(Foto: Avenida Brasil/TV Globo)

É o tempo da pessoa ou é a hora da novela?

"Avenida Brasil", a novela das nove da Rede Globo chega à sua última semana tendo sido vista por cerca de 80 milhões de pessoas durante meses.
Marco Montrasi

O jornalista Arnaldo Jabor escreve sobre “Avenida Brasil”, a novela das nove que surpreende pelo sucesso alcançado: “Esta novela é parte importante da cultura brasileira atual, para longe dos esnobismos estetizantes. Vejo que aqui e no mundo audiovisual nasce uma nova arte de massas, um barroquismo digital e pós-pós que não busca mais a realização de um sentido, mas uma convivência entre ficção e realidade. Há vários anos a gente analisava a “importância” de uma obra de arte, para além de sua aura poética. Buscávamos alguma coisa que ajudasse a “mudar” contradições e desse mais harmonia e sentido para a vida social. E agora? Bem, esta novela foi vista por cerca de 80 milhões de pessoas durante meses, e isso a torna não apenas uma ficção sobre nós. Ela faz parte da nossa realidade”.

Lendo essas observações, percebi em mim uma enorme necessidade de realismo, pois a busca do sentido das coisas permanece sempre viva dentro de nós, e não precisamos de convivência com a ficção, mas de respostas reais, concretas à nossa busca.

Estamos numa época em que falar de ideal está fora de moda, quase se ri quando o assunto é proposto. Mas isto é exatamente o que falta: algo que nos faça sair do torpor e do sofá; algo que nos faça sair dessa confusão entre realidade e ficção que, exatamente pelo fato de carregar em si um pouco de realidade, nos ilude e nos adormece.

O que esse clima cultural faz conosco não é uma ditadura violenta, mas é a redução desse ímpeto original que todo homem possui em seu coração, no seu íntimo mais profundo. Essa redução o leva a sentir esse ímpeto como algo incômodo, ridículo, algo a ser censurado. Mas como não consegue eliminar esse desejo, o homem procura sempre alguma coisa, ou na droga, ou no sexo, ou na tecnologia. Como diz o Papa “o homem se refugia em falsos infinitos” para ficar bem, para ter um pouco de alívio (cf. mensagem ao Meeting de Rímini, 10 de agosto de 2012).
Dom Giussani dizia que “quando realmente as garras de uma sociedade adversa se apertam à nossa volta a ponto de ameaçar a vivacidade de uma expressão nossa e quando uma hegemonia cultural e social tende a penetrar o coração, aguçando as já naturais incertezas, então é chegado o tempo da pessoa” (L. Giussani, “Chegou o tempo da pessoa”, Litterae Communionis nº 1, jan/1977).

Sem querer ser moralista, pois a novela também é um fenômeno culturalmente interessante, digo que a reflexão deve ser mais profunda. Vivemos um momento dramático em que aquilo que vive ameaçado é o nosso humano, o nosso eu. Não estamos falando só de novelas. A novela é expressão de algo muito maior e bem definido e invasivo que parece ser realidade, entra na nossa realidade, mas que nos faz esquecer a realidade. Isto porque a realidade, para nós, muitas vezes é feia, triste, pesada, sem sentido.

Precisamos voltar a olhar a nossa estrutura original, que quando vê algo verdadeiro se desperta e deseja coisas “impossíveis” e grandes. Precisamos voltar a desejar ver grandes horizontes, sem medo da aparente contradição que a vida possui ao colocar esse ímpeto irrefreável em nós e do drama da vida com os seus problemas. O cristianismo, na sua tradição católica, sempre nos mostrou homens com esse olhar e esse coração: os santos, que mostraram que vale a pena viver a vida integralmente e que é possível para o homem caminhar rumo a um destino bom; que existe um destino bom e não está só no fim, mas está dentro, presente e que me dá a certeza de que não perderei nada daquilo que amo e de que não acabarei no nada. Talvez por isso, por causa desses pensamentos, é que seja melhor buscar outras ocupações para a mente.

O Papa Bento XVI vem ao nosso encontro nesse momento dramático e belíssimo da nossa história ao afirmar no início desse Sínodo dos Bispos, em Roma, que: “A fé deve tornar-se em nós chama do amor, chama que acende realmente o meu ser, se torna grande paixão do meu ser, e assim acende o próximo. Este é o modo da evangelização: ‘Accendat ardor proximos’, que a verdade se torne em mim caridade e a caridade acenda como o fogo também o outro. Só neste acender o outro através da chama da nossa caridade, cresce realmente a evangelização, a presença do Evangelho, que já não é só palavra, mas realidade vivida. São Lucas narra que no Pentecostes, nesta fundação da Igreja por Deus, o Espírito Santo era fogo que transformou o mundo, mas fogo em forma de língua, ou seja, fogo que é contudo também razoável, que é espírito, que é também compreensão; fogo que está unido ao pensamento, à ‘mens’. E precisamente este fogo inteligente, esta ‘sobria ebrietas’, é característica para o cristianismo. Sabemos que o fogo é o início da cultura humana: o fogo é luz, é calor, é força de transformação. A cultura humana começa no momento em que o homem tem o poder de criar o fogo: com o fogo pode destruir, mas pode também transformar, renovar. O fogo de Deus é fogo transformador, fogo de paixão – sem dúvida – que destrói também tanto em nós, que leva a Deus, mas fogo sobretudo que transforma, renova e cria uma novidade do homem, que se torna luz em Deus” (Meditação de Bento XVI na inauguração dos trabalhos do Sínodo dos Bispos, 8 de outubro de 2012).

Precisamos de um fogo que renove! Um fogo real, não fictício, para viver esse tempo da pessoa... na hora da novela.