Compartilhar para conhecer, conhecer para decidir (e construir)

Em São Paulo, um grupo de amigos da Companhia das Obras promoveu um encontro público para falar de economia e trabalho, buscando ajuda para enfrentar de modo construtivo a crise do país
Adriano Gaved

As premières sempre se destacam: compor um canto novo requer uma consciência diferente de cantar um antigo, embora belíssimo. O primeiro gesto público da Companhia das Obras de São Paulo (CdO Sharing) foi um pouco assim: já tive reuniões de amigos pedindo amigos mais preparados para explicar a gerência de projetos ou o Plano Real, ou de ajudar a enfrentar encruzilhadas encontradas no trabalho. Foi a evidência que temos uma posição interessante, que entra mais na realidade (a realidade-realidade, aquela de todos os dias), e que queremos aprofundá-las com todos, que levou isso da conversa na mesa de bar – literalmente – ao público.

O lugar: o auditório da FEI. O tempo: uma quarta-feira chuvosa de outubro. O tema: a crise econômica do Brasil, que há tempos passou do papel dos jornais para apertar-nos e nos provocar a mudar: de trabalho, de hábitos, de atitudes. Os relatores: Daniel Fachin, economista especializado em finanças quantitativas, falou da situação geral. Otavio Silva, empreendedor, de como a crise mudou a ele e ao seu negócio.
Bastou um slide de Daniel para mostrar a situação do Brasil: Estado gastando mais do que arrecada, PIB caindo nesse ano e no próximo, carga fiscal que sobe. As causas? Externas e internas: a queda do preço das matérias primas, os investimentos voltando para os Estados Unidos, o vazio de poder, a paralisia das corporações, provocada pelos escândalos. Única novidade além dos fatos bem conhecidos: o gasto em aposentadorias absolutamente desproporcional à idade da população. A Itália lidera em gastos e idade e está na UTI, mas o Brasil vai entrar logo lá se não mudar rapidamente as suas regras. Ironicamente, quem mudá-las vai depois perder as eleições.

Normalmente aqui começa a choradeira indignada contra os políticos corruptos, mas Fachin começou a mostrar a situação da Europa (com tensões Norte-Sul e guerras nas fronteiras (Paris ainda não tinha sido atingida), da China (bolsa imprevisível, economia que o Partido não consegue mais controlar), dos Estados Unidos (crescendo de novo depois da crise de 2008, mas só graças a uma inundação de dinheiro da parte da FED)... O Brasil tem os seus problemas específicos, mas “o” problema é bem maior. A nível mundial assistimos nos últimos 60 anos o maior desenvolvimento da história, mas “esse modelo de desenvolvimento esgotou – fala Fachin – hoje sobre isso muitos economistas concordam”. O que ninguém tem – no Brasil e no mundo todo – é um modelo alternativo e praticável: este é o tamanho do desafio à nossa frente.

“Os problemas econômicos têm raízes econômicas no médio prazo. Em um período de 50 anos os problemas econômicos têm causas culturais” (quem no Brasil fala assim?). Um exemplo prático: a crise da aposentadoria vem do envelhecimento da população que deriva do “niilismo gaio” que impera na mentalidade ocidental. Essa economia não se arruma economicamente.

“Só pode ser o homem que muda a história. Quanta diferença entre as trajetórias da República Tcheca e da ex-Iugoslávia, todos países juntados artificialmente e se dividindo com a queda do Império Soviético... a diferença entre Havel e Milosevic”. Mais ou menos o contrário do que toda a cultura atual nos leva a pensar, e que arrepia um pouco pensando na nossa responsabilidade.

Otavio Silva falou da trajetória dele, da insatisfação que viveu até entender que precisava de um trabalho que fosse uma expressão sua em todas as dimensões. A sua ideia, como todas as ideias inovadoras, é bem contra-intuitiva: vender marmitas e garrafas inovadoras e de alto design. O público é quem leva sua comida de casa para ter certeza que é saudável. “Nesse segmento as pessoas se identificam mais com o que elas comem do que com o que elas vestem”.

Parece absurdo mas foi um sucesso: em 10 meses o seu negócio abriu 5 lojas e teve dez convites para abrir no exterior, foi premiada como principal inovação no varejo brasileiro e incluída entre as dez ideias inovadoras do varejo mundial pela prestigiosa revista design: retail.

Enquanto Otavio falava era clara a afirmação “teórica” feita por Daniel: a fonte dessa riqueza e dessa novidade estava nele e no seu sócio. O homem fraco – sobretudo na sua percepção da realidade – gera uma economia fraca e repetitiva, o homem aberto e sem medo encontra novos caminhos e gera progresso real.

Também um negócio em crescimento é impactado pela crise. Os investimentos são feitos com base nas receitas esperadas e se não se materializam é preciso fazer ajustes. Entre eles, o mais doloroso é o corte de funcionários. A empresa passou por essa mas sem o usual cinismo: além da surpresa de ouvir no colóquio de demissões pessoas agradecerem pelo período passado na empresa, fizeram um grande esforço para ajudar na recolocação de quem a empresa não consegue mais sustentar.

Para fechar a noite, os 60 participantes tiveram até a graça de uma coisa muito rara: verdadeiras perguntas. “Como mudou o seu jeito de gerenciar sua empresa na crise?” “Três coisas: parei de me lamentar, fiz um esforço para reduzir os custos, começando pelo meu salário e então o meu estilo de vida, e – ao invés de fechar-me – fiz o esforço de ficar aberto, sobretudo ouvindo as dicas e as observações dos funcionários”. Uma dessas propostas foi produzir no Brasil: vai começar em abril.

Diante da crise que passamos é quase nada. Quase.