Pietro Parolin. O que une
A diplomacia vaticana diante de uma "terceira guerra mundial em pedaços". A tarefa dos cristãos e a crise radical da confiança. Na Tracce de dezembro, um diálogo com o Cardeal Secretário de Estado da Santa SéO conflito entre Hamas e Israel adicionou um elemento trágico à «terceira guerra mundial em pedaços» que o Papa Francisco denuncia há anos. A violência armada se espalha e somos cada vez mais incapazes de reconhecer o bem no outro. O que permite sair da espiral de violência que nos envolve? E qual é a tarefa dos cristãos? Responde o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, empenhado – juntamente com toda a Igreja – em curar as muitas feridas que dilaceram o mundo.
Os palcos de guerra hoje são numerosos e, em muitos deles, parece que, para a atividade diplomática, o objetivo máximo possível é uma desaceleração das hostilidades mais do que um verdadeiro caminho de reconciliação. Que paz a Igreja está construindo, até a ação da Secretaria de Estado do Vaticano?
A diplomacia é a ferramenta de que a comunidade internacional se equipou para buscar uma solução pacífica dos conflitos, através do diálogo e negociação entre as partes envolvidas. Claro, como toda obra humana, tem seus limites e, às vezes, infelizmente, não consegue seu intento. Mas eu diria que já uma desaceleração e, ainda mais, a cessação das hostilidades é um resultado positivo, que não deve ser subestimado. É um primeiro passo, necessário mas não suficiente, ao qual deve seguir o início de um caminho de reconciliação visando a construir uma paz justa e duradoura. A Igreja, que a adotou muito cedo como um dos meios de sua missão no mundo, continua a confiar na diplomacia. Qual seria o sentido, de outra forma, do encontro com os responsáveis políticos, chefes de Estado e de Governo e outras autoridades, após a audiência com o Santo Padre, que ocupa muito espaço na atividade da Secretaria de Estado? Qual é o propósito das viagens às várias capitais, a participação em organismos internacionais?
O que vocês pedem aos líderes quando os encontram?
Aos que encontramos, não fazemos mais do que lembrar, adaptando-os às situações locais, os princípios da Doutrina Social da Igreja sobre a paz, que bebem abundantemente do magistério conciliar e pontifício. Penso, por exemplo, nos números 77 e seguintes da Gaudium et spes, o documento do Concílio Ecumênico Vaticano II sobre a Igreja no mundo contemporâneo («A paz não é simples ausência de guerra…»), na encíclica Pacem in terris de São João XXIII, que funda o edifício da paz sobre os quatro pilares da verdade, justiça, liberdade e amor, na Populorum progressio de São Paulo VI e no rico ensinamento do Papa Francisco, resumido na Fratelli tutti. Pontos nos quais insistimos muito, seguindo o atual Pontífice, são o desarmamento, a superação das injustiças e desigualdades, o perdão e a fraternidade. É o “poder fraco” da palavra! Mas acreditamos que é necessário semear, para colher quando e como o Senhor quiser, e nunca perder a esperança. Nunca falta, nos encontros políticos mencionados, a oferta de nossa disponibilidade, segundo a natureza da Santa Sé e nos limites de suas possibilidades, de contribuir ativamente, com os meios da diplomacia, para ativar caminhos concretos de reconciliação e paz.
O Papa Francisco repete que «a guerra é sempre uma derrota», então não existem “guerras justas”, nem mesmo quando se é atacado?
Toda guerra é sempre uma derrota, pois todas semeiam morte e destruição, alimentando sentimentos de revanche e vingança. Não existem, portanto, guerras justas e injustas. O juízo negativo sobre a guerra não exclui, no entanto, o direito à legítima defesa da parte agredida em um conflito. Aliás, o Catecismo da Igreja Católica lembra que «preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem» e prevê que «os legítimos detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis» (CIC 2265). No entanto, deve-se ter em mente que o direito à legítima defesa deve ser principalmente voltado para salvaguardar a vida de quem sofreu a agressão e deve sempre ser proporcional à ofensa recebida.
O convite incessante da Igreja é para não parar de orar pedindo a Deus que toque o coração e a mente dos combatentes e de seus líderes. Há quem tenha denunciado o risco de a oração se tornar um álibi para estabelecer uma “equidistância inadequada” ou apagar avaliações morais. Por que para um cristão não é assim? Qual é a sua experiência? E onde vê a esperança diante de tudo o que está acontecendo?
Sobre a oração, lembro-me das famosas palavras de São João Crisóstomo: «O homem que ora tem as mãos no leme da história». A oração, portanto, é uma força ativa que contribui para a transformação da história, no sentido de aproximá-la cada vez mais do Reino dos Céus que o Senhor Jesus veio estabelecer na terra e que, no entanto, terá sua consumação após o seu glorioso retorno no fim dos tempos. Portanto, não posso compartilhar a opinião mencionada de que a oração seria um álibi «para estabelecer uma equidistância inadequada ou apagar avaliações morais». A oração é sempre uma posição: uma posição a favor do bem, da justiça, do amor, contra o mal, a injustiça, o ódio, em qualquer forma que se apresentem. É interessante, por exemplo, notar que em certos momentos da história e em certas partes do mundo é proibido lembrar na oração pessoas e situações, porque este simples fato é percebido como “subversivo” de uma certa ordem ou sistema. Então, destacaria a eficácia da oração e, portanto, sua necessidade: porque, como lembra o Concílio Vaticano II, todas as tensões e conflitos no mundo nascem desse desequilíbrio profundo no coração do homem. Um desequilíbrio ligado ao primeiro pecado, à desobediência a Deus, e aprofundado pelos nossos pecados pessoais. E quem pode intervir para curar o coração do homem, para curá-lo, para pacificá-lo senão o próprio Deus? Ele é o médico que atua no profundo! E Ele quis que a obra de Sua graça fosse incessantemente invocada com oração. Eu confio na diplomacia, mas, ao menos para nós, somente se acompanhada pela oração. Aqui se funda a esperança: «O que é impossível para os homens é possível para Deus» (Lc 18,27).
