Estátua de São José adormecido, muito cara a Papa Francisco

A identidade de José, o santo do antiprotagonismo

Nos Evangelhos pouco se fala dele e não são citadas suas palavras. O pai e guardião de Jesus, "patrono da Igreja", cuja festa é celebrada dia 19 de março. Eis o que se sabe dele e como falaram dele os últimos dois Papas
Andrea Tornielli

São José, "patrono da Igreja", cuja festa se celebra dia 19 de março, é uma figura que a própria Igreja "descobriu" com certa lentidão. Não se encontram indícios do seu culto nos calendários litúrgicos ou nos martirológios antes do século IX. No Ocidente, o culto aparece oficialmente no século XI: um oratório lhe é dedicado na catedral de Parma (ano de 1074) e uma igreja é construída em sua honra em Bolonha (1129). Lá pelo final do século XIV difunde-se a festa de 19 de março dedicada ao santo, que se torna de preceito em 1621, por decisão de Gregório XV. Em 1870 é que Pio IX proclama São José como patrono da Igreja e no ano seguinte reconhece-lhe o direito a um culto superior ao que é dedicado aos outros santos. Foi o Papa Francisco, enfim, com um decreto da Congregação do Culto Divino datado de 1º de maio de 2013, que inseriu a menção a São José no cânon da Missa, na prece eucarística, logo depois do nome de Maria e antes dos nomes dos apóstolos.

O Evangelho de Mateus
Segundo o Direito judaico, é através de seu pai que Jesus pertence a uma estirpe, justamente a de Davi. O primeiro dos dois Evangelhos da infância, aquele segundo Mateus é todo centrado na figura do pai putativo José, sublinhando que o Menino pertence à estirpe de Davi. Assume, pois, particular importância a aceitação, por parte do carpinteiro, do menino que é filho da sua jovem noiva, mas não seu. José é citado somente nos poucos parágrafos dos Evangelhos da infância, onde, aliás, não se reproduzem suas palavras.
Seu nome em hebraico significa "Deus o acolha!" ou "Que ele reúna!", e é o mesmo de outros seis personagens bíblicos. A tradição diz que ele era velho. Na origem dessa tradição está não somente a sua total ausência no momento em que Jesus inicia o seu ministério público, ausência que levaria a presumir que na época ele já não estaria vivo; está também a vontade, toda apologética, de pintar José como um homem velho, até mesmo decrépito, para evitar qualquer insinuação sobre a castidade e sobre a virgindade de sua esposa Maria.

Migrante e fugitivo
A iconografia clássica o apresenta, depois, sobretudo como ancião, que se apóia num longo cajado. José, com Maria e depois com o menino Jesus, foi migrante e fugitivo. Migrante por causa do censo, que o obriga a viajar de Nazaré a Belém: aí nasce o menino, nas precárias condições descritas pelo evangelista Lucas. Depois, fugitivo, obrigado a ir para o Egito, atravessando a fronteira de um país tradicionalmente acolhedor, para escapar da espada dos soldados de Herodes, os quais tinham recebido a ordem de matar todas as crianças pequenas de Belém.

O carpinteiro
Qual profissão José exercia? No Evangelho de Mateus (13,55) se lê esta definição de Jesus: "Por acaso não é ele o filho do carpinteiro?". Cristo mesmo é definido pelo evangelista Marcos (6,3) como "carpinteiro". Estamos acostumados a traduzir o termo grego "tékton" por "carpinteiro". Mas estudos mais recentes tendem a reconsiderar essa definição e propor José mais como "construtor" do que como carpinteiro, embora essa, obviamente, seja apenas uma hipótese. "Tékton", na época, indicava sobretudo um operário que trabalhava material duro, portanto não só madeira, mas também pedra, e que sabia fazer de tudo. Um indício que nos levaria a tender para a solução que vê José como um construtor seriam algumas parábolas de seu filho, dedicadas à arte de construir uma casa. Por exemplo, em Mateus (7,24-26): "Por isso, quem escuta as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem sábio que construiu a sua casa sobre a rocha...". E em Lucas (14,28-30): "Quem de vós, querendo construir uma torre, antes não se senta para calcular a despesa, se tem os meios para concluí-la? Para evitar que, depois de lançar o alicerce, não pode terminar o trabalho, e todos aqueles que veem comecem a rir, dizendo: Ele começou a construir, mas não foi capaz de terminar o trabalho".
A menos de seis quilômetros de Nazaré surgia Séforis, cidade que até o ano 20 a.C. foi a capital da Galileia, depois suplantada por Tiberíades. Carsten Peter Thiede lançou a hipótese de que José e o filho Jesus tenham trabalhado na sua construção. A profissão de José, de qualquer modo, devia ser tal que possibilitava à família viver dignamente.

