização, pelo medo de que tudo se tornasse rígido. Mas uma estrutura pode exprimir uma amplitude de visão: se nos aliamos com o que emerge da vida, da história, do que aconteceu e do que vimos. Permanecendo flexíveis. Trata-se de manter o realismo que nos guiou nos últimos meses.

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Mas há escolas em que os recursos econômicos são uma questão de vida ou morte.
Entendo que é preciso uma batalha política, porque é um atentado à liberdade de educação, mas o caminho é encontrar interlocutores sobre o valor da escola. Senão, ficamos parados em paradigmas que nos paralisam. Acredito que o tema político seja outro: com a escola, educamos para a ideia de uma “comunidade de destino”. Gosto dessa expressão em voga, porque o destino é a dimensão mais pessoal que existe; no entanto, somos chamados a estar juntos... E a política pode decepcionar essa tensão ao destino que a escola faz crescer. A grande responsabilidade da política não é redutível aos recursos, mas sua responsabilidade é reunir essa tendência: que seja política.

A senhora disse que o desafio é não sermos investidos pela dúvida, mas por uma hipótese cheia de certeza. Qual é ela?
Confiar na própria humanidade. O resultado mais comovente de uma educação é que um jovem possa comparar-se com toda a sua humanidade. Entre os jovens há o grande risco de quererem ser guiados pela mídia: “Diga o que você quer e eu faço”. Qual é o antídoto para isso? Serem profundamente eles mesmos. E a humanidade é um trabalho: acontece continuamente na pessoa. A escola deve fazer isso crescer respeitando os “momentos” de um jovem, senão vira ideologia. Há muitas coisas nas circunstâncias históricas que estamos vivendo... mas todas elas remetem à questão da humanidade. Talvez estivéssemos “achatados” em perceber o que somos.