Bernhard Scholz, presidente da CdO.

Livres para não se deter

Corria o ano de 1986 quando Giussani experimentou um bom vinho branco... Hoje, a CdO ainda existe, e cresce. História de uma rede de relacionamentos que atravessou mudanças e dificuldades, mas manteve-se. Entrevista com o presidente Bernhard Scholz
Stefano Filippi

A crise que aperta, a economia que não se recupera, a política que vacila. Neste cenário, a Companhia das Obras realiza sua Assembleia Geral no dia 20 de novembro tendo como título: “Na Estrada da Liberdade”. É preciso coragem para falar de liberdade enquanto as emergências da política e a redução de recursos apertam o cerco. Mas não falta coragem a Bernhard Scholz, que há três anos é o presidente da Companhia das Obras (CdO).
Em 2011, a associação completa 25 anos: corria o ano de 1986 quando Dom Giussani experimentou o vinho branco de Alcamo, produzido por Sebastiano Benenati, e convidou Giorgio Vittadini e alguns amigos para ajudá-lo na comercialização. O partido política da Democrazia Cristiana (Dc) terminou, a Tangentopoli passou, uma devastadora crise econômica quebra muitas empresas, mas a CdO ainda existe. Scholz assumiu nos meses da falida Lehman Brothers. Nestes anos, a situação internacional não melhorou, todavia, ele não se uniu ao coro das lamentações. “Entre nós há empresas que vão bem, outras estão em dificuldade. Algumas fecharam. Mas ninguém viveu a ruína da empresa como uma falência pessoal. É possível enfrentar construtivamente os desafios da realidade”, afirma Scholz. É um juízo que vale a pena aprofundar.

“No caminho da liberdade”: o que a CdO quer enfatizar na próxima Assembleia Geral?
Que em uma situação em que muitos sentem-se condicionados pelas dificuldades por causa da crise e de tantas influências externas, a pessoa pode suportar a circunstância ou enfrentá-la. Nós vemos que através da experiência que estamos fazendo é possível crescer em liberdade: somos livres para enfrentar positivamente, construtivamente, os desafios que temos diante de nós.

Desafio fascinante, mas árduo.
Sim, e possível, com duas condições: primeiro, que se reconheça e se aprofunde a experiência pessoal de liberdade; segundo, que exista uma realidade social que ajude na responsabilidade pessoal sem substituir-se à pessoa. Sem um povo, sem uma vida social verdadeira, é impossível que se possa ficar de pé.

Qual o passo marcante nessa Assembleia em relação à do último ano?
É um percurso que começou há três anos, quando estourou a crise. Em 2008, o tema era “O seu trabalho é uma obra”. O significado do trabalho como realização de si: tudo começa daí, cada ação da pessoa é por si mesma uma contribuição para o bem comum. Em 2009 destacamos que “A sua obra é um bem para todos”, pretendendo solver o nexo entre o bem da pessoa, da empresa e da sociedade. Que são coisas diferentes, mas têm uma origem comum na pessoa que cria. No ano passado aprofundamos de onde nasce a nossa responsabilidade: a origem não é uma impostação deverista, mas o fato de que cada um responde àquilo que precisa enfrentar na vida com um critério ideal. Cada ação tem um critério e é preciso saber qual é. O título era: “Uma responsabilidade que cresce com a força da origem” que, para nós, é a experiência de Comunhão e Libertação. Este ano, sublinhamos que esta experiência gera liberdade, possibilidade de não ser condicionado pelos vínculos ou, se quisermos usar o grande paradigma evangélico, estar no mundo sem ser do mundo.

O senhor fala de uma experiência de liberdade, também dentro das obrigações. E, frequentemente, a CdO tem testemunhado que a crise não pode ser vivida como uma oportunidade. Mas, e se as dificuldades acontecerem?
Tivemos histórias de sucesso e, graças a Deus, poucas foram as empresas fechadas. Mas a falência nunca é uma falência da pessoa. Se uma pessoa é verdadeiramente livre, pode enfrentar também uma crise empresarial ou, até, um fechamento de maneira positiva, não como um veredito sobre si, mas como um pedaço da realidade que precisa enfrentar. E quem sabe, começa a fazer outro trabalho. Entre nós, há exemplos de que isso é possível.