"Era justo"
Outro destaque merece a expressão usada por Mateus para definir José: "era justo". O termo hebraico "sadiq" - explicam os estudiosos - significa "homem exemplar", que respeita a Lei, um judeu "praticante", observante, que devia, pois, possuir certa cultura e conhecer tanto o hebraico quanto o aramaico: o primeiro era a língua clássica de Israel, o segundo era a língua comumente falada naquele tempo. Uma antiga tradição rabínica une o ofício de "trabalhador construtor" com uma formação especial, isto é, com um conhecimento acima do comum do texto bíblico e com uma insólita capacidade de explicá-lo. José, escreve Mateus, é um homem "justo" e misericordioso: quando tomou conhecimento da gravidez de Maria, antes de receber em sonho a mensagem de Deus, decide repudiar a sua esposa, mas em segredo. Não a repudia publicamente, não dá a conhecer a gravidez "ilegítima". O anjo que aparece em sonho a José, com um anúncio, conserta a situação.

As palavras de Bento XVI
Em uma homilia proferida pelo Papa emérito no convento em que vive, no Vaticano, Bento XVI traçou uma identidade de São José: "Por que Deus escolheu José? Porque José era um homem justo, piedoso. Mas também porque José era um homem prático. Aliás, era preciso um homem prático para organizar a fuga para o Egito, mas também para organizar a viagem a Belém para o censo, e para providenciar tudo o que era preciso para atender às necessidades práticas de Jesus".
Em 19 de março de 2006, o Papa Ratzinger recordara a figura do santo do qual carregava o nome sublinhando que "a grandeza de São José, tal como a de Maria, ressalta ainda mais porque a sua missão se desenvolveu na humildade e no ocultamento da casa de Nazaré".
Nas primeiras Vésperas da festa de São José de 2009, Bento XVI traçava quase que com maravilhamento teológico a figura do santo: "São José manifesta isso de maneira surpreendente, ele que é pai sem ter exercido a paternidade carnal. Não é pai biológico de Jesus, do qual só Deus é o Pai, e todavia ele exerce uma paternidade plena e inteira. Ser pai é, antes de tudo, ser servidor da vida e do crescimento. São José deu prova, nesse sentido, de uma grande dedicação. Por Cristo conheceu a perseguição, o exílio e a pobreza que daí deriva. Teve que se estabelecer num lugar diferente do seu vilarejo. A sua única recompensa foi estar junto com Cristo".

A identidade segundo Francisco
Dia 19 de março de 2013, o Papa Francisco celebrava a Missa de início do seu pontificado. Na homilia, São José é apresentado como modelo de educador, alguém que protege e acompanha humildemente Jesus em sua caminhada de crescimento. "José é guardião porque sabe escutar Deus, deixa-se guiar pela vontade d’Ele, e justamente por isso é ainda mais sensível às pessoas que lhe são confiadas, sabe ler com realismo os acontecimentos, está atento ao que o rodeia, e sabe tomar as decisões mais sábias. Nele, caros amigos, vemos como se responde à vocação de Deus, com disponibilidade, com prontidão, mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo! Guardamos Cristo na nossa vida, para proteger os outros, para proteger a criação!". Significativamente, será justamente no dia 19 de março de 2016, festa de São José, que será assinada pelo Papa a exortação dedicada à família, que conclui a caminhada de dois sínodos.

A "carteira de identidade" dos guardiões
A partir desses fragmentos, é possível concluir citando alguns traços da identidade de São José. É um homem justo e misericordioso, capaz de olhar para além das convenções sociais. É um homem silencioso e humilde. Está aberto às "surpresas" de Deus, aos seus planos, mesmo que revolucionem a sua vida. É um protetor da vida, permite ao Deus que se fez homem, uma criança inerte, crescer, "completamente dependente dos cuidados de um pai e de uma mãe" (assim disse o Papa Wojtyla em Belém em março de 2000). É capaz de ser pai também de um filho que não era carnalmente seu. É um homem prático, capaz de escutar a voz de Deus e de colocá-la em prática, tomando as decisões corretas para o bem da sua família.

(texto traduzido do site italiano Vatican Insider)