Papa Francisco e os jovens

Francisco aos jovens: «Precisamos ouvir o vosso caminho na vida»

O Papa encontrou os jovens reunidos no Vaticano para o encontro de preparação para o Sínodo sobre o discernimento vocacional. «Sois os protagonistas e é importante que faleis abertamente, sem vergonha».
Papa Francisco

Amados jovens, bom dia!

Saúdo todos os 15.340! Espero que amanhã sejam mais neste nosso diálogo para fazer sair o que cada um de vós e de nós temos no coração. Falar com coragem. Sem vergonha, não é. Aqui a vergonha deixa-se fora da porta. Fala-se com coragem: digo o que sinto e, se alguém está ofendido, peço perdão e vou por diante. Vós sabeis falar assim. Mas é preciso ouvir com humildade. Se alguém disser o que não me agrada, tenho de o ouvir mais, pois cada qual tem o direito de ser ouvido, assim como todos têm o direito de falar.

Obrigado por terdes aceitado o convite para vir aqui. Alguns de vós tiveram de fazer uma longa viagem. Outros, em vez de ir dormir – porque onde vivem é hora de dormir – estão em ligação convosco. Passarão a noite a ouvir. Provindes de tantas partes do mundo e trazeis convosco uma grande variedade de povos, culturas e também de religiões: não sois todos católicos ou cristãos, nem sequer todos crentes, mas certamente estais todos animados pelo desejo de dar o melhor de vós. E eu não duvido disto. Saúdo também os que entrarem em ligação, e os que já o fizeram: obrigado pela vossa contribuição!

Quero agradecer de modo especial à Secretaria do Sínodo, ao Cardeal Secretário, ao Arcebispo Secretário e a todos, a todos os que trabalham na Secretaria do Sínodo. Trabalharam tanto para isto e tiveram uma capacidade de inventar coisas e uma grande criatividade. Muito obrigado, Cardeal Baldisseri, e a todos os vossos colaboradores.

Sois convidados porque a vossa contribuição é indispensável. Precisamos de vós para preparar o Sínodo que reunirá em outubro os Bispos sobre o tema Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Em muitos momentos da história da Igreja, assim como em numerosos episódios bíblicos, Deus quis falar por meio dos mais jovens; penso, por exemplo, em Samuel, em Davi e em Daniel. Eu gosto muito da história de Samuel, quando ouve a voz de Deus. A Bíblia diz: “Naquele tempo não era costume ouvir a voz de Deus. Era um povo desorientado”. Foi um jovem que abriu aquela porta. Nos momentos difíceis, o Senhor faz ir em frente a história com os jovens. Dizem a verdade, não se envergonham. Não digo que são “sem-vergonha”, mas que não têm vergonha e dizem a verdade. E Davi quando era jovem começa com aquela coragem. Até com os seus pecados. Porque é interessante, todos eles não nasceram santos, não nasceram justos, modelos dos outros. Todos são homens e mulheres pecadores e pecadoras, mas sentiram o desejo de fazer algo bom, Deus estimulou-os e foram em frente. E isto é muito bom. Nós podemos pensar: “Estas coisas são para as pessoas justas, para os sacerdotes e as religiosas”. Não, são para todos. E mais para vós, jovens, porque tendes tanta força para dizer as coisas, para sentir as coisas, para rir, até para chorar. Nós adultos, muitas vezes, tantas, esquecemos a capacidade de chorar, habituamo-nos: “O mundo é assim... que se arranjem”. E vamos em frente. Por isso vos exorto, por favor: sede corajosos nestes dias, dizei tudo o que sentis; e, se errardes, outros vos corrigirão. Mas em frente, com coragem!


«Por favor: sede corajosos nestes dias, dizei tudo o que sentis; e, se errardes, outros vos corrigirão. Mas em frente, com coragem!»

