Papa Bento XVI.

A beleza do adeus

A seguir reproduzimos um artigo publicado no site espanhol Páginas Digital no dia 1º de março de 2013
Julián de la Morena

Ele não se despediu como um líder mundial, ainda que o mundo o reconheça como tal, mas como um pai que quer o bem de seus filhos.
Bento XVI não escondeu sua fraqueza física de ancião de 85 anos, o que não o impediu de dar a razão de sua renúncia como Papa da Igreja Católica: “para o bem da Igreja”.
Não fez análises ou avaliações políticas de seu pontificado, tampouco proferiu palavras de amargura ou de crítica pelas incompreensões e preconceitos com os quais foi julgado durante anos por parte de pessoas próximas e estranhas.
Chegou à cátedra de São Pedro há oito anos descrevendo-se como “um trabalhador da vinha do Senhor”, e a deixa dizendo que ele não é o dono da Igreja, que “a Igreja é de Cristo”; que o seu “sim” ao Criador é “desde sempre e será para sempre”. Ele não está se aposentando.
O Papa Ratzinger se dirigiu a todos, falando como homem a outros homens, falando de coração a coração, e muitos o entendemos. Não pretendeu ser valorizado por aquilo que fez, que certamente foi muito. Dedicou suas últimas palavras a falar daquilo que ama, do ideal da sua vida que continua vivo e jovem. Dedicou palavras de agradecimento até mesmo ao inverno romano, mostrou-se realista e sincero falando também dos dias de sombra. Por fim, da sacada de Castel Gandolfo, se autodefiniu simplesmente como um “peregrino no fim de sua caminhada”, emigrando sempre de uma cidade à outra, em busca de sua Pátria Definitiva. Em seu último tweet desejou a todos: “Obrigado pelo vosso amor e pelo vosso apoio! Possais viver sempre na alegria que se experimenta quando se põe Cristo no centro da vida”.
A primeira vitória do Papa alemão foi, sem dúvida, sua pessoa, o caminho que percorreu como homem de fé, um homem que quis afirmar, até o fim, o seu segredo: “Onde há Deus, há futuro”.
Não chegou à Santa Sé para resolver problemas, ainda que tenha resolvido muitos, nem para nos dizer o que devíamos fazer, como se poderia esperar de um clérigo. Quem ler atentamente as suas mensagens não encontrará traços de moralismo (nem mesmo Cristo desceu a Terra para nos poupar da fadiga quotidiana ou para resolver as dificuldades da vida).
Trabalhou para a missão que tinha, aquela que Cristo lhe confiou: cuidar do Seu rebanho e encontrar a ovelha perdida. Neste sentido, não vacilou em construir pontes com todos os homens, num eloquente diálogo com a modernidade que sustentou durante todo o seu pontificado. Muitos reconheceram isso nele. Wael Faroq, importante professor muçulmano no Cairo, afirmou que o Papa (hoje emérito) “é um homem que se transforma em acontecimento, homem-acontecimento, um dos casos excepcionais em que as respostas se transformam em perguntas e as perguntas em um percurso de maravilhamento, onde o amor e a fé não têm limites”.
Sem dúvida, a herança que ele nos deixou é enorme e precisaremos de tempo para assimilá-la. Compreender e incluir foram a sua maneira de se relacionar com homens de diferentes crenças, mostrando uma confiança na razão e no coração do homem, desafiadora. Mostrou a todos que pensa naquilo que diz e que diz aquilo que pensa.
“Que o Mistério da Encarnação continue a estar presente para sempre. Cristo continua a caminhar através dos tempos e dos lugares”. Assim se despediu Bento XVI enquanto caminhava inseguro com passos pequenos, porém forte na sua fraqueza. O seu limite e o seu desgaste físico não o impediram de ser uma Presença que enche de esperança, “o início de algo novo”, como disse ao seu biógrafo.

*O autor é o Responsável de Comunhão e Libertação na América Latina

Fonte: Páginas Digital