Ataque aos cristãos

Os ataques do grupo Boko Haram fazendo dezenas de vítimas. O que se passa neste país-chave do Continente africano? Uma viagem pelas razões de um confronto que não é (só) religioso
Luca Fiore

«Estou na Nigéria há 27 anos, mas a situação nunca foi tão grave», conta a irmã Caterina Dolci, missionária na aldeia de Kona, no Norte do País, com uma voz firme, mas que não esconde o medo. Devia ser o dia mais bonito do ano. Porém, na manhã de 25 de dezembro, no exterior das igrejas de Jos, Madalla e Gadaka, o tempo parou. A onda de choque das explosões atravessou o ar. Quando o pó assentou, apareceram restos de automóveis e cadáveres nas estradas. Mais de 40 mortos e centenas de feridos. Era a ofensiva dos fundamentalistas islâmicos de Boko Haram, os “talibãs” nigerianos. Ainda não tinha havido sequer tempo para sepultar as vítimas quando o ultimato chegou às casas dos cristãos: «Saiam do Norte dentro de três dias ou morrerão». Mais violência, mais morte. Na noite de 20 de janeiro chegam homens de Boko Haram vestidos com uniformes camuflados. Abrem fogo à toa. Matam 178 pessoas. Na noite seguinte, as bombas dos terroristas atingem duas outras igrejas. Em dezenas de conflitos, num país dividido ao meio, entre o Norte muçulmano e o Sul cristão, nunca se tinha chegado a este ponto.

PETRÓLEO E POBREZA. «O sentimento que prevalece é o medo», continua a irmã Caterina, que cuida de uma obra com 500 crianças em Kona: «Dizem-nos para não sairmos de casa. É perigoso nos reunir, é melhor não irmos a lugares cheios de gente. As escolas estão fechadas. De noite, as motos não podem andar, porque são um alvo preferido dos raides de Boko Haram. As igrejas estão sendo defendidas pela polícia». As pessoas não conseguem adormecer com medo, muitas ficam acordadas para estarem prontas a se defender dos ataques durante a noite. «Há quem tenha flechas com veneno já prontas ou outras armas improvisadas. Os muçulmanos daqui, como já vimos muitas vezes no passado, sabem que se atacarem os cristãos vão provocar represálias: assim já têm desculpa para voltarem a atacar».
O arcebispo de Jos, o monsenhor Ignatius Ayau Kaigama, apela aos cristãos para não cederem à lógica da violência, mas admite que são obrigados a viver no terror: «Boko Haram ataca em qualquer momento, onde quer que seja e com qualquer meio. O Governo parece incapaz de garantir a segurança. E, no entanto, deveria fazer o possível para encontrar os responsáveis e garantir que serão entregues à justiça».
A divisão entre os doze Estados muçulmanos do Norte e os vinte e quatro cristãos do Sul aprofundou-se. Em muitos casos, a sharia foi assumida como lei fundamental do Estado, reduzindo os não muçulmanos a cidadãos de segunda classe. Um golpe para a possibilidade de convivência pacífica. Uma derrota para a liberdade religiosa. Uma ferida para os cristãos nigerianos. Todavia, são eles que sofrem na pele com o que está em jogo, e que é muito mais importante do que as lutas tribais e os conflitos religiosos: a Nigéria é um país estratégico, não só para o equilíbrio na África, mas também para a estabilidade internacional.
«É um dos países africanos mais importantes», explica Aldo Pigoli, professor de História dos Países Africanos na Universidade Católica de Milão: «É o Estado mais populoso e a segunda potência econômica do Continente, mas as estimativas dizem que até 2020 o PIB vai superar até o da África do Sul. Para além disso, o País é um eixo fundamental para o desenvolvimento e a estabilidade da região. A Nigéria tem um dos exércitos mais organizados da África e desempenhou um papel importante nas operações de paz durante os conflitos na Serra Leoa e na Costa do Marfim. Com os seus poços no Sul, é o primeiro produtor africano de petróleo e o quinto exportador de petróleo bruto para os Estados Unidos».
O petróleo tornou-se um dos principais motivos de desentendimento na luta pelo poder entre o Norte e o Sul. Um negócio que passa por cima da população e vai enriquecer os mesmos de sempre. É o clássico paradoxo africano: o País exporta US$ 30 bilhões em petróleo para os Estados Unidos, enquanto o cidadão comum vive apenas com dois dólares por dia. «A estabilidade da Nigéria deveria ser prioritária para todos os agentes internacionais mais importantes», continua Pigoli: «Para os Estados Unidos, devido ao petróleo, para a China, devido aos negócios e para a Europa que, no caso de implosão do País, se confrontaria com um fluxo migratório em direção ao Mediterrâneo».

