A grande necessidade do homem
De que Beleza falou o Papa em Barcelona?O padre Marko Rupnik fala do trabalho dos mosaicos da capela do Santíssimo Sacramento da Santa Maria La Real de la Almudena, feitos a partir do coraçãoA cor do amor chegou a Madri. A cor do amor é o atelier do Centro Aletti que trabalhou dez, onze horas por dia durante quase duas semanas na capela do Santíssimo Sacramento da Igreja Santa Maria La Real de la Almudena, para fazer dela um lugar digno de ser habitada pela Presença. É a cor do amor, porque o que se vê durante o trabalho é comunhão de olhos, vozes, alegria, amizade, línguas e culturas diferentes. Simplesmente pessoas verdadeiras. Entre andaimes, espátulas e esmaltes, brilha uma luz extraordinária que se mistura com a a sabedoria das cores do arco-íris. O padre Rupnik ouve, questiona, se preocupa com cada detalhe, capturando com seu olhar a unidade do trabalho que vai tomando forma. O encontramos em uma pausa do trabalho, para preparar a próxima reunião com o Papa que vai acontecer durante a Jornada Mundial da Juventude de Madri, em agosto deste ano.
Em sua homilia na dedicação da Sagrada Família em Barcelona
Bento XVI disse: "A beleza é a grande necessidade do homem.” Que beleza o homem necessita hoje?
Falando de beleza, me refiro a dois autores que fizeram uma síntese formidável: Soloviev, que diz que "a beleza é a carne da verdade e da bondade", e Florenski, que explicitou ainda melhor: "a verdade revelada é o amor, o amor é feito de beleza". Acho que Bento XVI se referiu a esta beleza, porque esta é a beleza que o mundo precisa. Na minha opinião, beleza, sendo a realização do amor na história pode se revelar falsa ou apenas romântica. O homem europeu gradualmente se perdeu em muitas coisas, e vive uma grande confusão. A beleza, na minha opinião, foi perdida quando caiu nas mãos da filosofia moderna, e, em seguida, no idealismo e romantismo individualista, terminando em estética.
A que você se refere?
A grande tragédia - e uso deliberadamente esta palavra - do espírito europeu é que excluímos do âmbito do conhecimento o mundo da Criação, e, portanto, o mundo material e corpóreo. Assim qualquer coisa passou a ser "conhecimento", e tudo se tornou "verdade", entendida apenas em determinado sentido. Essas duas coisas, o corpo e o mundo material, têm sido cada vez mais taxados como irrelevantes para o mundo do conhecimento. A tal ponto que na prática relegamos o corpo e a matéria à ética e à moral. Assim, conseguimos atrair, ao longo dos séculos, uma rejeição tremenda à fé e à Igreja, porque o mundo passou a considerá-la como a autoridade que sufoca a realidade do corpo e do mundo material sob a ética e a moral, ditando regras de comportamento. Para falar sobre a beleza hoje, na minha opinião, é absolutamente necessária uma visão orgânica e genuinamente teológica do símbolo. Como isso se perdeu, hoje é muito difícil falar sobre beleza.
Julian Carrón a este respeito cita uma passagem da encíclica Deus Caritas Est: "A real novidade do Novo Testamento não reside em novas ideias, mas na figura de Cristo, que dá carne e sangue aos conceitos e um realismo sem precedentes ".
A afirmação de Bento XVI é tão óbvia, tão própria do Catecismo, mas agora soa quase chocante, porque nós, europeus, somos especialistas em fazer ideologia de tudo, até o ponto de também reduzir Cristo a uma cristologia. O que deve procurar o cristão hoje em uma situação em que essa afirmação da encíclica é quase escandalosa? O cristão deve procurar a unidade da vida e do pensamento, a unidade do que vive com o que pensa. Fazemos muito boas obras, somos uma Igreja que está até cansada de tanto que já fez. Mas ao fazer um exame de consciência, devemos perguntar: "Mas ante estas boas obras as pessoas ficam indiferentes? Ou as usam, admiram e até aplaudem, nos agradecem e algo se move em seu coração e começam a louvar ao Padre Nosso que está no céu. Se isso não acontecer, nossas obras não são verdadeiramente um bem, são obras desse amor pagão de que se falou antes. Caso contrário, alguma coisa se moveria e eles veriam. Não pode ser de outro modo. Ao restringir o mundo material e corpóreo à ética e moralidade, suscitamos admiração por nossos sucessos, não por Deus. Porque diante da ética e da moral do trabalho se diz: "Como vocês fazem bem!", mas não "Como é belo!" Aqui está Deus. Só a ontologia desperta espanto que faz dizer "Que lindo!" O sucesso não é atraente. Pode nos levar a fazermos comparações com os os outros, para admirá-los ou constestá-los, mas não é atraente. Para que algo atraia é necessário a Beleza.
(Extraído da revista Huellas)