Os que chegaram por último são os que nos ensinam quem somos
Em Moscou a Assembleia dos Responsáveis das comunidades dos países da antiga União Soviética com Pe. Carrón. As histórias, as descobertas, o maravilhamento, e as perguntas, sempre mais urgentes, dos ortodoxos que aderiram a CLHá certas manhãs nas quais tudo sai errado. Os pensamentos de Ramsia viajam nervosos: “A menina não obedece... Saímos atrasadas. Demorado demais este semáforo”. O carro está parado no tráfego de Astana, Cazaquistão. O semáforo abre e, tão logo engata a primeira, ouve um grande estrondo e a janela traseira está em pedaços. Um ônibus colidiu por detrás. Não se machucou, mas seus programas para o dia estão por terra como os estilhaços de vidro. Desce do carro. Olha na cara o motorista. “Improvisamente um pensamento me atravessou a cabeça e liberou-me de todas as preocupações daquela manhã: ‘Olha o que Deus faz para que eu me lembre dele’. Senti como que um estranho senso de gratidão pelo ocorrido, como se, naquela forma, Deus me perguntasse: ‘Para onde você corre? Por que corre tanto?’”.
Uma centena de pessoas reunidas em um Hotel de Moscou com Pe. Julián Carrón para a Assembleia de Responsáveis de CL dos Países da antiga União Soviética (10 a12 de março) escuta o relato de Ramsia com uma curiosidade meio hilária. Vêm de Rússia, Bielorrússia, Lituânia, Ucrânia, Cazaquistão e Azerbaijão. Os católicos são maioria, 63, mas os ortodoxos são 44 e os protestantes 4.
O relato continua: “Eu receava que o motorista tivesse a habilitação suspensa e ficasse sem emprego. Poucos dias depois, no tribunal, eu pedi ao juiz que o punisse apenas com uma multa”. Após a audiência, encontra-o. Em lágrimas, o homem lhe diz: “Eu tinha pedido a um parente que trabalha no Fórum para fazer alguma coisa, mas me respondeu não ter tempo. Ao invés quem me ajudou foi logo você”.
“O que lhe permitiu reagir assim?”, pergunta Carrón. Ramsia hesita. Ele insiste: “Às vezes o Mistério usa alguma coisa que não esperamos para romper a gaiola das preocupações em que vivemos. Anos de adesão ao movimento, vividos como um início que continua a ser início, te educaram a chegar à origem última das coisas que acontecem”.
Anja é uma moça ortodoxa de Moscou. Toma a palavra e conta que, com o seu namorado Misha, Roman e os outros amigos da “comunidade voadora”, foram à cidade de Misha, Gomel, na Bielorrússia, para apresentar a mostra sobre o metropolita Antonij de Suroz, realizada para o Meeting de Rimini 2015. Tudo nascia do desejo de fazer conhecer aos amigos aquilo que Misha havia encontrado e de que todos lhe pediam explicação, sem que ele estivesse em condição de fazê-lo de modo convincente. “Trinta de nós, de Moscou, Kiev, Kharkov e Minsk, fomos e ali ficamos por um fim de semana”, explica Anja: “Quando voltei, me dei conta que conosco não estavam as pessoas maravilhosas com as quais eu tinha encontrado a comunidade: os italianos católicos e Alexandr Filonenko. Ali eu vi que estava acontecendo a mesma beleza que geralmente vem à vida entre nós em Moscou. Mas lá estávamos só nós estudantes. Até aquele momento não tinha entendido em que termos a nossa comunidade fosse ligada ao movimento. Pensava que a alegria nascesse da possibilidade de estar com pessoas especiais. Em Gomel, fomos nós que levamos aquela coisa tão extraordinária. Voltando, vi claramente que a origem daquela novidade era Dom Giussani”. Carrón retruca: “Como entendeu que esta amizade era uma coisa extraordinária? Foi porque alguém lhe explicou?”. Anja: “Porque eu vi e vivi…”. Carrón: “Não perca nenhuma palavra! O que viu e viveu?”. Anja: “Um encontro”. Carrón: “Não comece a sobrepor o jargão de CL...”. Anja: “Eu vi pessoas que se relacionavam comigo de um modo diferente. Estava espantada e interessada por isto”. Carrón: “Entendem? Não através de um congresso, não através de uma lição. Mas através de uma experiência. As pessoas de Gomel puderam ver através do modo de viver de vocês”.