Como vocês ajudam as empresas em risco?
De várias maneiras. Propomos trabalhar juntos. Ninguém consegue ir em frente sozinho, enquanto uma rede de relacionamentos salvaguarda a autonomia da empresa individual reforçando-a em um contexto operativo. Outra maneira é a proposta formativa: melhorar as próprias competências em diversos setores. Oferecemos uma orientação financeira. O objetivo da CdO não é tutelar o status quo, mas ajudar o indivíduo no desenvolvimento e no crescimento. Um ponto importante é a ajuda à internacionalização, que para muitas empresas tornou-se uma possibilidade de crescimento.

Também entre vocês devem existir pessoas que perderam o emprego.
A demissão talvez seja a coisa mais dolorosa de todas. Para nós, é uma ferida grande, que devemos nos ajudar a enfrentar. Por isso, a primeira verdadeira contribuição que oferecemos é um clima, uma convivência na qual o indivíduo é sustentado. O maior inimigo que temos é a solidão e o medo que enfraquece qualquer um. Trabalhar juntos reforça, encoraja e liberta capacidades não expressas. Sobretudo, faz viver também as dificuldades sem se deixar determinar por elas. Isto, sozinhos, é impossível.

O que a CdO espera da política?
Reconhecer o fato de que neste País existem famílias e empresas, com ou sem fins lucrativos, que dia a dia contribuem para o bem comum e, portanto, sejam apoiadas. É preciso valorizar o positivo que existe. E como consequência imediata, pedimos maior atenção à questão educativa: tornar mais ágil o sistema escolar e a formação profissional, manter as escolas paritárias, que são um ponto de referência para qualquer reforma da educação que se deseje. Tudo começa com a educação, sem ela nunca se poderá alcançar um bem estar duradouro, mas apenas um proveito recíproco fugaz.

Como a CdO quer se relacionar com a política?
Com um diálogo aberto e construtivo, não baseado em cálculos ou privilégios, mas orientado ao real bem de todos. Não esperamos uma força salvadora da política, mas um apoio e uma tutela das iniciativas positivas. A politização e a antipolítica são, de fato, dois lados da mesma moeda. Nós temos uma grande experiência de obras sociais que fazem um bom trabalho e mostram que a ajuda subsidiária é factível. Temos experiências de formação profissional que valorizam também os jovens com deficiência psicofísica, os quais são procurados por muitas empresas porque, tendo feito uma experiência positiva da vida e sendo conscientes e gratos pelo que encontraram, são muito mais motivados do que muitos outros. São um modelo para todos: estes jovens ficariam escravos de sua condição, porém, deixaram-se libertar e agora são pessoas que trabalham com uma consciência do bem.

Como os católicos podem incidir mais na sociedade?
A incidência histórica sempre parte de uma experiência. Mas, a grande tentação é pensar que brota de um projeto hegemônico de poder ou da mudança de estruturas sobre as quais se coloca toda esperança de novidade. O verdadeiro sujeito é a pessoa e esta crise é uma grande ocasião para redescobrir a pessoa na sua dignidade verdadeira e na sua capacidade de incidir em qualquer âmbito. Essa incidência histórica, por si só, permanece sempre, mesmo prescindindo dos sistemas políticos, partidários ou de grupo. Todas as mudanças, pequenas ou grandes, partem sempre de pessoas que tomam iniciativa. Mas quanto mais essa iniciativa é vivida com uma consciência comunitária, mais livre é e mais se torna incidente a médio-longo prazo.

De onde partir para começar a construir novamente, sem esperar tudo da política, das reformas, ou que seja ajustado aquilo que não funciona?
O ponto de “recomeço” é a pessoa, o eu. Parece inverossímil, porque diante da globalização a pessoa aparece como o ponto mais frágil: porém, é o mais forte. Para recuperar uma empresa é preciso um sujeito, uma pessoa dentro da empresa, não necessariamente um empresário. Em um escritório público, basta uma pessoa para começar a mudar. Qualquer mudança depende de uma pessoa mudada que percebe o nexo profundo entre o próprio particular e o todo. Qualquer pessoa que perceba esse nexo, qualquer que seja a proveniência cultural, pode contribuir para a mudança do país.