1. Falamos com frequência de jovens sem nos deixarmos interpelar por eles. Quando alguém quer fazer uma campanha ou alguma coisa, ah, louvam os jovens! não é assim?, mas não permitem que os jovens os interpelem. Louvar é uma maneira de contentar as pessoas. Mas as pessoas não são tontas nem estúpidas. Não, não o são. As pessoas compreendem. Só os estultos não compreendem. Em espanhol há um ditado lindíssimo que diz: “Louva o estúpido e vê-lo-ás trabalhar”. Dar-lhe a palmadinha nas costas e ele ficará feliz, porque é tonto, não se dá conta. Mas vós não sois tontos! Até as melhores análises sobre o mundo juvenil, mesmo sendo úteis – são úteis – não substituem a necessidade do encontro face a face. Falam da juventude de hoje. Por curiosidade, vede em quantos artigos, em quantas conferências se fala da juventude de hoje. Gostaria de vos dizer uma coisa: a juventude não existe! Existem os jovens, histórias, rostos, olhares, ilusões. Existem jovens. Falar da juventude é fácil. Fazem-se abstrações, percentagens... Não. A tua face, o teu coração, o que diz? Dialogar, ouvir os jovens. Por vezes, evidentemente, vós não sois, os jovens não são o prêmio Nobel para a prudência. Não. Por vezes falam “com a bofetada”. A vida é assim, mas é preciso ouvi-los.

Há quem pense que seria mais fácil manter-vos “à distância de segurança”, para não se sentirem provocados por vós. Mas não é suficiente trocar alguma pequena mensagem ou partilhar fotografias simpáticas. Os jovens devem ser levados a sério! Parece-me que estamos circundados por uma cultura que, se por um lado idolatra a juventude procurando nunca a fazer passar, por outro impede que muitos jovens sejam protagonistas. É a filosofia da maquiagem. As pessoas crescem e procuram pintar-se para parecerem mais jovens, mas não deixam crescer os jovens. Isto é muito comum. Por quê? Porque não se deixa que sejam interpelados. É importante. Muitas vezes sois marginalizados da vida pública normal e vedes-vos obrigados e mendigar ocupações que não vos garantem um futuro. Não sei se isto acontece em todos os vossos países, mas em muitos... Se não erro, a taxa de desemprego juvenil aqui na Itália, dos 25 anos para cima, é de cerca de 35%. Noutro país da Europa, confinante com a Itália, de 47%. Noutro país da Europa próximo da Itália, mais de 50%. O que faz um jovem que não encontra trabalho? Adoece – a depressão – cai no desespero, cai nas dependências, suicida-se – devemos refletir: as estatísticas de suicídio juvenil estão todas alteradas, todas – faz o rebelde – mas é um modo de se suicidar – ou apanha o avião e vai para outra cidade que não quero mencionar e alista-se no EI ou num destes movimentos guerreiros. Pelo menos a vida tem sentido e terá um ordenado mensal. E isto é um pecado social! A sociedade é responsável por isto. Mas eu gostaria que fôsseis vós a dizer as causas, os porquês, e não digais: “Nem sequer eu sei bem por quê”. Como viveis vós este drama? Ajudar-nos-ia muito. Demasiadas vezes sois deixados sozinhos. Mas também é verdade que sois construtores de cultura, com o vosso estilo e com a vossa originalidade. É um afastamento relativo, porque vós sois capazes de construir uma cultura que talvez não se veja, mas que vai em frente. Este é um espaço que nós queremos para ouvir a vossa cultura, a que estais a construir.

«Até as melhores análises sobre o mundo juvenil, mesmo sendo úteis – são úteis – não substituem a necessidade do encontro face a face. A juventude não existe! Existem os jovens, histórias, rostos, olhares, ilusões»

Na Igreja – disto estou convencido – não deve ser assim: fechar a porta, não ouvir. O Evangelho no-lo pede: a sua mensagem de proximidade convida a encontrar-nos e a confrontar-nos, a acolher-nos e a amar-nos a sério, a caminhar juntos e a partilhar sem receio. E esta Reunião pré-sinodal pretende ser sinal de algo grandioso: a vontade da Igreja de se colocar em escuta de todos os jovens, sem excluir nenhum. E isto não para fazer política. Não para uma artificial “jovem-filia”, não, mas porque precisamos compreender melhor o que Deus e a história nos estão pedindo. Se vós faltardes, falta-nos uma parte do acesso a Deus.

