Frente aos sinais da Paixão
Teve início em 19 de abril até o dia 24 de junho, na Catedral de Turim, a exposição extraordinária do lençol que, segundo a tradição, envolveu o corpo de Jesus. Propomos novamente um artigo de Passos para tentar entender os indícios que levam àquele HomemJosé de Arimateia, então, “tendo comprado um lençol, desceu-o (o cadáver de Jesus), enrolou-o no lençol e o pôs num túmulo que fora talhado na rocha” (Mc 15,46). Assim, de um modo bastante sintético, o evangelista Marcos narra o sepultamento de Jesus. Mateus e Lucas mencionam também o sepulcro novo e o lençol de linho (Mt 27,59; Lc 23,53). João parece afirmar algo diferente: “Eles tomaram então o corpo de Jesus e o envolveram em faixas de linho (othonia) com os aromas, como os judeus costumam sepultar” (19,40). O termo aparece de novo no relato da visita de Pedro e João ao sepulcro vazio (20,3-9). Por qual motivo João usou um outro termo grego e, além do mais, no plural? Na realidade, esse termo grego é sinônimo de “lençol”, dado que, entre seus vários significados, há também o de “grande pedaço de tela”. O plural deve-se a uma leitura não de todo correta do termo aramaico original: o dual, que significava “tela dupla”, foi lido como um plural. Provavelmente João utilizou o dual para descrever mais detalhadamente a tela que havia coberto o cadáver de Jesus e que corresponde exatamente ao santo sudário de Turim: uma tela dupla.
O estudo científico multidisciplinar que se realizou sobre ele, a partir de 1898, ano em que Secondo Pia descobriu que a imagem do lençol se comporta como um negativo fotográfico, evidenciou o fato de que não estamos diante de uma pintura, mas de uma marca, cuja formação permanece ainda um mistério. Ao lado da imagem, manchas de sangue espalham-se por todo o tecido. Os cientistas descobriram que o sangue contém alta porcentagem de bilirrubina; portanto, se trata de uma pessoa que sofreu um tormento atroz, e que as marcas são de dois tipos: sangue que jorrou das feridas de uma pessoa viva, e sangue de cadáver, como a marca do peito atravessado por uma lança romana. Como os estudos científicos evidenciaram, estamos diante da prova arqueológica mais impressionante sobre a pena da crucificação. Mas quem é a vítima?
Antes de procurar uma resposta para essa questão, precisamos colocar uma premissa: certos sinais de tortura impressos no lençol são típicos de qualquer crucificação; outros são excepcionais, característicos dessa crucificação, e permitem identificar a vítima. Citemos os mais vistosos. Uma das características mais evidentes desse homem crucificado é que ele foi flagelado; a flagelação era um castigo independente da crucificação, como o demonstra claramente a quantidade de golpes recebidos (cerca de 120) e a sua distribuição por todo o corpo. Normalmente, quem era crucificado também recebia a flagelação durante a caminhada ao lugar do suplício, para debilitar o seu corpo e abreviar a tortura da cruz. Se tivesse sido usada essa modalidade com o homem do sudário, os sinais das chicotadas não apareceriam por todo o corpo. Segundo Jo 19,1 e Lc 23,25, Pilatos ordenou a flagelação de Jesus como pena alternativa à crucificação; as autoridades judaicas, porém, não ficaram satisfeitas e exigiram a sua morte na cruz.
Outra peculiaridade: a cabeça do condenado foi coberta por uma coroa de espinhos, no formato de um capacete (não de um anel), como eram as coroas orientais, pois as feridas de espinhos espalham-se por toda a cabeça. Três evangelistas concordam em assinalar que os soldados, escarnecendo de Jesus, trançaram uma coroa de espinhos e a colocaram na cabeça dele (Jo 19,2; Mc 15,17; Mt 27,29). O rosto do crucificado do sudário mostra contusões, sobretudo no lado direito do rosto, por causa de um forte golpe aplicado com um objeto duro. Os evangelistas referem que um servo do sumo sacerdote golpeou Jesus com um bastão, para castigá-lo pelo modo como respondeu à suprema autoridade judaica durante o processo diante do Sinédrio (Mc 15,19; Jo 19,3).
