O futuro do trabalho é hoje
Em uma época que muda, é impossível que o trabalho fique igual: o que nos espera, mais cedo ou mais tarde? O escritor William Gibson disse que o futuro já está aqui, só não é uniformemente distribuídoAcesso Freelancer.com. Vejo a lista de projetos que o site acha que eu posso fazer. Dois minutos atrás alguém da Suíça postou um pedido de ajuda sobre Cain&Abel (rápida viagem para Wikipédia para descobrir que é uma ferramenta para recuperar senhas em Windows. Entendo a ironia do nome: pode ser usada para o bem e para o mal). Enquanto navego já tem três que se ofereceram, por poucas dezenas de dólares. O primeiro é um grupo de desenvolvedores na Índia. São especializados em Shopify (um ambiente para desenvolver sites de venda), mas evidentemente conhecem a ferramenta. A segunda é uma paquistanesa, foto com véu, desenvolvedora Web. O terceiro é um americano, que faz questão de evidenciar isso colocando a bandeira dos EUA como fundo do seu avatar.
Como o Mercado Livre, o site mostra a reputação de vendedores e compradores; a diferença é que aqui não se trocam velhos telefones ou geladeiras, mas trabalhos. Ou melhor: tarefas, micro tarefas. É mercado na sua forma mais pura. A oferta encontra a demanda, a informação é perfeita, a competição é mundial e determina o preço. Pura meritocracia: cada um vale quanto pode ser útil, e a verificação é diária. A cada dia se vence ou se perde.
Eu e a plataforma
Foi em 1932 que pela primeira vez se observou a relação entre os custos das transações e o tamanho das empresas. Se para cada tarefa devo achar potencias executores, selecioná-los, negociar preço e condições, preparar e assinar um contrato específico, o melhor é contratar uma pessoa em uma organização estável, ou seja, na empresa. Se o mercado é suficientemente previsível posso garantir que ela não ficará ociosa gerando custos improdutivos.
No entanto, quando o custo cai para quase zero, os casos nos quais convém contratar viram sempre mais raros. No limite, todas as empresas viram “empresas de um” que se juntam temporariamente para um objetivo específico.
O que era uma possibilidade teórica, agora está virando experiência pessoal de milhões de pessoas: são os desempregados que viram microempreendedores, os aposentados com uma pensão insuficiente, os managers de 50 anos expulsos do mercado do trabalho tradicional... É a “uberização da economia”, como disse um juiz de Belo Horizonte em uma sentença trabalhista em fevereiro deste ano. Quem precisa de uma tarefa encontra quem pode executá-la através de uma “plataforma”. É o Tinder do trabalho. A relação dura alguns dias, ou algumas horas, o dinheiro é trocado online e nunca mais se entra em contato.
Somos todos MEIs (Microempreendedores Individuais)
Mas uma “empresa de um” não deixa de ser uma empresa. Quem são os meus clientes? Do que precisam? Qual produto oferecer? Como encontrá-los? Como comunicar-se com eles? Como negociar o preço? Onde investir?
Em uma empresa tradicional há departamentos dedicados a responder a essas perguntas. Na “empresa de um” cai tudo nas costas do empreendedor. Pode faltar o tempo, e normalmente faltam pelo menos algumas competências.
É um desafio que pode dar medo. Um empregado deve se preocupar só em executar tarefas, um empreendedor em achar clientes. Uma organização é estável e garante um salário mensal, uma “empresa de um” deve adaptar-se continuamente e as receitas são variáveis. Estar doente ou de férias significa não ganhar... Casar-se, ter filhos, comprar casa viram decisões muito mais difíceis.
Ao mesmo tempo, essa situação obriga quem trabalha a um realismo novo e maior. O “eu” e as suas virtudes não são mais o que faz a diferença entre graus de sucesso de carreira. Se nos anos ‘80 a economia dos serviços procurava profissionais especializados, agora o “eu” e as suas virtudes viram indispensáveis: inteligência, empatia, criatividade, comunicação... Neste mundo de freelancer, sem esses atributos não se pagam as contas no final de cada mês.
O “nós” faz parte do eu
Mas o eu nunca fica isolado (só se tiver algum problema patológico, se tiver algo que não funciona). Nesse cenário, os “eus” se juntam, se criam novas agregações ou se descobrem as antigas: conexões repetidas entre fornecedores, grupos de competência que se ajudam em dúvidas técnicas, a família. Uma dessas agregações é a Companhia das Obras (CdO), uma rede de ajuda recíproca de pessoas, empresas e ONGs.
A CdO vai aprofundar esses temas no seu próximo Fórum Nacional, em São Paulo, nos dias 24 e 25 de junho. Se algo ressoou em você lendo esse artigo, conversemos: contato@cdo.org.br .
(Matéria publicada na edição de Março/2017)