Adeus, Multiculturalismo

No Reino Unido, parecia ser uma experiência de sucesso. Mas a realidade obrigou o primeiro-ministro a reconhecer o seu fracasso: o modelo mais teorizado de entender a integração faliu. Entrevista com o teólogo anglicano John Milbank
Fabrizio Rossi

Por um impresso que os ingleses irão encontrar na caixa do correio para o recenseamento no final de março é possível entender o quanto é longo o caminho para a integração. Quatro páginas de questionários que o Governo teve de traduzir em 57 línguas, do tagalog dos filipinos ao igbo dos nigerianos. Um dos muitos indícios do “fracasso do multiculturalismo”, explica o teólogo anglicano John Milbank: “Prometia a convivência das diversas culturas, ao passo que favoreceu as divisões”. Nascido em 1952, Milbank ensina Religião, Política e Ética na Universidade de Nottingham. Debruçou-se sobre o multiculturalismo por diversas vezes, intervindo em 2006 nos seminários da Fundação para a Subsidiariedade, em Milão, e dois anos depois no Meeting de Rímini.
Atualmente as questões ligadas ao encontro-choque de culturas são mais candentes que nunca, levantando problemas que não são nada teóricos. O próprio David Cameron, primeiro-ministro de um país que durante anos acreditou na utopia segundo a qual indianos, chineses e árabes, brancos e negros, podiam conviver num mix de identidades, tomou posição publicamente: “Esse modelo fracassou”, denunciou na Conferência de Segurança de Munique no último dia 5 de fevereiro. “A Europa precisa acordar: chegou a hora de virar a página”. Outros líderes europeus, como Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, também estão do seu lado nessa mudança de rumo atual. Aquilo que a torna cada vez mais urgente é um fato muito simples: a realidade está apresentando a fatura. Onde fora prometida a integração, nasceram guetos onde nem sequer a polícia se atreve a entrar (751 só nas cidades francesas). Ou instituições como os sharia courts (uma centena no Reino Unido), autênticos tribunais locais que aplicam a lei islâmica em divórcios, disputas financeiras e heranças. Situações que rebatizaram de Londonistan uma cidade que, ainda por cima, já conheceu de perto o terrorismo islâmico, capaz de – como nos atentados de Londres em 2005 – envolver imigrados de terceira geração, com passaporte e nacionalidade, perfeitamente integrados, pelo menos na aparência.

Professor Milbank, por que motivo se deve abandonar essa doutrina?
Porque implica um relativismo: poderá existir uma convivência onde não haja nenhum valor em comum? Em todas as sociedades é necessária uma noção partilhada de bem comum.

Para o primeiro-ministro inglês, David Cameron, “fomos nós próprios que permitimos um enfraquecimento da nossa identidade”, como demonstram aqueles países que queriam eliminar do documento da União Europeia sobre a liberdade religiosa qualquer referência aos cristãos...
Temos que defender a nossa identidade. Por exemplo, na Inglaterra foi um erro apoiar organizações que abraçam qualquer tipo de islamismo, ainda que moderadas. Esperava-se reduzir o risco de um islamismo violento, mas não é verdade. Agora Cameron anunciou uma mudança de rumo: o Governo não irá financiar grupos que fomentem o fundamentalismo, incluindo o Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha.

Quais são os problemas a que o multiculturalismo conduziu?
Em primeiro lugar, penso nos guetos das nossas cidades: os vários grupos vivem nas suas áreas respectivas, sem nunca entrarem nas outras. São zonas off limits mesmo para as forças da ordem, tanto que muitas vezes são as próprias minorias que organizam as rondas. Esse modelo prometia a convivências das diversas culturas, mas favoreceu as divisões.

Os jornais falam também de intolerância aos símbolos cristãos, desde a enfermeira que não pode rezar por um doente ao empregado que tem de tirar o crucifixo “para não ofender quem tenha uma fé diferente”.
Temos que lidar com esses casos, mas parece-me um fenômeno em desaparecimento. Nas escolas inglesas as jovens muçulmanas podem usar lenços, em vez do véu, e um cristão pode usar uma cruz ao pescoço: na Inglaterra a situação é menos problemática do que na França.

Como se pode enfrentar essa situação?
Com o princípio de Subsidiariedade e toda a Doutrina Social da Igreja, porque promove a livre associação e a sociedade civil relativamente às estruturas. Vejo já sinais de que as pessoas estão acordando: por exemplo na obra dos London Citizens, que agrupam várias comunidades para contribuir para o bem comum. A Subsidiariedade, além disso, promove o verdadeiro pluralismo religioso. Como me disse outro dia um colega muçulmano, muitos não cristãos sentem-se contentes pela Inglaterra ser de confissão anglicana: vivem melhor aqui do que num país completamente secularizado.

Em Rímini o senhor disse que o que está acontecendo é um “desafio para os cristãos”. O que isso quer dizer?
Temos que travar uma batalha em três frentes: de um lado, está a herança cristã da Europa; de outro lado, o liberalismo ateu dos nossos dias; e por fim os imigrados, muitos dos quais têm o seu próprio credo. Portanto, nós europeus podemos partilhar diversos frutos do Iluminismo, nascido em solo cristão, enquanto que com quem tem uma religião diferente, partilhamos a luta contra alguns aspectos do liberalismo. Nesse sentido, encontramo-nos numa espécie de triângulo.

Como observou o Papa, “vivemos um encontro permanente” com diferentes culturas. Uma situação semelhante à “da Igreja primitiva, em que os cristãos eram uma pequeníssima minoria”...
É assim, pois nos é pedido para darmos as razões da nossa fé, para persuadirmos pela palavra e pelo exemplo. Podemos até ser uma minoria, mas muito incisiva. Num mundo que conheceu o vazio das ideologias, a religião volta a ser a única fonte de valores. Já vai se formando uma nova cristandade. E só numa perspectiva cristã se podem respeitar os direitos dos grupos, mesmo de outras confissões.

Pode dar um exemplo?
Veja-se o aumento da criminalidade nas nossas cidades. É um perigo sério: corremos o risco de viver num mundo administrado por criminosos, como já se verifica em nações como a Rússia ou o México. Ora, eu creio que só os crentes podem delimitar este fenômeno.

Em que sentido?
Só quem vive a sua própria religiosidade está em condições de ver no outro uma criatura de Deus, em vez de um estranho. O cristianismo é, com efeito, a força religiosa mais globalizada, em que todos podem conservar a sua própria identidade específica estando, ao mesmo tempo, unidos em Cristo. Só um olhar cristão, e católico em particular, consegue integrar as diferenças num sentido de unidade. Porque para o cristão o outro tem um valor infinito como pessoa, não é um obstáculo. Não somos átomos isolados. E o outro nunca é totalmente outro: mesmo entre culturas diferentes, partilhamos a experiência da vida, do nascimento e da morte, do dia e da noite... Ninguém nos é realmente estranho.