O Papa e o coração de José
Dia 19 de março é a festa de São José. Percorremos aqui um ciclo de audiências que o Pontífice dedicou nos últimos meses ao esposo de MariaEle já contou em diversas entrevistas: o Papa Francisco tem no seu criado-mudo uma estatueta de São José dormindo e, à noite, enfia debaixo da base alguns dos muitos pedidos que recebe todo dia. E, como confessou aos fiéis no dia 2 de fevereiro, há quarenta anos faz uma oração ao santo antes de dormir.
No dia 8 de dezembro, o Papa encerrou o ano especial dedicado ao esposo de Maria, ocasião para a qual escreveu a carta apostólica Patris corde, “Com coração de Pai”. Não é de espantar, então, que tenham sido doze as audiências que Bergoglio dedicou a esse Santo. O amplo arco de reflexões, iniciado em 7 de novembro e concluído 16 de fevereiro, permitiu-lhe abordar diversos temas: os “sonhos” de José, seu trabalho de artesão, a condição de imigrante, a disposição ao silêncio, a ternura da vocação de pai putativo, a confiança no desígnio misterioso de Deus, só para citar alguns dos temas.
E embora a impressa se tenha atido aos aspectos mais imediatos das audiências (a defesa dos imigrantes, a reprovação ao trabalho infantil e aos acidentes de trabalho, a questão da orientação sexual dos filhos ou a condenação à obstinação terapêutica, para dar alguns exemplos), suas catequeses sempre avançaram em profundidade oferecendo um leque de observações sobre a nossa forma de conceber a relação com Deus e com a realidade.
Um exemplo dessa densidade de pensamento foi a audiência de 12 de janeiro, inteiramente dedicada ao trabalho. Tomando José como exemplo, o qual não era simplesmente marceneiro, mas também carpinteiro, como era costume na Palestina, o Papa disse: «Muitos jovens, muitos pais e mães vivem o drama de não ter um emprego que lhes permita viver serenamente, vivem um dia de cada vez. E muitas vezes a procura de uma ocupação torna-se tão dramática que são levados ao ponto de perderem toda a esperança e desejo de viver». E prosseguiu: «Não se tem suficientemente em conta o fato de o trabalho ser uma componente essencial da vida humana, e também do caminho da santificação. O trabalho não é apenas um meio de ganhar a vida: é também um lugar onde nos expressamos, nos sentimos úteis e aprendemos a grande lição da realidade, o que ajuda a vida espiritual a não se tornar espiritualismo».
Outro ponto de meditação foi oferecido na audiência dedicada a “São José, homem do silêncio”, de 15 de dezembro. Com a premissa de uma frase do filósofo Pascal – «toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não saber ficar tranquilo num quarto» –, o Papa observa que «devemos aprender de José a cultivar o silêncio: aquele espaço de interioridade nos nossos dias nos quais damos ao Espírito a oportunidade de nos regenerar, de nos consolar, de nos corrigir. Não estou dizendo que devemos cair num mutismo, não, mas devemos cultivar o silêncio. Cada um olhe para dentro de si mesmo: muitas vezes estamos fazendo um trabalho e quando terminamos procuramos imediatamente o celular para fazer outra coisa, somos sempre assim. E isto não ajuda, faz-nos escorregar para a superficialidade. A profundidade do coração cresce com o silêncio, um silêncio que não é mutismo, como eu disse, mas que deixa espaço à sabedoria, à reflexão e ao Espírito Santo. […] E o benefício para os nossos corações curará também a nossa língua, as nossas palavras e, sobretudo, as nossas escolhas».
E em 9 de janeiro afirmou: «Devemos também dizer que dentro de cada um não existe apenas a voz de Deus: há muitas outras vozes. Por exemplo, as vozes dos nossos receios, as vozes das experiências passadas […]; e há também a voz do maligno que nos quer enganar e confundir. […] José demonstra que sabe cultivar o silêncio necessário e, sobretudo, tomar as decisões corretas perante a Palavra que o Senhor lhe dirige interiormente».
Não podia faltar no ciclo do Pontífice uma audiência sobre a misericórdia, cavalo de batalha de um Papa que dedicou a ela um ano jubilar inteiro. «Deus não conta apenas com os nossos talentos, mas também com a nossa fraqueza redimida», observou em 19 de janeiro. «Isto, por exemplo, faz São Paulo dizer que há um desígnio sobre a sua fragilidade. […] O Senhor não nos tira todas as fragilidades, mas ajuda-nos a caminhar com as fragilidades, pegando-nos pela mão. […] Isto é ternura. A experiência da ternura consiste em ver o poder de Deus passar precisamente por aquilo que nos torna mais frágeis; mas sob condição de nos convertermos do olhar do Maligno que nos faz “olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito trá-la à luz com ternura”. […]O Senhor diz-nos a verdade e estende-nos a mão para nos salvar. […] Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Mas ele perdoa sempre, inclusive as coisas mais terríveis.»
Por fim, a última audiência dedicada a “São José, padroeiro da Igreja”: «Hoje é comum criticar a Igreja, apontando as suas incoerências – há muitas – apontando os seus pecados, que na realidade são as nossas incoerências, os nossos pecados, pois a Igreja sempre foi um povo de pecadores que encontra a misericórdia de Deus. […]Só o amor nos torna capazes de falar plenamente a verdade, de uma forma não partidária; de dizer o que está errado, mas também de reconhecer toda a bondade e santidade que estão presentes na Igreja […]. Mas a Igreja não é aquele grupinho que está próximo do sacerdote e manda em todos, não. A Igreja somos todos, todos. A caminho. Guardar-nos uns aos outros, guardar-nos reciprocamente. É uma boa pergunta esta: eu, quando tenho um problema com alguém, procuro guardá-lo ou condeno-o imediatamente, falo mal dele, destruo-o? Devemos guardar, guardar sempre!»