Além disso, é surpreendente que esse condenado tenha sido sepultado num túmulo particular, ao invés de ser jogado na vala comum, e ainda mais, envolto num caro lençol de linho, sobre o qual foi espalhado óleo de aloé e mirra. Os evangelhos referem que José de Arimateia e Nicodemos envolveram Jesus num lençol de linho e espalharam sobre ele cem libras desses dois perfumes (Mc 15,42-46; Jo 19,38-40). Enfim, é surpreendente que o cadáver envolto pelo santo sudário não tenha se decomposto, pois não há sinais de putrefação.
Outros detalhes, embora típicos de qualquer crucificação, também podem contribuir para a identificação do personagem do sudário. A parte posterior da costa está coberta de escoriações, pelo fato de ter suportado o peso da cruz. Essa cruz, de fato, era apenas o patibulum, ou o pau transversal dela, e geralmente pesava cerca de quarenta quilos. As feridas dos flagelos, nessa parte do corpo, estão amassadas, mas não dilaceradas, apesar do atrito do patibulum. Os evangelhos dizem que Jesus carregava a cruz, mas como estava muito fraco pelas torturas sofridas, não conseguiu levá-la sozinho até o Calvário (Mc 15,20); as feridas, portanto, não ficaram diretamente em contato com a madeira. O sangue do homem do santo sudário demonstra que o condenado morreu por desidratação, sofrendo grande sede. João, em seu evangelho, descreve a tortura da sede a que Jesus foi submetido (Jo 19,28ss).
Essas características, e outras que deixamos de destacar por falta de espaço, tornam evidente a identidade da vítima: Jesus de Nazaré. Na homilia de 24 de maio de 1998, na catedral de Turim, João Paulo II definiu o santo sudário como um “espelho” dos relatos evangélicos da paixão e morte de Jesus. Se a Terra Santa foi considerada o “quinto evangelho”, o sudário dever considerado o quinto relato da tortura sofrida por Jesus. Certamente muito mais expressivo do que as breves narrativas transmitidas nos primeiros escritos cristãos. Todavia, o significado de todo esse sofrimento é explicitado somente pelo anúncio da Igreja: “No incomensurável sofrimento documentado por ele [o santo sudário], o amor dAquele que amou tanto o mundo que deu seu Filho unigênito torna-se quase palpável e manifesta suas surpreendentes dimensões. Diante dele, os crentes não podem deixar de exclamar com toda verdade: Senhor, não poderias ter me amado mais do que o fizeste! e tomar consciência imediata de que o responsável por todo esse sofrimento é o pecado, os pecados de todos os seres humanos” (João Paulo II).
Alguns ensaios – como Sudário. O retorno à vida, de Giuseppe Catalano, e Cem provas sobre o Sudário, de Giulio Fanti e Emanuela Marinelli – recorrem à ressurreição para explicar a formação da imagem; aliás, o lençol é considerado uma prova desse fato.
A ressurreição de Jesus é um acontecimento único, cuja verdadeira natureza é expressa pela Igreja com estas palavras: “Ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai”. Quer dizer: a ressurreição de Jesus não significa o retorno à vida deste mundo, mas a sua exaltação na glória do Pai. Trata-se de um evento que acontece no além, que o homem não pode conhecer apenas por meio de suas capacidades intelectuais. Esse evento, portanto, acontece com o crucificado Jesus de Nazaré; por isso, será possível constatar alguns traços ou sinais dele nesse cadáver. As primeiras testemunhas cristãs deixaram notícias do desaparecimento do corpo no relato do encontro do sepulcro vazio como primeiro indício da ressurreição; dado que os inimigos judeus não puderam negá-lo, tentaram justificar o fato dizendo que ele fora raptado pelos discípulos. Nesse sentido, podemos também considerar o sudário como um indício, enquanto testemunha de algo excepcional: o corpo que ele envolveu não se corrompeu. Esse cadáver não sofreu o normal processo de decomposição que afeta todos os falecidos. Como explicar tal fenômeno? Só acolhendo o testemunho dos discípulos. Que viram Cristo gloriosamente vivo depois da morte.
(Artigo retirado de Passos n. 114, abril/2010)