Hildegard, uma criatura apaixonada
Abadessa que viveu no século XII foi proclamada pelo papa Bento XVI “Doutora da Igreja”. É a quarta mulher a receber esse reconhecimento. “Fechada entre quatro paredes” nos mostrou de onde nasce a civilidadeUm modo de viver diferente, a novidade da vida, consiste no fato de um homem perseguir em tudo o seu destino: persegue em tudo Cristo, o seu destino. Tendo-o reconhecido, persegue em tudo o seu destino.
Centenas de milhares, milhões de pessoas viveram assim e criaram uma nova civilidade. Perseguir em tudo o destino: “Quer comais, quer bebais”. Será que o monastério de Cluny – cito Cluny como exemplo –, com as centenas de mulheres e homens que viviam lá, era um lugar difícil de suportar, árido, sem significado, sem emoção? Para aqueles homens e mulheres era uma fonte emotivamente muito rica. E quando escutamos as peças de Hildegard Von Bingen, ouvimos palavras e música de uma mulher que vivia fechada entre quatro paredes e, se prestamos atenção, dizemos com maravilha: “O que vivemos não é progresso: em relação ao que eles viviam, vivemos um atraso!”. Porque progresso não é a descoberta de máquinas novas, particularmente capazes de pousar na Lua ou em Marte, ou capazes de eliminar não só o pelo da barba mas também sua raiz, de modo que não se precise fazer a barba durante três dias... O avanço da civilização não é isso. O avanço está além do mecanismo. Quando alguém diz “eu” ou “tu”, não descreve um mecanismo. Aquilo que possui todos os mecanismos que temos no corpo, não é mecanismo.
O homem que encontra Jesus, diz sim a ele e o segue penetrando nesse relacionamento, se torna um novo ser, adquire um modo diferente de olhar, de conhecer, de julgar, de enfrentar a realidade, de fazer. Adquire um novo amor por tudo o que existe.
“Todos vocês que são batizados tornam-se semelhantes a Cristo: não existe mais nem judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nem homem, nem mulher, mas todos sois um só em Cristo”. É esse povo que cria a história. Por isso, o filósofo McIntyre escreve: “Um ponto de reviravolta decisivo na história antiga se deu quando homens e mulheres de boa vontade desistiram da tarefa de construir o império romano e deixaram de identificar a continuação da civilização e da comunidade moral com a conservação de tal império. A tarefa que, ao contrário, assumiram (normalmente sem dar-se conta plenamente do que estavam fazendo) foi a construção de novas formas de comunidade onde a vida moral pudesse ser sustentada, de modo que tanto a civilização quanto a moral tivessem a possibilidade de sobreviver numa época incipiente de barbáries”. (Depois da virtude. Ensaio de teoria moral, 1993).
A civilização é tal na medida em que exalta a pessoa segundo a totalidade de seus fatores, a acompanha no seu caminho de reconhecimento e de expressão de si, e faz da sociedade uma família, um lugar familiar, um povo. No entanto, agora não há mais povo, não há mais casa, não há mais família, não há mais pessoa. Assim, na mentalidade moderna, o sentimento reduzido a sentimentalismo prevalece sobre a razão. Mais, o sentimento prevalece sobre o coração, tanto que o coração é identificado com o sentimento. Por isso, o sentimentalismo provoca a dissolução de tudo, de qualquer concórdia, de qualquer coesão, de qualquer organismo, de qualquer organização.
Ao contrário, para quem vive a razão até o fundo, toda criatura, pequena ou grande, é reflexo do Eterno. Então é abolida a estraneidade e nasce uma paixão maior até que aquela entre um homem e uma mulher. E quando se volta para Cristo, essa paixão assume o calor de algumas notas cantadas, nas quais se percebe que não são palavras, nem proclamação. É amor: amor a Ele.
Esta é a vitória que vence o mundo: a fé, reconhecer essa Presença. Isso era reconhecido pela abadessa Hildegard Von Bingen com uma sensibilidade e intensidade que podem ser percebidas em todas as suas músicas. A Igreja é esse lugar que, como diz o canto Ave Generosa, vibra, reluz de alegria.
(Introdução de Luigi Giussani ao CD da coleção Spirto Gentil Hildegard von Bingen, Ave Generosa)