Barracos, adeus!
De Porto Príncipe, os voluntários da Avsi nos contam como, mesmo entre os escombros, é possível fincar bases sólidas para o futuro. E para a esperançaNo Haiti, a vida é assim, passa-se de uma emergência a outra sem ter tempo de se levantar. Do terremoto à cólera, exatamente quando os desabrigados começavam a voltar para suas casas, para seus barracos, ou para o que sobrou deles. Neste universo tão precário “o governo haitiano ainda não deu autorização para construir em alvenaria, por medo de outros tremores”, conta via Skype, do Haiti, Gloria Iorio, ponto de referência para os projetos da Fundação AVSI (Associazione Volontari per il Servizio Internazionale) na Cité Soleil, bairro de Porto Príncipe. “Por causa da cólera precisamos interromper algumas atividades: com as crianças, por exemplo, a quem agora ensinamos a lavar as mãos e a não colocá-las na boca. Elas ficam sozinhas de manhã, porque os assistentes sociais estão ocupados com a epidemia”. E é exatamente agora, quando a vida parece depender de uma gota de água infectada, que é ainda mais urgente estarmos presentes. Mais estavelmente do que antes, se possível. Vivemos em estruturas semi-permanentes pouco mais sólidas do que uma tenda, feitas de plywood, um tipo de compensado. “De qualquer modo, elas possuem os fundamentos, assim, um dia, o compensado poderá ser substituído por cimento e tijolos”, diz Gloria.
Então, colocar a “primeira pedra” ou fazer um investimento no futuro parece um pouco ingênuo. E prematuro. Porém, no dia 19 de novembro, a Cité Soleil recebeu a primeira pedra de um Centro Educativo que acolherá as atividades da AVSI, com a colaboração do Banco de Treviglio, da Itália, e que neste ano sediou as Tendas de Natal. Um evento talvez um pouco simbólico, mas atrás dele estão anos de ajuda, encontros com pessoas, esperanças mantidas no alto, fora da lama.
Como nos conta Fiammetta Cappellini, responsável pela AVSI na ilha (seu diário sobre os dias do terremoto e, agora, sobre a cólera, percorreu a internet): “Começamos em 2006 com uma pequena sala alugada na paróquia de Cité Soleil. Em 2009 já dispúnhamos de uma estrutura própria”. O terremoto de 12 de janeiro (250mil vítimas, 1milhão de desabrigados, mais de 40 mil pessoas ajudadas pela AVSI emergencialmente), danificou-a irremediavelmente e multiplicou as necessidades. “Depois de meses de trabalho psicossocial, nutricional, médico “na tenda”, começamos a pensar em como iniciar uma nova construção”. A ajuda de muitos amigos fez com que os trabalhos começassem. “Para nós, uma nova construção nesse momento significa mostrar ao nosso povo que é sobre o amanhã que devemos trabalhar, a partir do hoje”. Um investimento, justamente. “Criar um canteiro de obras neste momento significa dar a possibilidade a muitas pessoas que perderam tudo, inclusive o material de trabalho, de ter um emprego e ganhar para sobreviver, ele e sua a família”.
UM MONSTRO RUIM. É uma corrida contra o tempo “exatamente pelo papel importante que o Centro pode ter diante do avanço da epidemia”. Um monstro ruim, a cólera. Humilhante, veloz, devastador: as pessoas se envergonham, têm pudor de pedir ajuda e ao mesmo tempo medo de ficarem isoladas. Mas, “o vírus pode ser circunscrito e combatido sobretudo com a educação. Este povo precisa mudar os próprios hábitos higiênicos e ser mais consciente do risco de viver em um ambiente malsão como a Cité”.
Ouvindo-a falar, nos perguntamos de onde vem a esperança em um lugar onde parece que existe a fúria de algum deus irado. “Quando visitamos os bairros mais pobres, nos param para conversar. As crianças que nos reconhecem nos chamam, e vemos pessoas que não estão desesperadas”, conta Gloria. “E se perguntamos: Por que você está contente?”, eles respondem: “Porque estou vivo”. Aqui, a vida tem um valor em si. Uma senhora amiga nossa viu com os próprios olhos o marido e a filha morrerem esmagados pelos escombros de sua casa. Ela me disse, chorando: “O Senhor quis me dar outra oportunidade”. É um povo religioso por natureza e, por isso, realmente amável. A propósito, no dia 23 de novembro de 2010 começamos uma Escola de Comunidade aberta a todos. Podemos trabalhar 14 horas por dia, mas se não dizemos o que é mais caro a nós, que também é a razão pela qual os ajudamos... “no fim não serve para nada”. Então, vale a pena colocar também as outras pedras.