O DESABAR DA CONFIANÇA. O que deflagrou a crise foram as eleições presidenciais realizadas em abril passado. As primeiras eleições verdadeiramente pacíficas desde o fim da ditadura militar, em 1999. Ganhou o presidente cristão Goodluck Jonathan, que subiu ao poder depois da morte do seu predecessor muçulmano, de quem era vice-presidente. O seu adversário, o muçulmano Muhammadu Buhari, não aceitou a derrota. Resultado? Uma longa série de protestos no Norte. Muitos líderes muçulmanos não aceitam que o presidente da federação nigeriana seja um cristão, e em nível local sua autoridade não é reconhecida. Por seu lado, Jonathan não conseguiu sequer ganhar popularidade no Sul, porque não parece capaz de garantir a segurança dos cristãos e porque tentou acabar com os subsídios dos combustíveis. Jonathan defende que o dinheiro poupado com a eliminação dos subsídios – o que teria feito duplicar seu preço - seja reinvestido no relançamento do desenvolvimento do País: infra-estruturas, educação e proteção da economia. «Mas o desafio é que a riqueza produzida pelo petróleo produza bem-estar também para a população», explica ainda Pigoli: «Os grupos fundamentalistas terão um bom jogo até as pessoas verem melhorar a sua situação econômica».
No dia seguinte ao ultimato de Boko Haram, os cristãos não cederam à tentação de fugir para o Sul. Mas depois da segunda vaga de ataques, o medo se impôs e o êxodo começou. «O problema é que também os muçulmanos oriundos do Norte, mas que vivem no Sul, estão se preparando para voltar», diz monsenhor Kaigama: «Trata-se de um desenvolvimento muito perigoso. O Governo tem de agir com firmeza para acabar com a violência e reconstruir um clima de confiança».

PRIMAVERA ISLÂMICA. «Entre nós, e em Boka e Jalingo, aqui perto, a relação com os muçulmanos sempre foi cordial», explica a irmã Caterina: «Mas depois de tudo o que aconteceu, confiar tornou-se difícil. Os atentados são obra de uns poucos, mas o clima piorou. A minha aldeia é cristã, mas os muçulmanos conseguiram construir uma pequena mesquita no coração do centro habitado. Há algum tempo que existe um plano de conquista por parte da comunidade islâmica: compram a terra, oferecem dinheiro a quem se converter, os jovens procuram casar com jovens cristãs... Eu estou convencida de que a maior parte dos muçulmanos é gente simples, que não quer confrontos com os cristãos. Mas Boko Haram é a expressão mais violenta de um modo de pensar cada vez mais comum».
Pode parecer estranho, mas um dos fatores que reforçou a posição dos fundamentalistas no País foi a Primavera Árabe. Disso está convencido Massimo Introvigne, ex-representante da OSCE (Organização para a Cooperação e Segurança da Europa) para a luta contra o racismo, contra a xenofobia e contra a discriminação em relação aos cristãos e àqueles que professam outras religiões: «Para a África negra é decisivo que tenham desaparecido figuras influentes como Kadhafi, Mubarak e Ben Ali. Eram referências porque estavam ligadas à visão modernizadora do Islã e do mundo árabe. A sua queda assinala o fracasso político daqueles que acreditam que o Islã deve apontar para a modernidade, isto é, para o Ocidente. Os nigerianos também assistiram à derrota dos seus líderes muçulmanos que seguiam Kadhafi e Mubarak. E agora que o Governo está nas mãos dos cristãos, percebe-se a razão pela qual os fundamentalistas de Boko Haram conseguem tantos adeptos».
Em Jalingo foram encontradas armas no carro de um líder muçulmano. O homem foi detido pela polícia, ainda que ninguém acredite que vá ficar muito tempo na prisão. Em 11 de janeiro chegaram sms inquietantes aos cristãos da aldeia de Boka: «À meia-noite de hoje vai começar a jihad». No dia seguinte nada aconteceu. É a estratégia da tensão. Não havia necessidade de anunciar o início de uma coisa que já está acontecendo.


UM GIGANTE JOVEM
A Nigéria é uma república federal com 36 estados. Com os seus 155 milhões de habitantes, é o país mais populoso de África. No seu território vivem 250 grupos étnicos diferentes. 40% da população tem menos de 14 anos, a média de idades é de 19. Em 2009, havia 3,3 milhões de doentes com SIDA. Em 2010, o crescimento do PIB foi de 8,4%. É o décimo produtor mundial de petróleo. Os muçulmanos são 50%, os cristãos 40%, os animistas 10%. Há anos que o país vive numa situação de tensão devido aos conflitos no Norte, entre a maioria muçulmana e a minoria cristã. Em 2010, as vítimas destes confrontos foram entre 300 e 500, 300 casas destruídas, 14 mil os desalojados.