Naquele ônibus no qual os inimigos se tornam amigos
História de Eran, israelense, que organizou passeios turísticos para os seus "irmãos" nos Territórios ocupados. E as histórias de paz que nasceram nestas breves viagens. Como a de Roni e Nitzam, que atiravam um no outro...Em Gaza há uma guerra. Os foguetes contra Israel, a violenta represália de Tsahal, as casas palestinas destruídas, as vítimas civis, as crianças mortas na praia. Agora o ataque por terra. É um filme já visto, no qual não se embatem as razões de uns e de outros, mas os erros é que se entrelaçam com nós sempre mais inextricáveis. Não somos ingênuos, vemos o que acontece. Mas exatamente por isto, por ser inaceitável o que está acontecendo, queremos olhar lá onde ficam acesas experiências viáveis de paz. Como também o Papa Francisco pediu em seu apelo no final do Ângelus de domingo dia 13 de julho, lembrando que é sempre a oração que “ajuda-nos a não nos deixarmos vencer pelo mal, a não nos resignarmos ao predomínio da violência e do ódio sobre o diálogo e a reconciliação”. Esta é a última de três histórias que nos ajudam a lembrar que não, nem tudo naquelas terras já foi escrito com a tinta da violência. E esperamos poder contar muitas outras desse tipo.
Eran Tzidiaku trabalha como guia turístico. E até aí nada de estranho. Se não fosse que os passeios organizados por este jovem israelense, pesquisador na Hebrew University de Jerusalém, são definitivamente especiais. Sim, porque há alguns anos, Eran colocou na cabeça levar os israelenses para visitas aos Territórios palestinos ocupados. “Às vezes me perguntam se tenho medo de ir para o outro lado do Muro, e eu respondo que mais medo me causaria o não ir lá. Porque se as pessoas não se conhecem, não se encontram, e este País não conhecerá nunca a paz”.
Eran é um ex-soldado, ele viu e provou em primeira pessoa quanta miséria e violência trouxe ao longo dos anos o conflito israelo-palestino. Com um grupo de amigos decidiu fazer alguma coisa. “Estes passeios nasceram do encontro entre alguns palestinos e alguns israelenses em Bet-Jala, uma cidade da Zona C (sob o controle e a administração israelense) na West Bank, onde é permitido encontrar-se. Um amigo meu palestino, Ahmad Alhelu, disse que queria levar os cidadãos israelenses aos Territórios e os palestinos às cidades israelenses. Perto dele estava uma outra moça israelense, de nome Noa Maiman, que disse: “Sabe uma coisa? Eu topo! Comecemos a fazê-lo. Porém devemos fazer de um modo que seja legal”.
Assim pediram as permissões do exército, do sistema israelense e do palestino para seguir os procedimentos corretos. As primeiras vezes usavam automóveis particulares, porque temiam que os numerosos preconceitos teriam causado o fracasso da operação. “Eu me juntei a eles logo depois”, conta Eran, “e decidi lançar-me no projeto. O fato de ser israelense me garante um grande conhecimento do território, da política e daquilo que está acontecendo hoje. Começamos a criar um passeio diurno de israelenses nos Territórios, especialmente em Jericó e em Belém; cada vez havia sempre mais pessoas e tivemos de substituir os automóveis pelos ônibus especiais”.
Hoje os passeios são organizados regularmente toda semana. Mas o trabalho começa bem antes, e não se limita à organização das visitas à Palestina. “Geralmente, antes de iniciar a viagem fazemos um encontro, sentamos, tomamos um café e todos falam um pouco de si. Se um palestino é um músico e um israelense também é, queremos que o saibam, assim durante o dia podem conversar e falar a respeito. Certamente as paixões comuns ajudam. E, parece estranho mas é assim”, sorri, “israelenses e palestinos têm diversas paixões em comum”. Um modo como outro qualquer de dizer que são homens.
Alguém trabalha no comércio ou, quiçá, é um engenheiro, mas qualquer um pode encontrar no outro pontos em comum, frequentemente para trabalhar juntos. Restrições políticas permitindo. “As pessoas estão criando networks sociais e, no final de cada viagem trocam mails e Facebook, para continuar a se comunicar”. Os problemas maiores para Eran ocorrem no checkpoint, “devido a todas aquelas horas que ficamos ali esperando, mesmo se agora o sistema está melhorando”. Eran e os seus não pretendem resolver o conflito. Eles têm consciência de que “a solução é política, mas o problema principal é que as pessoas não se encontram nunca. Ninguém conhece a situação do outro. Nós começamos a criar um movimento popular no qual as pessoas começam a se conhecer, a descobrir que também do outro lado do Muro existem pessoas de bem”.
Isso pode acontecer até entre dois ex-militantes. Como Nitzam e Roni, israelense um e palestino o outro, que se reencontraram juntos no ônibus. Roni tinha sido ferido a uma perna por Niztam durante a segunda Intifada. “Não sabíamos disso, mas eles se viram e logo se reconheceram. O que aconteceu depois, porém, é meio incrível: tornaram-se amigos e agora trabalham juntos em uma associação que fundaram em favor da paz. Foi o dom maior de todos estes anos”. Parece uma utopia em uma terra dilacerada pelo conflito. Ao invés, naqueles ônibus, torna-se a coisa mais normal do mundo.