O Papa "off road" interessado somente na humanidade
Acompanhou Francisco na sua visita em Uganda, Quênia e República Centro-africana. Entre a favela de Nairóbi, a Porta Santa em Bangui e o hotel bunker dos correspondentes. A entrevista com Aura Miguel, vaticanista pela Rádio Renascença de LisboaO que a marcou?
Ao chegar, você fica chocado com aquilo que vê. A gente partiu de uma vida “cômoda”, à qual está acostumada. Mas já do avião que está aterrissando para a primeira etapa no Quênia, começa a ver umas manchas marrons. E aos poucos entende que são habitações. As favelas. E ali, você pensa, naqueles barracos de Nairóbi habita 65% da população da cidade! Depois você vê de perto: é um soco no estômago. Como é possível viver ali? Segundo os nossos critérios é um escândalo. Não é que nunca tinha visto uma favela. Em geral quando viajamos, encontramos estas realidades. Mas diante de tantas coisas, muitas vezes não notamos. Temos outros interesses. Especialmente se viajamos a turismo. Vamos ver aquilo que nos interessa. Como que distraídos frente ao que existe. Aqui, ao contrário, foi como se Francisco tivesse deslocado o centro do Papado para mostrar ao mundo esta humanidade cheia de valor, à qual poucos prestam atenção, ou muitos fingem que não exista. Assim, você se encontra finalmente a olhar estes lugares e se pergunta como será possível fazer alguma coisa, mudar tudo isto. Mas é tão gigantesca a pobreza que eu pensei: “Não há nada a fazer…”. Ao invés, Francisco foi lá, come “voz daquele que grita no deserto”, para dizer exatamente o contrário. Foi lá no meio. Com o calor, a poeira, os deslocamentos, os mosquitos, o perigo de atentados… A ele interessava somente aquela humanidade de gente que tem a minha mesma dignidade. Com a diferença que eles não o esquecem, porque são obrigados a viver no essencial. E este espetáculo, já difícil de entender no Quênia e em Uganda, tornou-se ainda mais visível e dramático na República Centro-africana.
Por quê?
Porque você observa as favelas em Nairóbi e pensa: “O que há de pior do que Kibera, uma favela de um milhão de pessoas?”. Não existe alguma coisa pior. Depois você chega a Bangui, onde há a violência, a guerra, a devastação. E em todo canto a dramaticidade daquilo que vive aquele povo salta à vista. Que impacto a respeito do fato que Francisco tenha querido abrir a Porta Santa exatamente ali, onde muitos lhe haviam até aconselhado para não ir. Também porque teria sido difícil garantir a segurança. E era verdade. Tanques de guerra, capacetes azuis, uma proteção incrível. O hotel onde estávamos parecia um bunker. Em volta, esses bairros dos quais, logo que chegamos, as pessoas saíram e se espalharam nas ruas. Uma alegria indescritível. Mas como podem? É uma coisa do outro mundo para mim. Mas o coração deles estava mais aceso do que o meu. E era tão potente a ponto de fazê-los sair na rua apesar do perigo, com o toque de recolher, depois do pôr-do-sol e sem luz, com o risco de serem mortos. Entretanto valia a pena porque o coração deles desejava alguém que falasse da verdade para eles.
E além disso a Porta Santa… Mas por que ali em Bangui?
“Capital espiritual da Misericórdia”, assim ele ha chamou. E eu penei: “Que nada… Bangui hoje pode ser a capital da desgraça humana”. Com quatrocentos mil refugiados, dez mil crianças-soldados, um milhão e meio de pequenos desnutridos: como podia chamá-la “capital espiritual”? Ao invés isto foi um sinal daquilo que é o seu Pontificado, um outro auxílio a entender para onde olhar e que o nosso pequeno espaço de “conforto quotidiano” não é afinal tão importante assim. A verdade passa por outra coisa. Pelas coisas que mais correspondem ao coração. E talvez tenha devido ir a uma periferia assim tão extrema, para ajudar-nos a entender o que é essencial.
Parecia muito feliz de estar ali.
Sim. Sereno. Mais do que em outras ocasiões, em outras viagens. Na África não há espaço para o subjetivismo, que mede e pesa. Para aquela gente tudo é questão de vida ou de morte. E as coisas que se referem à vida se reconhecem imediatamente. A insistência do Papa sobre as periferias é também por isto. Ele vai à periferia do mundo para nos fazer entender a Misericórdia. A República centro-africana tem necessidade do perdão. Mas nós também. É igual.
O que tem a ver a educação nisso tudo? Foi um fio condutor de tantos discursos “africanos”.
Porque ele é realista. Também outros que falam de África a sublinham. Mas ele é um “fora de estrada”. Vai sobre o campo, aonde os outros não vão. Para acompanhar as tristezas, as angústias, as alegrias e as esperanças humanas. Mas, além disso, é também portador de uma proposta de crescimento de humanidade. E esta passa também pela educação. Ou seja, na consciência que uma pessoa, para mudar, crescer, deve relacionar-se com os outros. Não há outra possibilidade. Com muito mais razão em Países pobres e nos quais existem conflitos de qualquer tipo, esta é a prioridade. A educação e o respeito pelos outros. Que afinal andam junto. E ali estava claro. Falou de tribalismo, de terrorismo… Francisco é fenomenal. Ele traz de Roma os discursos. Depois os deixa de lado, sobretudo quando encontra os jovens, e começa a dialogar de verdade com eles. Escuta-os, faz-lhes perguntas, parte daquilo que dizem para explicar as coisas. Um catequista.
Papa dos jovens, portanto, não só das periferias?
Foi sempre assim. Certamente que o leem como Papa dos pobres. Tenta-se sempre classificá-lo, colocá-lo num esquema. “O Papa da pobreza”. Ao invés ele subverte todo esquema. É um Papa doado ao mundo para converter, mudar todos. Também nós, que achamos saber e ter visto tudo. Há um frescor ao abordar temas que já sabemos, em virtude do qual, por meio dele, descobrimos que não entendemos nada… Não há nada de óbvio. Ele o faz com os jovens, com esta vivacidade. Mas o faz com todos. E é um espetáculo.