2. O próximo Sínodo propõe-se em particular desenvolver as condições para que os jovens sejam acompanhados com paixão e competência no discernimento vocacional, ou seja, em «reconhecer e acolher a chamada ao amor e à vida em plenitude» (Documento preparatório, Introdução). Todos nós recebemos esta chamada. Vós, na fase inicial, sois jovens. Esta é a certeza fundamental: Deus ama todos e a cada um dirige pessoalmente uma chamada. É um dom que, quando o descobrimos, enche de alegria (cf. Mt 13, 44-46). Tende a certeza disto: Deus tem confiança em vós, ama-vos e chama-vos. E por seu lado ele nunca faltará, porque é fiel e crê de verdade em vós. Deus é fiel. Aos crentes digo: “Deus é fiel”. Dirige-vos a pergunta que certa vez fez aos primeiros discípulos: «O que procurais?» (Jo 1, 38). Também eu, neste momento, vos dirijo a pergunta, a cada um de vós: “O que procuras? Tu, o que procuras na tua vida?”. Di-lo, far-nos-á bem ouvi-lo. Di-lo. Precisamos que o faças: ouvir o vosso caminho na vida. O que procuras? Convida-vos a partilhar a busca da vida com Ele, a caminhar juntos. E nós, desejamos fazer o mesmo, porque não podemos deixar de partilhar com entusiasmo a busca da verdadeira alegria de cada um; e não podemos conservar só para nós Aquele que mudou a nossa vida: Jesus. Os vossos coetâneos e os vossos amigos, mesmo sem o saberem, esperam também eles uma chamada de salvação.

3. O próximo Sínodo será também um apelo dirigido à Igreja, para que redescubra um renovado dinamismo juvenil. Pude ler alguns e-mails do questionário divulgado na rede pela Secretaria do Sínodo e fez-me admirar o apelo lançado por diversos jovens, que pedem aos adultos para estar ao seu lado e para ajudá-los nas escolhas importantes. Uma moça frisou que aos jovens faltam pontos de referência e que ninguém os estimula a ativar os recursos que possuem. Depois, ao lado dos aspectos positivos do mundo juvenil, ressaltou os perigos, entre os quais o álcool, a droga, uma sexualidade vivida de maneira consumista. São dependências, não é? E concluiu quase com um grito: «Ajudai o nosso mundo juvenil que está cada vez mais arruinado». Não sei se o mundo juvenil está cada vez mais arruinado, não sei. Mas sinto que o grito desta jovem é sincero e exige atenção. Compete a vós responder a esta jovem, dialogar com esta moça. É uma de vós, e é preciso ver esta “bofetada” que nos dá, aonde nos leva. Também na Igreja devemos aprender novas modalidades de presença e de proximidade. É muito importante. Vem-me à mente quando Moisés quis dizer ao Povo de Deus qual é o âmago do amor de Deus. E diz: “Pensai: qual foi o povo que teve um Deus tão próximo?”. O amor é proximidade. E eles, os jovens de hoje pedem proximidade à Igreja. Vós cristãos, vós que credes na proximidade de Cristo, vós católicos, estai próximos, não distantes. E vós sabeis bem que há tantas, muitas modalidades de se afastar, muitas. Educai todos, de luvas brancas, mas manter-se à distância para não sujar as mãos. Os jovens, hoje, pedem-nos proximidade: aos católicos, aos cristãos, aos crentes e aos não crentes. A todos. E, a este propósito, um jovem contou com entusiasmo a sua participação em alguns encontros com estas palavras. Diz assim: «O mais importante foi a presença de religiosos no nosso meio como amigos que nos ouvem, nos conhecem e nos aconselham». Homens e mulheres consagrados que estão próximos. Ouvem, conhecem e a quem pede conselho aconselham. Eu conheço alguns de vós que fazem isto.

«O amor é proximidade. E eles, os jovens de hoje pedem proximidade à Igreja. Vós cristãos, vós que credes na proximidade de Cristo, vós católicos, estai próximos, não distantes»

Vem à minha mente a maravilhosa Mensagem aos jovens do Concílio Vaticano II. É também hoje um estímulo a lutar contra qualquer egoísmo e a construir com coragem um mundo melhor. É um convite a procurar novos caminhos e a percorrê-los com audácia e confiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e abrindo-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o próprio rosto da Igreja. Pois é em Jesus e no Espírito que a Igreja encontra a força para se renovar sempre, realizando uma revisão de vida acerca da sua maneira de ser, pedindo perdão pelas suas fragilidades e lacunas, não poupando as energias para se pôr ao serviço de todos, unicamente com a intenção de ser fiel à missão que o Senhor lhe confiou: viver e anunciar o Evangelho.