É a vez de Laly, de Kharkov, ela também ortodoxa: “Diversas vezes eu senti sobre mim o amor de Deus, porque me doara relacionamentos muito queridos. Mas o que vivo na comunidade é diferente: é uma felicidade sem um motivo preciso, uma felicidade por estarmos vivos. É um olhar diferente para o meu coração, que não se preocupa se errei ou não. Eu cresci em uma família soviética com oito irmãos e ninguém nunca me perguntou qual era meu desejo. Esta amizade, ao contrário, educa o meu desejo. Eu, no começo, tinha sempre desculpas para não ir aonde me convidavam. Porém certa vez ouvi esta resposta: ‘Não lhe peço se pode vir, peço-lhe se o deseja’”. “Una pessoa entende que existe aquilo que o seu coração procura só quando o encontra”, comenta Carrón: “Por isto o cristianismo, para ser compreendido, deve acontecer em nós”.
Sonja, de São Petersburgo, conta ter publicado no Instagram as fotos das férias de verão da comunidade russa. Uma amiga a encontra e lhe diz: “Se não te conhecesse, diria que você acabou em uma seita”. E ela: “É realmente semelhante a uma seita?”. “Diria assim se não te conhecesse e não visse como você é viva”. Diz Sonja: “Eis o que fez o movimento à minha vida”. E Carrón: “As mudanças na vida são a documentação de que Cristo ressuscitou”.
Padre Sergij é o reitor do ginásio ortodoxo de Kemerovo, Sibéria. Encontrou o movimento por meio de Pe. Giampiero Caruso de Novosibirsk e a amizade com Franco Nembrini o levou a irmanar a sua escola com a Traccia de Calcinate. “Digo três coisas: para mim é evidente que Cristo ressuscitou; para mim é evidente que eu sou um sacerdote; depois digo que sou um homem. E esta última coisa não é óbvia e me questiona muito. Eu não consigo relacionar-me de um modo normal comigo mesmo enquanto homem criado por Deus. E é por isto que amo o movimento, porque é uma amizade que me ajuda a responder às minhas perguntas sobre o homem. E ocorre que as respostas chegam de modo imprevisto, quiçá por perguntas a mim dirigidas”. E aqui relata como Filonenko lhe enviou para um estágio Misha e Anja (ver acima). E que, de modo surpreendente, daí nasceu uma amizade. Também porque Misha, intervindo no colegiado dos professores, relatou um fato simples ocorrido na Itália que lhe fizera entender que é a liberdade: “Não é conquistar espaços nos quais a pessoa é independente, mas nasce do sentir sobre si um olhar que liberta”. “Para mim também foi assim”, conta Carrón: “Tinha estudado Teologia por anos, mas tive de esperar fazer a experiência do movimento para entender na vida aquilo que aprendi no Seminário”.
A presença de amigos ortodoxos neste tipo de encontros não para de ser fonte de surpresa e de pergunta (mas a partir deste ano renasceu também um pequeno grupo de Escola de Comunidade com quatro jovens protestantes de Voronez…). Não é um caso que as colocações de sábado à noite (Giovanna Parravicini de Rússia Cristã, Jean-Francois Thiry da Biblioteca do Espírito de Moscou e Dmitry Strotsev, poeta bielo-russo) são dedicadas à figura de padre Romano Scalfi. A sua amizade com Dom Giussani é a origem de tantas coisas que hoje vemos acontecer na vida do movimento nestes países. Não havia acontecido, por exemplo, que uma Divina liturgia, celebrada por um sacerdote ortodoxo, fizesse parte integrante de uma Assembleia de Responsáveis de CL. Ao sair, padre Francesco Braschi, sucessor de Scalfi, tem os olhos rasos de água.
O relacionamento entre CL e a ortodoxia é também o tema com o qual se encerra o diálogo público na Biblioteca do Espírito de Moscou, entre Carrón e Misha (sempre ele) e Roman, ambos trabalhando em universidades ortodoxas de Moscou com doutorados sobre o pensamento do fundador do movimento. Misha havia contado como é difícil hoje falar da fé aos próprios coetâneos e pergunta se é realmente possível comunicar hoje um sentido de esperança para a vida. Roman explica como, a um certo ponto, as palavras de Dom Giussani iniciaram a tomar significado quando na sua vida aconteceram fatos particulares. E pergunta: como compartilhar o que me aconteceu? Carrón responde primeiro indo ao fundo da crise do homem contemporâneo: “Com o Iluminismo achou-se que o que o cristianismo trouxera pudesse ser vivido sem que haja de novo o acontecimento de Cristo”. E como volta a acontecer hoje? “Deus não mudou o método: também hoje se comunica por meio de uma história particular. É demasiadamente pouco? Deus deseja que nós o reconheçamos de modo livre e corre o risco de que O rejeitemos”.
Logo vem a última pergunta, a mais urgente: “Que significa o que está acontecendo a nós ortodoxos que nos encontramos no movimento, para o senhor que é o chefe de CL?”. “Eu guardo a pergunta. Quero responder continuando a amizade com vocês. É só na experiência que se compreende aquilo que nos acontece. Tenho certeza de que vocês nos ajudarão a entender mais, com a sua sensibilidade, o dom que nos foi dado com o carisma de Dom Giussani”.