Foto de grupo do Meeting do Cairo.

Diante das bombas, “se recomeça da Beleza”

EGITO. Depois do ataque a Alexandria, em dezembro passado, o medo e as perguntas afloram. Um concerto, nascido dos voluntários do Meeting do Cairo, permitiu a cristãos e muçulmanos estarem (e se comoverem) juntos
Hossam Mikawy*

Na Noite Santa, uma bomba de ignorância, terrorismo e extremismo explodiu matando homens, mulheres, velhos, crianças, muçulmanos e cristãos. Seus corpos foram despedaçados, os muros da igreja de Alexandria manchados por seu sangue, pedaços de seus corpos foram lançados até a mesquita construída, há trinta anos, atrás da igreja.
“Somos vizinhos há trinta anos”, diz o sacristão. “Pegávamos água da igreja quando estávamos construindo a mesquita”, diz o adido da mesquita. Este ataque levou os egípcios a refletirem e perguntarem: “Por que nossos irmãos cristãos? Por que? Qual é o objetivo? Por que a distância entre nós se tornou tão grande?”. Todos os voluntários do Meeting do Cairo (realizado nos dias 28 e 29 de outubro de 2010) fizeram a mesma pergunta: “O que podemos fazer depois do ataque em Alexandria?”. A resposta foi organizar um concerto com cantos da tradição islâmica e da tradição cristã, cantos sufistas e hinos litúrgicos.
No início de janeiro a orquestra se apresentou em Qubbat Al Ghori, um lugar cheio de história, que testemunha a convivência de longa data entre muçulmanos e cristãos. O público muçulmano se misturou com o cristão. A orquestra entrou.
Na primeira fila, doze cantores sufistas, na fila central doze cantores cristãos, na terceira e na última fila doze cantores da tradição bizantina. O concerto começou e imediatamente os membros cristãos e muçulmanos da orquestra ficaram visivelmente comovidos. Nós estávamos sentados a poucos metros do palco e vimos um cantor da primeira fila começar a chorar assim que o grupo cristão começou a cantar e três cristãos cantavam chorando. Um deles olhava para o céu exatamente como fazia um cantor muçulmano. Choravam e olhavam para Alá. Ninguém da plateia conseguia conter as lágrimas. Até os fotógrafos, o segurança e os jornalistas.
Durante o intervalo ouvimos comentários como: “Desde quando somos divididos por causa da religião?”; “O Corão com a Bíblia”; “As igrejas perto das mesquitas e sempre estaremos próximos”; “Por que dizemos a ‘sua’ religião e a ‘minha’ religião, quando Deus é Único?”. Durante o concerto, o cantor muçulmano da primeira fila não parou de chorar. Assim como os cristãos da segunda fila. Eles não podiam se ver. Eu era testemunha de seus corações e de suas lágrimas.
Antes do final do concerto, o diretor leu a poesia Os Heróis, do papa copta Shenouda III, escrita para os mártires, e em seguida a orquestra tocou, fazendo mais uma vez todos chorarem. No fim, o diretor cantou por toda a humanidade, e nós cantamos com ele. Repetiu a música duas vezes, e um dos voluntários, que não conseguia usar a voz por causa de uma cirurgia, gritou com toda a sua força: “Vida longa ao Egito!”.
No final do concerto fomos cumprimentar a orquestra e particularmente os cantores cristãos para demonstrar-lhes nossa proximidade. Todos dissemos: “No fundo, foi um bem, porque este ataque fez com que pensássemos uns nos outros e na humanidade em diálogo”. A beleza das vozes e dos textos salvaram os anos em que os laços com os cristãos ficaram cortados.
Os amigos italianos que participaram do Meeting do Cairo podem entender as minhas palavras e têm um grande papel nessa oportunidade que nos foi dada de colaborar com a salvação do mundo.

*Presidente do Tribunal do Sul do Cairo