4. Queridos jovens, o coração da Igreja é jovem precisamente porque o Evangelho é como uma linfa vital que a regenera continuamente. Compete a nós ser dóceis e cooperar para esta fecundidade. E todos vós podeis colaborar nesta fecundidade: quer sejais cristãos católicos, quer de outras religiões, ou não crentes. Pedimos-vos que colaborem na nossa fecundidade, para dar vida. Façamo-lo também neste caminho sinodal, pensando na realidade dos jovens de todo o mundo. Precisamos reapropriar-nos do entusiasmo da fé e do gosto da busca. Temos necessidade de reencontrar no Senhor a força de nos erguermos das falências, de ir em frente, de fortalecer a confiança no futuro. E precisamos ousar veredas novas. Não vos assusteis: ousar veredas novas, mesmo se isso comporta riscos. Um homem, uma mulher que não arrisca, não amadurece. Uma instituição que faz escolhas sem arriscar permanece criança, não cresce. Arriscai, acompanhados pela prudência, pelo conselho, mas ide em frente. Sem arriscar, sabeis o que acontece a um jovem? Envelhece! Vai para a reforma aos 20 anos! Um jovem envelhece e também a Igreja envelhece. Digo isto com sofrimento. Quantas vezes eu encontro comunidades cristãs, até de jovens, mas velhas. Envelheceram porque tiveram medo. Medo de quê? De sair, de ir rumo às periferias existenciais da vida, de ir aonde se joga o futuro. Uma coisa é a prudência, que é uma virtude, mas outra é o medo. Precisamos de vós jovens, pedras vivas de uma Igreja com o rosto jovem, mas não maquiado, como disse: não rejuvenescido artificialmente, mas reavivado a partir de dentro. E vós nos provocais a sair da lógica do “mas sempre se fez assim”. E aquela lógica, por favor, é um veneno. É um veneno doce, porque te tranquiliza a alma e te deixa como que anestesiado e te impede de caminhar. Sair da lógica do “sempre se fez assim”, para permanecer de maneira criativa no sulco da autêntica tradição cristã, mas criativo. Eu, aos cristãos, recomendo que leiam o Livro dos Atos dos Apóstolos: a criatividade daqueles homens. Aqueles homens sabiam ir em frente com uma criatividade que, se nós fizermos a tradução para o que significa hoje, assustamo-nos! Vós criais uma cultura nova, mas estai atentos: esta cultura não pode ser “desenraizada”. Um passo em frente, mas preservar as raízes! Não voltar às raízes, porque se acaba por ficar enterrado: dá um passo em frente, mas sempre com as raízes. E as raízes – isto, perdoai-me, tenho-o no coração – são os velhos, são os idosos bons. As raízes são os avós. As raízes são aqueles que viveram a vida e que são descartados por esta cultura do descarte, não servem, manda-os para fora. Os idosos têm este carisma de conservar as raízes. Falai com os idosos. “Mas o que direi?”. Tenta! Recordo-me certa vez em Buenos Aires que, falando com os jovens, disse: “Por que não ides a uma casa de repouso tocar violão para os idosos que lá estão?” – “Mas, padre...” – “Ide, só uma hora”. [Ficaram] mais de duas horas! Não queriam sair, porque os idosos que estavam assim [um pouco adormecidos] ouviram tocar violão e acordaram todos e começaram [a falar], e os jovens ouviram coisas que os comoveram. Receberam esta sabedoria e foram em frente. O profeta Joel expressa isto muito bem, tão bem. No terceiro capítulo. Para mim esta é a profecia de hoje: “Os idosos sonharão, e os jovens profetizarão. Nós precisamos de jovens profetas, mas estai atentos: nunca sereis profetas se não tiverdes em conta os sonhos dos idosos. E mais: se não fordes fazer sonhar um idoso que está ali entediado, porque ninguém o ouve. Fazei sonhar os idosos e estes sonhos vos ajudarão a ir em frente. Joel 3, 1. Lê isto, far-te-á bem. Deixai-vos interpelar por eles.

Para nos sintonizarmos no mesmo comprimento de onda das jovens gerações é de grande ajuda um diálogo intenso. Portanto, convido-vos nesta semana, a expressar-vos com franqueza e com toda a liberdade, já o disse e repito-o. Com “descaramento”. Sois os protagonistas e é importante que faleis abertamente. “Mas sinto vergonha, o cardeal ouve-me...”. Que ouça, está habituado. Garanto-vos que a vossa contribuição será levada a sério. Já desde agora vos digo obrigado; e peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim. E os que não puderem rezar, porque não sabem rezar, pelo menos que pensem bem em mim. Obrigado.

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