América, o sonho não desmoronou
Completa-se dez anos da queda das Torres Gêmeas, o atentado que mexeu com o mundo. E que continua a nos desafiar ainda hoje: estamos dispostos a lutar pela cultura da vida?Dez anos são um tempo muito curto para conseguir avaliar o alcance de um evento histórico e as suas consequências; tanto mais se se tentar medir o impacto dos acontecimentos de um único dia sobre uma ideia enraizada no tempo como é aquela do “sonho americano”. Aquele sonho assumiu muitas formas nos últimos três séculos, desde os dias das colônias americanas antes da independência. Significou a liberdade de culto, a liberdade para gozar da abundância material de uma nova terra, a liberdade de ser governados por instituições cuja soberania deriva daqueles que são governados; a liberdade da fome irlandesa, da servidão centro-europeia ou da pobreza latino-americana; a liberdade para superar as amarras criativas nas artes e nas ciências, e muitos outros sonhos individuais e coletivos. Nenhuma expressão conseguiu descrever melhor este sonho do que a esperança de ter direito a: “A vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
Se os atentados do 11 de setembro destruíram muitas vidas, e temos que recordar primeiros as vítimas e suas famílias, os efeitos sobre estas diversas manifestações de um sonho comum foram mínimos. A possibilidade que uma família qualquer tem de chegar ao fim do mês, de comprar uma casa, de assegurar a instrução aos filhos, de praticar livremente a própria religião, e assim por diante, tem dependido muito mais da dívida pessoal e nacional, do mercado imobiliário e das crises financeiras, da eleição de uma administração “progressista” e da cada vez maior sexualização e materialização da cultural coletiva, do que de qualquer resposta aos terroristas islâmicos. Mais do que isso, foi exatamente observando as tendências que subjazem a estes progressos nas sociedades europeias e norte-americanas, que os assassinos do 11 de setembro e seus cúmplices islâmicos em todo o mundo amadureceram a sensação de que o Ocidente talvez já estivesse pronto para ser conquistado.
As analogias históricas sempre são perigosas, mas alguns exemplos recentes podem ser instrutivos e nos ajudar a colocar as coisas sob uma nova visão. Em 1951, dez anos depois do ataque a Pearl Harbor, os Estados Unidos deram uma importante contribuição para a derrota da Alemanha nazista e do Império japonês. Aquela guerra havia devastado o planeta. No período imediatamente posterior, os Estados Unidos haviam se retirado das missões exteriores na esperança de recriar a condição anterior à guerra de uma busca pacífica da prosperidade na própria pátria. Muito rapidamente descobriram que suas responsabilidades globais eram pesadas, e sua capacidade de criar a paz e defender contra o comunismo eram insubstituíveis. Dez anos depois de Pearl Harbor, os Estados Unidos haviam se comprometido com a defesa de longo prazo da Europa na OTAN, estreitavam-se em outros lugares alianças militares diferentes, haviam construído uma série de instituições políticas e econômicas, das Nações Unidas ao Plano Marshall ao Banco Mundial, começavam a lidar com o pesadelo dos adversários dotados de armamentos nucleares, e estavam atolados numa impopular “ação policial” na Coreia que ainda hoje não foi resolvida. Ninguém, em 1941, poderia imaginar a década que se seguiria, e ninguém, em 1951, poderia suspeitar tudo o que lhes esperava nos sessenta anos sucessivos. Mas, o sonho americano sobreviveu.
Em 1969, os Estados Unidos levaram o homem para a Lua, um sucesso tecnológico desconcertante e corajoso, que havia sido motivado pela exigência de demonstrar que as sociedades livres podiam se comprometer com aquelas missões melhor do que os regimes totalitários. Mas, também em 1969, a sociedade americana estava em meio a uma mudança radical, e envolvida com uma insatisfação algumas vezes violenta, e muitos especialistas acreditavam que a União Soviética estivesse se fortalecendo em detrimento da perda de forças norte-americana. Dez anos depois, o país havia abandonado o Vietnã, havia sido abalado pelas crises petrolíferas dos anos 1960 e pela inflação, e se preparava para eleger Ronald Reagan para restaurar um nível mínimo de confiança. Vinte anos depois do pouso na Lua da Apollo 11, o Muro de Berlim caiu (com um pouco da ajuda de um Papa polonês). O sonho americano ainda vivia.
Se é correto associar o sonho com esta prosperidade imperfeita mas substancial dos Estados Unidos, o sonho, no entanto, não é exclusivamente norte-americano. As pessoas – seres humanos individuais, nas suas famílias e comunidades –, em qualquer lugar e sempre, querem ser felizes nos modos mais fundamentais e transcendentes, mesmo se não sabem bem como organizar os governos, as políticas, a finança ou a cultura para buscarem melhor aquela felicidade. Dez anos depois do 11 de setembro, vemos o mundo árabe abalado por convulsões: não necessariamente em busca dos direitos humanos ou das normas democráticas ocidentais, mas, pelo menos, contra a opressão e a pobreza imposta.
O 11 de setembro nos lembrou que existe realmente a possibilidade da escolha entre uma cultura da vida – o amor, a liberdade da pessoa, a realidade ordenada e as verdades absolutas – e a cultura da morte. Estas culturas não se alinham às fronteiras nacionais no curso do tempo, e os partidários de ambas estão presentes em todos os lugares e em todos os momentos. As ameaças contra aquele sonho, contra a cultura da vida, podem assumir a forma de ataques terroristas, de ameaças totalitárias ou de aproximações silenciosas por parte de niilistas culturais. Dez anos depois do 11 de setembro, estamos cansados das guerras no Iraque e no Afeganistão que se seguiram aos atentados terroristas. A pergunta mais comum é se estamos cansados de lutar pela cultura da vida.
* O autor é Senior Transatlantic Fellow junto ao The German Marshall Fund.