Para o Oriente Médio, desde os anos 40, a Santa Sé apoiou a solução “dois povos-dois Estados” com um status especial para Jerusalém, uma linha seguida nos Acordos de Oslo de 1993 que foi reafirmada também nestes dias trágicos. É uma solução que ainda é viável?
Como foi reafirmado várias vezes pela Santa Sé nestes dias, a solução “dois povos-dois Estados” é a solução política mais urgente a ser perseguida, assim que as condições permitirem, porque responde à legítima aspiração dos israelenses e dos palestinos: ter uma nação própria e viver lado a lado em paz, segurança e estabilidade. Além disso, um estatuto especial internacionalmente garantido para a cidade santa de Jerusalém permitirá que os fiéis das três religiões monoteístas tenham direitos e deveres iguais, e seja respeitado o acesso aos respectivos Lugares Santos, de acordo com o status quo, onde se aplica. Obviamente, isso não pode ser improvisado. É necessário tanto um quadro normativo claro que ambas as partes devem respeitar, como também os Acordos de Oslo tentaram promover, mas também a confiança mútua, que infelizmente agora está em mínimos históricos, se não completamente zerada. De fato, nestes dias, estamos testemunhando uma mudança – inesperada e brutal – no curso da questão israelo-palestina. O ataque terrorista de 7 de outubro do Hamas e de outras organizações contra a população em Israel, absolutamente injustificável e desumano, gerou um grande sofrimento entre os israelenses que levará muito tempo para ser curado. Pense nas 1.200 pessoas brutalmente assassinadas, nas centenas de feridos, nos cerca de 240 reféns capturados, nos milhares de israelenses que tiveram de deixar suas casas por estarem perto das zonas de conflito. Penso frequentemente no desespero das famílias dos reféns, incluindo idosos e crianças, até mesmo bebês, e rezo e espero que sejam libertados imediatamente, como o Santo Padre repetidamente enfatizou. Também levará muito tempo para superar o sofrimento dos palestinos como resultado da resposta militar do exército israelense em Gaza. Pense nos mais de 10 mil mortos, nas centenas de milhares de feridos, no milhão de palestinos deslocados para o sul de Gaza. Aqui também as crianças, os idosos e os civis são os que estão pagando terrivelmente o preço. A situação humanitária que se criou é muito grave. Escolas, locais de culto e até hospitais não são ambientes seguros, devido a uma trágica lógica de guerra que não consegue poupá-los. Estou realmente preocupado com a necessidade de a população em Gaza receber toda a ajuda humanitária necessária para sobreviver. Agora mais do que nunca, a libertação de todos os reféns e o cessar-fogo podem ajudar a evitar que a situação piore ainda mais, evitando uma expansão do conflito que o tornaria ainda mais inaceitável. Esse grande sofrimento certamente tornará muito difícil qualquer negociação, qualquer solução. Mas, se pudéssemos começar com o conceito da sacralidade da vida, então poderíamos recuperar o sentido da humanidade e da fraternidade necessária.
Nas nossas sociedades, prevalece uma “lógica de alinhamento”. Nos debates públicos e nas manifestações, parece não haver alternativa à divisão, ou pelo menos a reduzir tudo a “certo e errado”. Uma posição que aprofunda as lacerações. Como saímos dessa espiral que envenena a todos?
Infelizmente é assim. Vivemos num mundo polarizado, numa sociedade cada vez mais dividida e oposta. O Papa João dizia que devemos buscar mais o que une do que o que divide. Isso permanece verdadeiro também na situação atual. Muitos esforços louváveis estão indo nessa direção. Não devemos esquecer isso, para não cair num pessimismo destrutivo e incapaz de ver o tanto de bem que, apesar de tudo, floresce ao nosso redor. Mas o mal que mina a raiz do nosso viver, nas relações entre pessoas, entre grupos, entre nações, é, a meu ver, a falta de confiança. Não confiamos mais uns nos outros, por isso erguemos barreiras para nos defender, para nos garantir, para nos proteger. Não reconhecemos mais nos outros a boa-fé e a reta intenção. Tudo isso se traduziu e se traduz, em nível internacional, na crise do multilateralismo. O Papa nos diria que o antídoto contra essa situação, que eu ousaria definir como “trágica” porque gera e alimenta conflitos, é o encontro e o diálogo. Evitar simplificar, cair no maniqueísmo, na propaganda unilateral, na histeria belicista, na mentira! Praticar a abertura em relação ao outro, visto como irmão (é o tema da Fratelli tutti!) e não como adversário a esmagar ou sobre o qual prevalecer a todo custo. Abrir-se às razões do outro, tentar entendê-las. Assumir a dor do outro e dos outros. Torná-la minha. Sentir na própria pele. Era esse o convite que o cardeal Martini expressou após sua estadia em Jerusalém, em relação ao conflito israelo-palestino mencionado acima. Vi que esse apelo foi retomado nestes dias. Fico feliz, porque, também a meu ver, é o caminho principal para começar a sair dos apertos em que estamos. Afinal, a redenção da humanidade começou justamente com a partilha da dor e do sofrimento do homem pelo Filho de Deus – e, portanto, pelo próprio Deus – que assumiu tudo de nós, exceto o pecado. Nós cristãos não temos outra escolha: seguir com confiança o caminho traçado pelo nosso Mestre e Senhor.