Como entender a revolta árabe?

Durante muito tempo vamos falar das revoltas nos países árabes. E temos que nos esforçar para entender porque a situação é muito complexa. Uma coisa é clara: cada país vive uma história diferente.
Roberto Fontolán

Em Bahrein e outros países do Golfo é cada vez maior a fratura entre os sunitas e os xiitas, avivada pela quase guera civil do Iraque que pode acontecer também no Líbano. Na Tunísia o sofrimento das gerações instruídas e a atitude da família e da esposa do ex presidente Ben Ali foram decisivos. No Egito, a extrema pobreza de quase metade da população e falta de perspectivas para o futuro. Na Líbia, é sem dúvida decisivo o forte componente islâmico e a rejeição de Gadafi e seu clã.

A Argélia se encontra no meio do camino entre Egito e Líbia. No Irã, país do qual se fala muito pouco, domina o antigo e insuportável despotismo islâmico dos aiatolás. Em cada lugar as coisas evoluíram de um modo diferente, mas as revoltas chegaram sem dúvida à Síria e às monarquías “iluminadas” da Jordânia e Marrocos, incluindo a Arábia Saudita.
Se as situações são tão diferentes, como é que se entende a revolta que se instalou na pequena e pouco influente Tunísia? É evidente que há fatores comuns e um deles é precisamente o “árabe”, a sensação de ser parte do mesmo “mundo”, além das peculiaridades nacionais. Essas diferenças foram ferozmente marcadas pelos líderes de cada país (vale a pena citar “A Miséria dos Árabes”, do jornalista libanês Samir Kassis, assassinado em 2005).

Atualmente um dos elementos que serviram para aglutinar a sensação de pertencer ao mesmo mundo é o profundo sentimento de hostilidade contra Israel. Uma hostilidade que vai desde à crítica à política do Estado de Israel, popular nos círculos cristãos, ao antisemitismo. É um elemento entre vários, mas pesa muito: basta pensar no discurso-sermão de Yusuf Qaradawi, na Praça do Cairo na semana passada.

Um segundo fator é a explosão do desejo contagioso de uma nova vida: a liberdade, especialmente em suas expressões econômicas e sociais. E também a necessidade de maior prosperidade, de conhecimento e autenticidade.

Um terceiro elemento é o câncer dos regimes autoritários, sejam seculares ou islâmicos, nascidos a partir do baazismo, do nasserismo ou de golpes de Estado. Um modelo que no campo religioso significa “oração nas mesquitas e poder para o rei”, incluindo uma certa liberdade religiosa para as minorias cristãs e que explica a preocupação com as hierarquias nas igrejas.
No Oriente e no Ocidente, nos perguntamos com ansiedade o que sucederá. Alguns tomam partido daqueles que asseguram que “Estávamos melhor quando estávamos pior” e outros se digladiam com o dilema entre democracia e estabilidade. São posições anacrônicas, isto é, fora do tempo, fora de uma realidade que se apresenta e que, como os rios no outono, traz o fácil e o difícil, o incompreensível e o claro, o fundamentalismo islâmico e o desejo de liberdade, os tremores de um mundo velho e as sementes de uma nova compreensão entre cistãos e mussulmanos, o mistério de uma série de sucessos chocantes (que é inerente à realidade).

O que está acontecendo não se pode compreender com esquemas nem com o medo. Seguirá desafiando a todos. E nos chama a três coisas: construir, construir e construir.

(Publicado no site espanhol Páginas Digital)